Bota-fora. Quando é preciso esvaziar o saco
Liberar-se do inútil é tão importante quanto conservar o útil. E às vezes até bem mais importante
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Por: Luis Pellegrini
No último sábado, precisava de um papel com anotações e não lembrava onde o guardara. Abri as gavetas da escrivaninha, uma a uma, e levei um susto: todas estavam cheias até as bordas com montes de pastas fechadas, cadernos amarelados, recibos de contas, canhotos de talões de cheques, objetos quebrados, e até sacos de plástico com as pedrinhas que eu colecionava na infância. Claro, não encontrei o bendito papel.
Fui para a cozinha preparar um chá. Mas onde estaria a caixinha com sachês de erva cidreira? O interior da despensa parecia uma seção doida de supermercado: temperos, chás, sopas e capuccinos instantâneos, latarias, pacotes de spaghetti Barilla, vidros de palmito. Claro, não achei a erva cidreira.
Melhor sair para um passeio. Abri o guarda roupa em busca do meu jeans preferido. Ao folhear entre os cabides, eis que o pau que os sustenta se desprende e vem abaixo, exausto do peso que suportava. As roupas todas rolaram para o chão, parecendo uns bichos moles subitamente liberados das suas jaulas.
Fui tomado então por um faniquito histórico, daqueles que a gente nunca mais há de esquecer (ainda bem que não haviam testemunhas por perto). Respirei fundo, e decidi: É agora ou nunca! Chamei Dona Célia, a santa senhora que há mais de vinte anos tenta - sem muito êxito - controlar minha desordem, e conclamei-a à luta: “Traga um monte daqueles sacões plásticos pretos. Hoje vai ser dia de bota fora”.
E assim foi. Mais da metade do que estava no guarda-roupa foi parar dentro dos sacos. Outro tanto para as comidas que envelheciam na despensa. A batalha mais renhida foi com a papelada nas gavetas, mas também ela teve de amargar sua derrota.
Final da tarde, missão cumprida. Exausto, atirei-me ao sofá da sala. Logo chegou Dona Célia trazendo os louros da minha vitória: um café fresquinho, feito naquela máquina mágica da Nespresso que ganhei da minha irmã Néo no Natal.
Tomei um primeiro gole, pensei em todos aqueles espaços vazios que agora estavam à minha disposição e, então, um milagre aconteceu. Uma sensação de grande prazer foi tomando conta de mim, um contentamento de criança como não sentia há muito tempo. O prazer do dever cumprido.
Entendi a lição: liberar-se do inútil é tão importante quanto conservar o útil. Prometi nunca mais deixar-me escravizar pela ditadura do supérfluo e, a partir de agora, conservar apenas aquilo que é necessário. Vou conseguir? Aguardem os próximos capítulos...
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