Amondawá. Em Rondônia, uma tribo que vive fora do tempo
Os índios Amondawá, de Rondônia, talvez sejam a única comunidade humana que não conhece o conceito de tempo e nem sequer possui uma palavra para designá-lo. Na sua cultura não existe nada similar aos meses ou aos anos. Ela não possui relógios ou calendários.
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Por: Equipe Oásis
Agendas, despertadores, calendários, relógios: a nossa é uma sociedade obcecada pelo tempo e pelo seu transcorrer. Basta um único segundo não previsto para embaralhar muitas das nossas ações. Embora a subdivisão e a organização do tempo possam variar de uma cultura para outra – e basear-se, por exemplo, em diversos calendários – a relação entre tempo e espaço é, segundo os antropólogos, um fato praticamente constante e transversal.
Frases como “o verão está chegando”, “não vejo a hora de você se casar”, que fazem uma ligação entre um evento e uma ideia de movimento e de colocação universais, são universais.
Mas existe pelo menos uma exceção. Os indígenas Amondawá, uma população amazônica que vive no Estado de Rondônia, contatada pelos brancos pela primeira vez em 1986, parecem não possuir uma noção abstrata de tempo.
Como muitas outras tribos da Amazônia, os Amondawá recorrem, na sua atividade quotidiana (caça, pesca e pequena agricultura local) a um número muito restrito de vocábulos. No seu vocabulário existem apenas 4 números. Relógios e calendários são instrumentos desconhecidos, e as fases do dia são definidas pela posição no Sol no céu. Não existem termos que indiquem meses ou anos e os períodos de tempo mais longos são indicados como subdivisões das estações seca ou chuvosa.
Crianças têm o mesmo nome
Ninguém celebra aniversários: a transição de um momento para outro na vida é indicada por uma mudança de nome e a idade corresponde a um diverso status social no interno da comunidade. diante da ausência de números e da noção abstrata de tempo, esses índios precisam mudar de nome para identificar melhor a fase que estão vivendo.
Por causa disso, várias crianças da tribo são chamadas exatamente da mesma forma. Um menino do clã Mutum, por exemplo, é conhecido por Mbitete ao nascer. Quando tiver um irmão, passará a usar o nome de Kuembu e o próximo recém-nascido será batizado de Mbitete novamente. Os nomes identificam o sexo, a “idade” e o clã ao qual a pessoa pertence e são herdados dos mais velhos pelos mais novos da tribo. Assim como quando ficam mais velhos, esses índios também trocam de nome quando se casam.
Nesse contexto, o conceito de tempo como entidade abstrata não existe. Quando solicitados a traduzir a palavra portuguesa “tempo”, os Amondawá respondem “kuará”, o Sol.
Nenhum problema em português
Um estudo do sistema linguístico dos Amondawá publicado em 2011 por pesquisadores das universidades de Rondônia e de Portsmouth (Grã-Bretanha) conta que quando se tentou ensinar a essa população expressões como “a estação seca está chegando”, que aplicam o conceito de movimento a um evento temporal, a tentativa fracassou inteiramente. A razão da impossibilidade não era um problema cognitivo. Com efeito, os Amondawá não têm problemas quando usam esse tipo de construção ao falar português, a sua segunda língua. E aplicam corretamente o conceito de movimento ao moto aparente do Sol. Mas não conseguem mapear um evento no tempo: o conceito de que um fato já tenha acontecido no passado, ou deva ainda acontecer, é simplesmente rejeitado.
Para os Amondawá o tempo existe em relação à aproximação de eventos naturais, mas não por si mesmo. Não é portanto subdivisível e não pode ser “preso” como uma anotação em uma agenda. Tampouco é imaginável como uma hipotética linha que progride no espaço. O tempo se funde com os próprios eventos e não é, como para nós, uma categoria mental, aplicável a tudo aquilo que acontece.
Os Amondawá constituem um fenômeno único na história das civilizações? Provavelmente não. Repercorrendo essa história, observa-se que as pequenas sociedades rurais, organizadas a partir de uma relação direta com as coisas do quotidiano e os fenômenos naturais sazonais como as estações do ano, sempre conseguiram funcionar sem o auxílio de calendários e relógios. Tais sistemas e instrumentos constituem uma invenção cultural que a sociedade moderna herdou dos antigos babilônios, e aos quais aplicou uma série de regras cada vez mais rígidas. Dessas regras, hoje, não conseguimos mais prescindir.
A maioria desses indígenas fala amondawá e português. Hoje, a tribo inteira é composta por 117 pessoas.
O trabalho sobre os Amondawá foi publicado recentemente na revista britânica Language and Cognition.
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