As riquezas do fundo do mar: a nova fronteira da mineração

Dono de um extenso litoral, o Brasil começa – tardiamente – a pesquisar o leito marinho sob sua jurisdição, de olho nos recursos minerais. Os estudos mostram que há muito mais do que petróleo e gás para explorar no fundo do oceano

Dono de um extenso litoral, o Brasil começa – tardiamente – a pesquisar o leito marinho sob sua jurisdição, de olho nos recursos minerais. Os estudos mostram que há muito mais do que petróleo e gás para explorar no fundo do oceano
Dono de um extenso litoral, o Brasil começa – tardiamente – a pesquisar o leito marinho sob sua jurisdição, de olho nos recursos minerais. Os estudos mostram que há muito mais do que petróleo e gás para explorar no fundo do oceano (Foto: Gisele Federicce)


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Na ilustração, a plataforma e o navio permanecem na superfície, coligados por vários cabos a pontos de extração de gás do subsolo no fundo do mar.

 

 

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Por Eduardo Araia

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Se um determinado produto começa a faltar, a elevação de seu preço viabiliza alternativas mais caras de encontrá-lo. Essa regra simples da economia está por trás, por exemplo, da descoberta de petróleo na camada de pré-sal da Bacia de Santos. Ela é a base também de um amplo movimento de governos e de indústrias mineradoras, nos últimos tempos, cujo alvo é um enorme e ainda pouco conhecido reduto: o mar, dono de 70% da superfície terrestre.

As primeiras expedições dedicadas a explorar as profundezas oceânicas ocorreram nas décadas de 1960 e 1970. Nessas ocasiões foram descobertos no Pacífico Norte nódulos de manganês ricos em cobalto, cobre e níquel. A descoberta, porém, ficou apenas no nível científico em virtude de dois fatores básicos, um político e um tecnológico.

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De início, não havia um acordo abrangente sobre qual área da plataforma continental pertencia a determinado país e, em consequência, onde começavam as águas internacionais. As respostas a essas questões só avançaram com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, que estabeleceu os princípios gerais da exploração dos recursos submarinos. Outra dificuldade eram os enormes custos gerados por um instrumental ainda precário para essa tarefa. Mas a evolução tecnológica e a procura crescente por esses recursos estão tornando a relação custo-benefício mais favorável aos mineradores.

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Robô submarino usado para prospecção de minérios no fundo do mar.

Hoje em dia, praticamente todos os minerais e pedras preciosas são explorados no oceano. Nove entre dez diamantes extraídos atualmente vêm do mar que banha o litoral da Namíbia e da África do Sul. No início deste século foram encontrados nas profundezas grandes depósitos de sulfetos polimetálicos, cuja composição inclui ouro, prata, cobre, ferro e zinco.

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Dono de um litoral de cerca de 7.400 quilômetros, o Brasil tem um vasto patrimônio submarino a explorar – o que, como de hábito, começou a fazer com atraso. Agora, porém, o país ganhou uma ferramenta preciosa: os estudos geológicos feitos pela Petrobras nos últimos 20 anos na Bacia de Santos.

Sigilosos até há poucos anos atrás, os dados reunidos pela empresa só recentemente passaram a ser divulgados para outras instituições brasileiras. O governo federal demonstra interesse na pesquisa mineral marinha, destinando-lhe recursos pelo Programa de Aceleração do Crescimento e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. No fim do ano passado, o País levou à Autoridade Internacional para o Fundo do Mar (Isba, na sigla em inglês), que cuida do controle da exploração no leito dos mares, seu primeiro pedido para desenvolver pesquisas de mineração oceânica. O projeto, a ser desenvolvido na Elevação do Rio Grande, área de cerca de 3.000 km2 no Atlântico Sul (ver quadro), deverá envolver um investimento de US$ 11 milhões nos primeiros cinco anos de contrato, que teria duração de 15 anos.

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Navio-plataforma Cidade de Angra dos Reis, da Petrobrás

Mas o trabalho no setor ainda é precário e depende muito do apoio fornecido pela Petrobras e pela Marinha. Assim como a estatal esteve envolvida nos últimos 20 anos com as pesquisas sobre a Bacia de Santos, a Marinha dedicou-se nesse período a um programa de investigação da plataforma continental, o Leplac, a fim de pleitear junto à ONU a soberania brasileira sobre a área da plataforma oceânica situada fora da zona econômica exclusiva (a reivindicação foi atendida em 81%). Só quando todas essas prioridades foram equacionadas é que os cientistas começaram a embarcar para fazer pesquisas geológicas no mar.

“Em termos acadêmicos, o atual momento da geologia marinha brasileira é bem melhor que no passado”, disse a professora Helenice Vital, líder do grupo de pesquisa Ciências do Mar e Ambientais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Os equipamentos estão mais compactos e mais acessíveis financeiramente, permitindo que mais universidades possam adquiri-los. Entretanto, o meio flutuante – a falta de navios de pesquisa – continua a ser o principal gargalo.”

Carlos Alberto Leite, comandante da Marinha, reconhece a validade das reclamações, mas observa que a situação era justificável por questões estratégicas: “Tanto o Leplac como o pré-sal foram muito importantes para chegarmos a esse momento espetacular que estamos vivendo em relação ao mar.” Ele é um dos responsáveis por um programa governamental, o Remplac, criado em 1997 – mas só avivado em 2005 – para mapear os recursos minerais marinhos (com exceção do petróleo) nos 4,5 milhões de quilômetros quadrados da plataforma continental brasileira.

Na ilustração, a plataforma permanece coligada a vários veículos que fazem a prospecção de minerais no solo submarino

A iniciativa, coordenada pelo Ministério das Minas e Energia no âmbito da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, envolve a Casa Civil, 13 ministérios, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (estatal) e o CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas), além da Marinha, de 15 universidades e de outras instituições federais.

Além do Proarea (ver quadro), o Remplac responde pelos grandes projetos de pesquisa de mineração marinha desenvolvidos no Brasil. Dois deles dedicam-se à busca de pedras preciosas: ouro na região da foz do Rio Gurupi, entre o Pará e o Maranhão, e diamantes na costa baiana, na área da foz do Rio Jequitinhonha (em cuja bacia, em Minas Gerais, foi extraída quase toda a produção diamantífera do país até os anos 1980).

Sulfetos polimetálicos depositados a profundidades entre mil e 4 mil metros estão sendo pesquisados nas águas em torno do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, a cerca de 1.000 km de Natal. Ótima fonte de fósforo (minério já raro em terra e muito usado nas indústrias de fertilizantes e de ração animal), a fosforita é objeto de estudos no litoral da Região Sul. Por ser encontrado em águas rasas, o calcário marinho (útil em fertilizantes, alimentos e cosméticos), pesquisado nos litorais do Nordeste e do Sudeste, já é explorado comercialmente, no Maranhão e no Espírito Santo.

A animação científica com as novas descobertas fica algo embaçada quando se fala no impacto ambiental da exploração comercial. Dois fatores são destacados por Fábio Motta, coordenador do Programa Costa Atlântica, da SOS Mata Atlântica, e pesquisador da Unesp: o aumento da turbidez da água, que afeta a fotossíntese, e a destruição de hábitats, com possível interferência na pesca. Mas como ainda não existe mineração marinha em grande escala, fica difícil avaliar a questão.

“A exploração comercial dos minérios no fundo do oceano teria de ser feita de forma mais restritiva, pois no mar os danos não são visíveis”, ressalta Helenice Vital. “Além disso, no caso do Brasil, ainda não conhecemos suficientemente o meio submerso para mensurar os prejuízos que a mineração poderia ocasionar.”

A enorme distância que existe entre a plataforma (na superf[icie) e as reservas de petróleo na camada do pré-sal.

Montanhas submersas

O governo brasileiro não desenvolve pesquisas de geologia marinha apenas na plataforma continental. Seu Programa de Prospecção e Exploração de Recursos Minerais da Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial (Proarea) destina-se a identificar e avaliar o potencial mineral de regiões com importância econômica e político-estratégica para o país situadas na Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial.

Seu primeiro alvo é a Elevação do Rio Grande, um maciço situado a cerca de 3 mil quilômetros do litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Sua base está a 4 mil metros de profundidade, mas seu cume fica “apenas” 800 metros abaixo do nível do mar. Segundo estudos preliminares, a área tem depósitos de crostas cobaltíferas, ricas em manganês, níquel, platina, cobalto, tálio e telúrio. Também há indícios de terras-raras (minerais importantes na indústria da computação e em painéis solares).

O Brasil fez sua requisição no fim de 2013 de olho em fatores políticos, estratégicos e econômicos: “Estamos garantindo que o país tenha recursos estratégicos no futuro”, afirma Kaiser Gonçalves de Souza, chefe da divisão de geologia marinha do CPRM. Alemanha, França, Rússia, Japão, Coreia do Sul, China e Índia, além de um consórcio que reúne Cuba e países do Leste Europeu, já aguardam o parecer da ONU quanto às suas solicitações.

MAPA

Riquezas do mar brasileiro

Conheça abaixo os principais minérios do leito marinho na costa brasileira, pesquisados em projetos conduzidos pelo governo federal em parceria com universidades.

OURO E METAIS PESADOS

Na região de Vizeu-Carutapera, entre o Pará e o Maranhão, a até 200 metros de profundidade

SULFETOS POLIMETÁLICOS

Nas águas ao redor do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, em plena área da cadeia meso-oceânica

AREIA E CALCÁRIO

Do Maranhão ao Espírito Santo, em águas com até 30 metros de profundidade

DIAMANTE

Na área da foz dos rios Pardo e Jequitinhonha, a até 1.000 metros de profundidade

Arquipélago de Trindade e Martim Vaz

ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA

EXTENSÃO DA PLATAFORMA CONTINENTAL

FOSFORITA

Nas bacias de Santos e Pelotas, com profundidade entre 200 e 600 metros

CROSTAS COBALTÍFERAS

Na Elevação do Rio Grande, situada fora da plataforma continental e cujo topo está a cerca de 800 metros de profundidade

ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA

(3,6 milhões de km2)

Nessa área que vai até 200 milhas náuticas (370,4 km) a partir da costa o país tem prerrogativas na utilização dos recursos, tanto vivos como não vivos, e é responsável por sua gestão

EXTENSÃO DA PLATAFORMA CONTINENTAL

(960 mil km2)

Área além das 200 milhas náuticas ainda situada na plataforma continental (a parte submersa da crosta continental, fronteiriça à crosta oceânica). Em 2004, o Brasil reivindicou da ONU o reconhecimento da extensão da plataforma continental, e seu pleito foi atendido em 81% do território pleiteado. A aprovação implica a posse dos direitos de exploração dos recursos minerais do leito marinho. Os 19% restantes ainda estão em negociação.

 

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