Por: Luis Pellegrini
Quando você pensa na Antártica, provavelmente imagina um lugar inóspito, muito frio, varrido pelo vento; o lugar mais branco, mais seco e mais desértico na face da Terra. O continente situado mais ao sul do planeta foi realmente assim, pelo menos durante os 3 últimos milhões de anos, desde a última vez que os níveis de dióxido de carbono na atmosfera atingiram os atuais níveis. Mas agora, uma profunda mudança está ocorrendo, e num ritmo preocupantemente rápido.
Os efeitos do aquecimento global começam a alterar radicalmente a paisagem na Antártica, e isso está acontecendo de maneiras surpreendentes. Cientistas dizem que ocorre um retorno no tempo, uma volta às eras nas quais esse território, hoje acossado pelo frio, era verde. Áreas recobertas por musgos e líquens surgem e aumentam de tamanho como se fossem manchas de óleo, transformando o terreno, outrora desolado, em superfícies coloridas pelo verde vivo. Trata-se de um vislumbre do que será o futuro da Antártica, continente que, no passado remoto, foi rico em vida animal de todos os tipos e recoberto pelo verde das plantas e das florestas.
A Península recoberta de florestas
“Tudo indica que a Antártica está retornando atrás nos tempos geológicos – o que faz todo sentido quando se considera que os níveis atmosféricos do CO2 já atingiram aqueles que vigoravam no planeta até a Era do Plioceno, há 3 milhões de anos, quando a camada de gelo da Antártica era muito fina e pequena, e o nível do mar era bem mais alto”, explica Rob DeConto, glaciologista da Universidade de Massachusetts.
“Se as emissões de gases de efeito estufa continuarem aumentando, de forma descontrolada, a Antártica recuará ainda mais no tempo geológico… talvez a Península será novamente recoberta por florestas, como ela era nos períodos climatológicos do Cretáceo e do Eoceno, caracterizados pela existência do efeito estufa, e quando o continente antártico era quase completamente destituído de gelo”, completa DeConto.
Até o momento, o fenômeno chamado “Antártica verde” está limitado à Península Antártica (NdR: Região onde se localiza a base brasileira Comandante Ferraz). Na Península, duas espécies de musgos vicejam e já recobrem algumas áreas, crescendo num ritmo de 4 a 5 vezes mais rápido do que nas décadas passadas. Esse ritmo de crescimento acontece sobretudo nos meses de verão, quando o solo descongela, e diminui ou cessa durante o inverno, quando o solo se congela novamente. Mas essa camada gelada invernal é cada vez menos espessa e de menor duração, o que representa mais uma prova de que a temperatura média na Antártica sobe a cada ano.
Beleza perigosa
É só uma questão de tempo para que as ervas, os arbustos e inclusive as árvores comecem a brotar na Antártica. A Antártica verde poderá ser um espetáculo belíssimo para ser contemplado, mas é importante lembrar de que o fenômeno não é necessariamente uma coisa boa. Os efeitos das mudanças climáticas são ambíguos e traiçoeiros. A Antártica (assim como, no outro extremo do mundo, as áreas que cercam o Oceano Ártico) pode estar se tornando verde, mas, ao mesmo tempo, ao redor do mundo, os desertos também se expandem, os níveis do mar aumentam, e o clima se torna cada vez mais severo e imprevisível.
“Tais mudanças, combinadas com o aumento das áreas terrestres livres do gelo devido à retração dos glaciares, irão certamente produzir alterações em larga escala no continente, tanto em termos do seu funcionamento biológico, quanto da sua aparência, e tais mudanças ocorrerão durante todo este século 21, e prosseguirão nos séculos vindouros”, escrevem os autores de importante estudo que acaba de ser publicado em Current Biology.
Seu principal autor, o climatologista Matthew Amesbury acrescenta: “Até mesmo esses ecossistemas relativamente remotos, normalmente considerados ainda intocados pela espécie humana, já mostram os efeitos da mudança climática global produzida pelas atividades humanas”.
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