Boko Haram: Os talibãs negros
Boko Haram: duas palavras que têm o mérito de resumir o programa de uma das mais violentas e tresloucadas organizações terroristas que atuam no momento. Este neologismo haússa, a língua mais falada no norte da Nigéria, significa "o Ocidente é impuro".
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Na metade de abril, no norte da Nigéria, os terroristas da seita islâmica Boko Haram sequestraram cerca de 300 garotas, entre meninas e adolescentes. Qual a razão do rapto? O fato de que essas mocinhas estudavam, iam à escola para serem educadas. A educação das mulheres é considerada um sacrilégio pelo membros dessa organização fanática, condenada pela maioria das próprias populações muçulmanas.
As ações terroristas da Boko Haram na Nigéria, no entanto, não começaram agora. Em 2009, a organização fez-se notar por atentados mortais cometidos em várias localidades. Em julho daquele ano o exército lançou uma operação militar contra a seita e seu líder e fundador, Mohammed Yusuf, que foi morto.
O governo nigeriano acreditou na ocasião ter decapitado o movimento, e com isso o ter praticamente desmantelado. Mas o engano foi total. Desde então, a organização tornou-se ainda mais radical, semeando mais e mais o terror, sobretudo no norte do país.
"A emergência do Boko Haram traduz a maturação dos impulsos extremistas ancorados desde há muito na realidade social do Norte", explica o analista nigeriano Chris Ngwodo.
Tanto Ngwodo quanto a maior parte dos outros analistas da região acreditam que, para vencer a organização terrorista, será necessário tornar mais eficazes os serviços de informações, que devem aprender a prever e a planejar. Todas as necessidades materiais e não-materiais das forças de segurança devem ser cobertas, incluindo as dos homens situados na linha de frente nas cidades ou nos seus arredores.
Uma cronologia feita de ferro e fogo
Fevereiro de 2002 - Criação do Boko Haram pelo imã Mohammed Yusuf, “teólogo” muçulmano formado na Arábia Saudita.
Dezembro de 2003 - Primeiros atentados.
Julho de 2009 - Confrontos entre o exército e esquadrões do Boko Haram duram cinco dias. O saldo dos conflitos foi de 700 mortos, incluindo 30 terroristas e o próprio Yusuf.
Julho de 2010 - Abubakar Shekau proclama-se novo líder. Escalada da violência mata milhares.
Agosto de 2011 - Atentado à sede da ONU em Abuja. Balanço: 23 mortos.
Maio de 2013 - Declarado estado de emergência no nordeste da Nigéria. O exército bombardeia aldeias, nas quais se suspeita estarem escondidos membros do Boko Haram. Em resposta, a seita dizima aldeias inteiras, suspeitas de apoiarem o exército.
15 de abril de 2014 - O Boko Haram mata 70 pessoas num atentado em Abuja e rapta cerca de 300 meninas e adolescentes em Chibok.
4 e 5 de maio de 2014 - Outras 11 estudantes são raptadas. Atentado em Gamburu, no norte do país, provoca mais de 300 mortos.
20 de maio de 2014 - Atentado em Jos mata 118 pessoas em um mercado e, um dia depois, novos ataques perto de Chibok matam mais 26 pessoas.
Como derrotar um bando de fanáticos
A solidariedade e o apoio militar internacionais são importantes, mas para derrotar os extremistas islâmicos da Nigéria é preciso atacar as suas fontes de financiamento. Isso só será possível se as autoridades religiosas islâmicas colaborarem no combate a essa seita terrorista.
Por: Alain Saint Robespierre, Jornal L’Observateur Paalga, Uagadugu, Burkina Faso (antigo Alto Volta)
“Monstruoso”, “repugnante” e “abominável”. E impossível esconder a indignação perante o ato bárbaro do Boko Haram, a seita islâmica violenta que raptou (em 14 de Abril) cerca de 300 alunas do ensino secundário, cujo único crime era frequentar a escola. Algo que é considerado “pecaminoso" por esse grupo jihadista nigeriano.
Tendo permanecido durante muito tempo uma causa órfã, a luta contra o monstro criado pelo “iluminado” Mohammed Yusuf, que foi morto em 2009 pelas forças nigerianas, atraiu por fim a atenção da comunidade internacional.
Já não era sem tempo! Tempo de pôr fim a este embuste, que avilta a palavra de Alá, deturpa os ensinamentos de Maomé e desonra o Islão.
Desde 5 de maio, dia em que o mundo descobriu, com horror, que as adolescentes raptadas a 14 de abril iriam ser escravizadas e vendidas no mercado como gado, as superpotências estão prestes a entrar no jogo.
Estados Unidos da América, França e Reino Unido decidiram apoiar o Governo nigeriano, sob um coro de críticas pela sua incapacidade, senão incompetência, na libertação das reféns. Até a China, cuja política de cooperação tem se pautado pela não ingerência nos assuntos internos dos países amigos, decidiu se envolver. Isso mostra a emoção despertada pelos gritos de desespero das mães, algumas das quais preferiam que as filhas estivessem mortas, a estarem vivas nas mãos do Boko Haram. Na verdade, esta coligação internacional contra o grupo salafita nigeriano não fará qualquer ataque relâmpago, apesar da mutualização de recursos humanos, financeiros, militares e tecnológicos.
Se tudo correr como prometido, contudo, não restarão quaisquer dúvidas: no terreno, eliminaremos ou, pelo menos, reduziremos drasticamente a capacidade destrutiva da seita. No entanto, o confronto armado não é a solução ideal para vencer esses émulos dos talibãs afegãos. A essa opção militar deve aliar-se uma estratégia de combate bastante mais eficaz: cortar o mal pela raiz.
Ou seja, “secar" todas as fontes de financiamento internas e externas do Boko Haram, dado que o seu impressionante arsenal, o número de combatentes que consegue mobilizar e os sofisticados sistemas de comunicações ao seu dispor são a prova de que essa organização salafita é abundantemente financiada por fundos secretos.
Autoridades cúmplices
Da mesma forma a seita goza da cumplicidade do exército nigeriano e de alguns líderes religiosos locais. Se assim não fosse, que outra explicação poderia haver para, no estado de Borno, a sua “base", o Boko Haram poder esconder veículos blindados e armas automáticas, sem que ninguém tenha dado por isso?
Convém ainda combater a seita no seu próprio terreno: a religião. Como o Instituto AJ-Azhar, no Egito, a maior autoridade no Islão sunita, organizações e Estados muçulmanos do mundo inteiro, todos os outros muftis e mulás, cujas vozes são atentamente escutadas pelas comunidades de fiéis, devem quebrar o seu silêncio e denunciar todas as formas de exploração da fé para fins estranhos aos preceitos do Profeta.
E por isso que temos de aplaudir a coragem da jovem ativista paquistanesa de 16 anos, Malala Yousafzai, que sobreviveu milagrosamente a uma tentativa de assassinato, em 2012, por ter defendido o direito das moças à educação. Esta adolescente, que desde então vive em Londres, foi distinguida com o Prêmio Sakharov para os Direitos Humanos, deu a voz e o exemplo e condenou na CNN o rapto das suas “irmãs": “Os membros do Boko Haram não compreendem o Islão, nem estudaram o Corão. Eles estão denegrindo o Islão". É preciso que mais "Malalas” apareçam e mostrem a face!
É preciso acabar com o estado de terror oficial: na Nigéria, o fim da guerra contra o terrorismo não é para amanhã. A violência que colocou o Norte em estado de sítio ressurge na capital Abujá) de maneira trágica.
O balanço oficial do atentado de 14 de abril eleva-se presentemente a 72 mortos e 164 feridos, mas as testemunhas descrevem um quadro ainda mais sangrento. A vulnerabilidade da Nigéria perante este interminável banho de sangue ressalta à luz do dia e ninguém, nem mesmo no Governo, pode fingir que tudo corre normalmente. Isso tem de cessar.
Passar das palavras aos atos
O Estado tem de assumir a sua responsabilidade e de garantir em toda a parte, e sem demora, a segurança dos nigerianos. As condolências e as belas palavras de reconforto às vítimas e aos seus próximos são uma coisa boa, mas o que os nigerianos querem é que a carnificina acabe. Há anos a Nigéria luta contra uma insurreição no nordeste do país e noutras regiões, e até mesmo na própria capital. Face à amplitude da violência terrorista, pode-se duvidar de que o Estado tenha conseguido até agora a mais pequena vitória.
Politização da insurreição
Entre os numerosos atentados ocorridos em Abuja, recordemos o de agosto de 2011 contra a sede das Nações Unidas, que provocou 30 mortos e mais de uma centena de feridos. Em junho do mesmo ano, um atentado contra a sede da policia causou numerosos mortos e feridos. Antes disso, tinha sido um quartel do exército a ser tomado como alvo - os terroristas tinham matado três dezenas de pessoas.
Enquanto a Nigéria se afoga em sangue, assiste-se a um fenômeno ainda mais deplorável com a politização da insurreição: os responsáveis políticos, de tanto trocarem acusações e encadearem discursos de condolências e operações de relações públicas perderam a noção das prioridades. Resultado: não só a solução para o problema continua a escapar-lhes como fica claro que esta elite dirigente está desprovida de escrúpulos ao ponto de tentar explorar esta crise, tanto no plano simbólico quanto no aspecto prático.
O Governo nigeriano bem pode fingir que se opõe a tudo isto, mas o certo é que a sua gestão da ameaça terrorista não merece quaisquer felicitações. E aqueles que designam o Presidente Goodluck Jonathan como derradeiro responsável têm razão. Afinal, foi para proteger a Nigéria e os nigerianos contra os seus inimigos internos e externos que ele foi eleito. O fato de os seus concidadãos do norte, do sul, do leste e do oeste viverem no medo constitui a prova do seu fracasso.
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