Admirável mundo novo Google quer desvendar a vida e mudar o mundo
Apesar de discreto, Larry Page, um dos fundadores do Google, é a alma da empresa. O seu lema é “dez vezes mais” e o seu sonho é mudar o mundo. Como? Acesso à internet para todos, criação de um cérebro artificial e fórmula da imortalidade.
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Fonte: Revista Der Spiegel, Hamburgo, Alemanha
No verão passado 30 objetos estranhos apareceram no céu azul da Nova Zelândia: com cinco metros de largura e doze de altura, transparentes e a flutuar ao vento. Eles avançavam em direção às estrelas como medusas gigantes na superfície do mar. Essas medusas voadoras possuíam antenas e tecnologia de radiofrequência.
Os investigadores de ovnis estavam espantados. A CNN cobriu o acontecimento. Mas ninguém fez a ligação entre essa aparição celeste e as ofertas de emprego também bastante inusitadas publicadas alguns meses antes: “Urgente Procuram-se costureiros e peritos em balões. Empregador: Google. Nome de código do projeto: 'Loon' (lunático)”.
Era uma equipe estranha aquela a empresa reuniu ao longo dos meses, às escondidas, por detrás das portas fechadas do seu laboratório secreto na Califórnia. Engenheiros têxteis e peritos em aeronáutica, especialistas de redes sem fios e programadores. Missão: construir uma aeronave como nunca houve. Mais robusta do que os balões meteorológicos resistentes às intempéries. Capaz de resistir a uma maratona: um voo de cem dias, equivalente a três voltas à terra, impulsionada pelos ventos que serpenteiam ao redor do planeta.
Os balões devem subir à estratosfera nunca perdendo contato com as bases no solo. A sua missão a duas dezenas de quilômetros de altitude é ligar o mundo à internet. Foram concebidos para enviar um sinal wi-fi até os pontos mais recônditos do globo.
Dois terços da humanidade não dispõe de uma ligação rápida à internet. E muitos milhões de pessoas não têm qualquer tipo de acesso a ela. É uma carência à qual os patrões do Google querem por fim. Mas resolver o problema pela via clássica requer tempo e dinheiro: é preciso instalar cabos de comunicações e enviar satélites para o espaço. Mas há uma alternativa; a rede de balões. É uma solução tão louca como elegante, dizem os engenheiros californianos.
Ainda é um projeto-piloto, mas, para já, os balões já foram capazes de levar a internet a meia centena de locais recônditos da Nova Zelândia. Se tudo correr bem, depressa interligarão centenas de milhões de povoamentos remotos à Rede mundial. Daqui até ao final da década toda a humanidade poderá estar ligada. Pelo menos é este o desejo de Larry Page, o visionário de 40 anos, fundador do PGD e do Google. Se o meio mais rápido for uma rede de mil balões a girar ao redor do planeta, então que assim seja.
Pensar global e em grande
O Google pensa em grande. Quando o grupo fala dos seus projetos utiliza expressões como: “a humanidade”, “em escala planetária” ou “milhões de utilizadores”. Os que não conseguem pensar assim são repreendidos pelos colegas e pelas chefias da empresa pela sua estreiteza de vistas. É preciso olhar mais longe! Ter mais ambição!
O Google mudou desde que Larry Page, após um interregno de uma década retomou as rédeas (em abril de 2011). O genial e excêntrico fundador, tímido e audacioso, prepara-se para reformar o grupo de ponta à ponta.
A imagem do Google está longe de ser inteiramente positiva. A empresa é pioneira de uma internet sem a qual a vida em rede não seria concebível. Mas é também um polvo insaciável que recolhe os nossos dados, incluindo informações pessoais que não lhe dizem respeito. O Google suscita sentimentos contraditórios como poucas outras empresas, ou seja, admiração e respeito, raiva e medo. Mas esta imagem parece esbater-se à frente dos nossos olhos. Se olharmos mais de perto tudo o que vemos é que o Google começou a movimentar-se a toda a velocidade. Mas para onde? E que consequências terá isso para nós? Porque quando Google se mexe, as implicações disso são sentidas em torno de toda a Terra.
“Sempre fomos uma empresa ambiciosa”, admite Amit Singhal, diretor de desenvolvimento do Google. “Mas com o Larry as nossas ambições mudaram radicalmente; são ainda maiores, mais audaciosas.” São muitos os diretores do Google que têm esse discurso na ponta da língua. Larry Page transformou “dez vezes mais” no credo do grupo: tudo que a empresa faz deve ser dez vezes maior, dez vezes melhor e dez vezes mais rápido.
O que está em causa é mudar o mundo, repete Page com obstinação. É como dizer: não são palavras vãs, acredito nisso. São gente com visão ou simples visionários?
Há muito que o Google não é só uma empresa de internet. Tornou-se também, num grupo mundial de alta tecnologia, uma superpotência econômica com um volume de negócios de 60 mil milhões de dólares e 13 milhões de lucros. Instala redes de fibra ótica, produz computadores portáteis, tablets e programas. Mas isso não é tudo. Larry Page quer fazer do Google a máquina do futuro, capaz de forjar o mundo de amanhã que a empresa quer moldar e orientar.
As viaturas sem condutor e os "Google Glass" (óculos-computador que permitem o acesso à realidade aumentada) constituem a primeira etapa. Os laboratórios do Google estão sempre apresentando inovações. A última delas é o “Projeto Ara", no âmbito do qual se pretende desenvolver um telefone celular modulável (e personalizável). Pode parecer ficção científica, mas o grupo leva esse projeto muito a sério.
Num novo serviço, os engenheiros do Google trabalham em robôs inteligentes. O projeto "Google Brain" desenvolve computadores que procuram funcionar imitando o cérebro humano.
Outra ideia nova são turbinas eólicas voadoras que produzirão eletricidade limpa a baixo custo e em grande escala. Na área central de negócios do Google, especialistas em motores de busca trabalham numa base de dados gigante capaz de ligar em rede todo o conhecimento humano.
E que dizer do Google X, o laboratório secreto fundado por um engenheiro alemão que faz projetos dignos da série Star Trek?
Aposta na investigação
Desde o regresso de Page, o orçamento de investigação do Google duplicou. Em 2013 era de oito mil milhões de dólares (seis mil milhões de euros). O que o grupo não consegue desenvolver, compra tanto patentes como empresas. A última aquisição por 3,2 bilhões de dólares foi a Nest, a empresa do inventor do iPod, Tony Fadell, que concebe aparelhos inteligentes como os termóstatos (a Googl adquiriu posteriormente três outras empresas, as britânicas DeepMind Technologies, de inteligência artificial, e a RangeSpan, de grandes dados. Sem falar da israelense SlickLogin, de autenticação sonora.
Poucas empresas suscitam
sentimentos tão contraditórios como o Google:
raiva e medo, respeito e desconfiança
A Google corteja grandes cientistas da genética, neurociências, eletrotécnica, engenharia mecânica e química.
Todos estes projetos, ideias e experiências estão ligados pelo mesmo conceito: melhorar a vida do homem graças a máquinas inteligentes, seja no escritório, em casa, na rua.
Larry Page quer avançar a passos de gigante. Acha que passinhos fazem cair as empresas na mediocridade. “Há qualquer coisa absurda na forma como as empresas são lideradas. Limitam-se a fazer o que sempre fizeram”, afirma. Alguns quadros do Google temem que o grupo se arruíne com projetos loucos. Um risco moderado já que, graças aos enormes lucros dos últimos anos. Larry Page e o outro cofundador do Google, Sergey Brin, continuam a fazer o que querem e bem entendem.
“Não deveria ser surpresa para ninguém que investimos muito em projetos que parecem insólitos ou especulativos.” É claro que a concorrência entre os grandes grupos tecnológicos é cada vez maior e reina o medo de perder o barco da próxima grande tendência.
Laszlo Bock, diretor de Recursos Humanos do Google, é responsável por 50 mil pessoas em 40 países. Fala um pouco de alemão. Os seus pais fugiram da Hungria e refugiaram-se na Áustria. Quando abordamos o tema da filosofia do grupo ele pergunta primeiro como se traduz “butt kissing” (puxa-saco). Porque é precisamente isso que querem evitar no Google: puxa-sacos que só se preocupam em agradar aos superiores ao invés de melhorar os produtos.
Laszlo Bock passa muito tempo questionando a forma de aumentar a satisfação - e a eficácia - dos empregados. Tem uma unidade de investigação interna, com sociólogos e psicólogos que a cada seis meses define o perfil psicológico dos empregados: seus valores, interesses, modos de vida.
“Organizámos o conjunto da empresa em função das respostas dos empregados, resume Laszlo Bock. A nossa cultura assenta na transparência. Cada empregado tem direito a saber em que estamos trabalhando e tem uma palavra a dizer sobre o funcionamento da empresa.” É uma declaração surpreendente que não corresponde à imagem que passam para o exterior: a de nerds que trabalham por detrás de portas fechadas para transformar bits em dólares.
Poucas empresas suscitam reações tão contraditórias como essa. Por um lado, atrai críticas, condenações e medo. Por outro, o serviço de Laszlo Bock é invadido todos os anos por dois milhões de candidaturas a emprego provenientes de todos os países do mundo.
Para se chegar ao departamento de Recursos Humanos do Google é preciso atravessar todo o complexo do grupo. O Googleplex. Situado junto à Baia de São Francisco, é um vasto parque de vários hectares onde se pode sentir o cheiro do mar, das flores e, às vezes, da cannabis.
Pelo caminho cruzamos com um pouco do que faz do Google aquilo que é, ou seja, tudo o que é googley. Porque é assim que se fala aqui. Os novos colaboradores são os noogles. As bicicletas coloridas estacionadas um pouco por todo o lado, à disposição dos empregados para os longos trajetos entre os edifícios, são as g-bikes. Os luxuosos carrinhos que transportam todos os dias milhares de empregados entre São Francisco e o Googleplex são os g-buses.
Regresso ao poder
A cultura do grupo tem a marca dos seus fundadores. Ambos tinham 20 anos quando criaram o Google em 1998. Em 2001, confiaram a presidência a Eric Schmidt (anteriormente diretor-geral da Sun! Microsystems e presidente da Novell, duas empresas de programas de computadores), porque era preciso um líder experiente para assegurar o crescimento e a entrada na Bolsa. Retomaram as rédeas em 2011: Sergey Brin está na investigação. Larry Page decide a orientação do grupo. Nos últimos anos racionalizou o Google. Desburocratizou-o e o tornou mais rápido.
Larry Page, filho de dois informáticos, estudou numa escola Montessori. Muitos dos que o conhecem dizem que esta experiência o marcou profundamente. Aprendeu a levar tudo à frente. E a dizer sempre o que lhe passa pela cabeça. Mesmo se, como é frequentemente o caso, os seus interlocutores ficam de cabelo em pé. Uma noite, após um jantar, alguém lhe perguntou que problema urgente o Governo deveria atacar. Resposta: “Colonizar Marte!”
Page raramente aparece em público. Quase nunca fala a imprensa. Pouco se conhece da sua vida privada, a não ser que é casado com uma bioinformática e tem dois filhos. Diz-se que é introvertido, extraordinariamente inteligente e dono de uma enorme autoconfiança. "Larry foi ao futuro e voltou para nos dizer como vai ser", é o tipo de brincadeira que se diz nos corredores da empresa.
Larry Page está sempre se queixando da falta de ambição generalizada no mundo.
Larry Pode mostrar um ar impaciente e aborrecer-se rapidamente. Nos primeiros dias do Google, insistiu que não se contentava em fabricar bonitos objetos de consumo, mas tinha a ambição de ser um inventor ao nível de Nikola Tesla (engenheiro sérvio do início do século 20 que revolucionou a produção de energia elétrica ao generalizar o uso da corrente alternada; também brilhou em outros domínios como o das radiocomunicações; Tesla possui mais de 700 patentes registradas).
Quando Page fala da Apple diz coisas como: "Fazem muito pouca coisa e funcionam muito bem. Mas não considero isso satisfatório. Há muito mais formas de facilitar a nossa vida através da tecnologia".
A sua filosofia do “dez vezes melhor” é resumida assim: é mais simples fazer dez vezes melhor do que simplesmente melhorar as coisas. Porque quando avançamos em pequenas etapas nunca encontramos uma ideia radicalmente melhor. É por isso que o Google prefere recrutar generalistas em vez de especialistas: “Quando passamos toda uma carreira fazendo a mesma coisa, resolvemos os problemas como sempre o fizemos, em vez de procurarmos uma nova abordagem", explica Laszlo Bock.
Quando queremos alcançar coisas grandes, não podemos ter medo de falhar. Google trabalha sistematicamente para "destigmatizar as falhas", ressalta Bock. "Confrontamos nossos colaboradores com problemas insolúveis, e essas pessoas superinteligentes falham, ficam irritadas e furiosas. Mas depois aprendem que falhar não é o fim do mundo."
O Google X é um laboratório de vanguarda onde
se trabalha em todo o tipo de projetos, por mais
futuristas que pareçam
Não muito longe do complexo principal da Google está um outro local, anônimo, com mais segurança. Um discreto edifício de tijolo e vidro. Ali estão poucos programadores e muitos engenheiros eletrotécnicos, construtores de maquinaria e técnicos de laboratório. Cruzam frequentemente com Sergey Brin. É este local que faz da Google a empresa mais inovadora, mas também a mais insólita do mundo: trata-se do Google X, o laboratório futurista do grupo. Seu nome é uma alusão à “investigação do desconhecido e da busca da grande solução”. Foi ali que nasceu o veículo sem condutor, que se imaginaram as "Google Classes" e nasceu o projeto "Loon".
0 laboratório trabalha agora numa tecnologia que permitirá construir habitações em alta velocidade, provavelmente utilizando uma gigantesca impressora 3D. Também estão testando turbinas eólicas voadoras com uma dezena de metros de comprimento compostas por quatro hélices movidas pelo vento que geram eletricidade. Essas turbinas descrevem círculos no ar a várias centenas de metros de altitude, enviando a eletricidade para uma estação-base através do cabo que as prende à terra como os papagaios de papel das crianças.
Mas o projeto realmente louco, o golpe que poderá vir a ser um golpe de mestre, situado a meio caminho entre a audácia e a imaginação pura, tem por nome "Moonshof (tiro à lua). Um nome inspirado no célebre discurso do inicio da década de 60 pelo antigo Presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, quando ele anunciou querer pôr um homem na Lua antes do final daquela década. E conseguiu.
Um laboratório especial
O Google X foi fundado e construído por Sebastian Thrun, um dos grandes especialistas mundiais em robótica e inteligência artificial. O seu nome figura em todas as listas dos inventores mais criativos e dos pensadores mais brilhantes do mundo. Ele é uma estrela!
Chegar à verdadeira inteligência artificial significa conceber computadores que pensem como o nosso cérebro
Sebastian Thrun é originário da cidade alemã de Solingen. Frequentou a Universidade de Hildeshcim, em Bonn. Fala inglês com forte sotaque alemão e quando lhe colocamos questões, pisca repetidamente os olhos como que a dizer: vamos lá, não sejam tímidos, perguntem-me.
Quando nos familiarizamos com o seu pensamento, penetramos mais longe no mundo de Larry Page e, consequentemente, no coração da Google. Os dois homens são muito próximos, jantam muitas vezes juntos, “sonham com Moonshots”, discutem as “oito, nove, dez coisas que são verdadeiramente importantes para a Humanidade" e querem “escalar todas essas montanhas - quanto mais altas, melhor.
O custo do desenvolvimento dos produtos não é importante para o Google, explica Sebastian Thrun : “O nosso objetivo é de tal forma grande que o dinheiro que se tem de gastar não é importante”.
A ideia é sedutora, contanto que se ganhe dinheiro suficiente de outra forma. E explica porque é que o Google está tão seguro quanto ao projeto “Moonshot". As pequenas empresas não têm recursos suficientes, enquanto as grandes não querem arriscar os lucros nem o curso das suas ações na Bolsa. Larry Page está convencido de que as empresas que não fizerem apostas de longo prazo irão desaparecer. Há algumas semanas, o Google X apresentou uma lente de contato que mede constantemente a glicemia. Poderia facilitar a vida de milhões de diabéticos. É uma ideia que, pela lógica, deveria ter surgido de uma empresa farmacêutica ou de tecnologia médica.
Mas nasceu aqui e não foi por acaso.
Olhando para o gabinete de Ben Gomes, ninguém diria que ali trabalha um dos pensadores mais influentes do grupo. É uma pequena sala como tantas outras no complexo: tapetes claros, móveis funcionais. Ele a compartilha com três outros engenheiros. Ben Gomes é um dos primeiros colaboradores do Google e desempenhou um papel importante nas três primeiras patentes.
Ben participou no desenvolvimento do motor de busca que deu o nome à empresa. Chamam-lhe “o czar da investigação”. A ele devemos o fato de encontrarmos tudo quando fazemos uma pesquisa no Google. O motor de busca é o “Moonshot” original, o primeiro projeto louco. Naquela altura, quando a Rede dava seus primeiros passos, quem sonharia com pesquisas em milhões de documentos numa fração de segundo?
“Quando cheguei ao Google, em 1999, o objetivo era só conseguir encontrar determinadas palavras-chave dentro de um documento", lembra Ben Gomes.
As buscas na internet foram o primeiro domínio de investigação da Google e continuam objeto de grandes projetos, mas agora as palavras-chave são “nova inteligência artificial” e “interação homem-robô”.
O atual motor de busca trata centenas de milhões de pedidos simultâneos, reconhece sinônimos, completa os pedidos, corrige a gramática, combina atualidade, vídeos e imagens.
Um análogo do cérebro humano
Há dois anos, os investigadores da Google ligaram 16 mil computadores a uma máquina e mostraram-lhe vídeos do YouTube durante três dias. A máquina, esperavam eles, funcionaria como o cérebro de um recém-nascido: bombardeada por informação, começaria a tentar ordenar o mundo e a reconhecer objetos recorrentes. A experiência foi conclusiva. Após 10 milhões de imagens de vídeo, o computador reconheceu objetos, seres humanos e conversas. O projeto chama-se "Google Brain", o cérebro Google. O sistema tenta replicar as ligações neurológicas do cérebro humano.
Já simulou um milhão de neurônios e mil milhões de ligações. Com uma tendência de aumento exponencial.
O grande investigador neste domínio há mais de três décadas é Geoffrey Hinton, professor de Informática na Universidade de Toronto. Grisalho, magro, distinto e articulando cada frase com precaução, consagrou carreira e vida a criar sistemas informáticos “que simulem inteligência orgânica". Queria computadores que “se comportassem de forma mais humana”. Criar inteligência artificial é desde sempre o grande objetivo da informática, mas os progressos têm sido modestos.
Agora as coisas mudam a alta velocidade graças às teorias em que Geoffrey Hinton tem trabalhado. Deep Learning (aprendizagem em profundidade), assim se chama o domínio ao redor do qual se reúnem informáticos e neurocientistas. A ideia é fazer maquinas mais inteligentes que desenvolvam uma compreensão humana do seu ambiente.
Computadores que pensam
Há um ano Geoffrey Hinton trabalha para o Google. Poderia ter ido para a IBM ou para a Microsoft, mas decidiu-se pelo Google “porque aqui não há diferença entre cientistas e engenheiros”. Quem tenha uma teoria interessante pode participar na elaboração de um produto.
Num só ano, a Google aplicou os resultados das investigações de Hinton a alguns produtos. O tempo escasseia, até porque a partir do momento em que o objetivo do Deep Learning se tornou claro, a concorrência começou a apertar.
Em janeiro, o Google pagou 450 milhões de dólares pelo Deepmind, laboratório britânico especializado em inteligência artificial. Se os computadores conseguirem reconhecer melhor os objetos, as pessoas e as línguas, poderemos conceber novos produtos. “Siri”, o assistente vocal do iPhone da Apple e o carro sem condutor são só o princípio.
Assentam numa ideia radicalmente nova: a inteligência humana é o resultado de um único algoritmo. Durante muito tempo acreditou-se no contrário, ou seja, que havia milhares de fontes diferentes e que, para criar inteligência artificial, seria preciso construir inúmeros sistemas informáticos para cada aptidão: língua, lógica, visão...
“Estamos fascinados pela noção de que o cérebro aprende sempre da mesma maneira, afirma Geoffrey Hinton. E desde que consigamos compreender esta forma de funcionar poderemos ensinar a um sistema a visão, a audição, tato, o pensamento lógico."
Um objetivo suficientemente próximo para que o consigamos alcançar é a utilização quotidiana do comando vocal dos computadores. Desde que a Google aplicou os resultados das investigações de Geoffrey Hinton ao reconhecimento vocal de um sistema operativo para smartphones, a taxa de erro baixou 25%.
Agora que “se atingiu a massa crítica”, o investigador acredita que os progressos aparecerão a passos de gigante. Os avanços no domínio do reconhecmento visual também estão cada vez mais presentes na vida quotidiana. Existem já aplicações que reconhecem formas e padrões, fazendo a triagem das nossas montanhas de fotografias, colocando, por exemplo, de um lado os pores do sol e do outro os gatos...
No último outono, o New York Times revelou o que Andy Rubin tinha feito nos nove meses anteriores. Diz-se que ele é um dos cérebros mais dotados no setor das tecnologias: desenvolveu o sistema operativo Android para o Google e depois desapareceu.
Quando reapareceu estava à frente de um novo departamento, especializado em robôs. Andy Rubin estudou robótica. Trabalhou como engenheiro na Carl Zeiss, empresa alemã de ótica. Na altura já tinha grandes ambições, mas poucos meios. Nos meses anteriores, o Google havia adquirido empresas líderes na robótica. Era o caso da Schaft, equipe de especialistas japoneses que desenvolvera um tipo avançado de robô humanoide ou da Bot 8: Dolly que fabricou os sistemas de câmaras robotizadas utilizados no filme Gravidade.
Para a investigação biotecnológica da Google,
a última fronteira é a descoberta do segredo da vida eterna
Nos círculos de especialistas, a empresa já é célebre pelos seus robôs que correm mais depressa que homens, escalam muros e sobem às árvores. Na internet, os vídeos do BigDog e WíldCat, de Petman e Atlas, apresentam monstros metálicos que nos fazem arrepios na espinha por evocarem os filmes da série Exterminador do Futuro. A Boston Dynamics trabalhou para o Pentágono.
E eis que aparecem na internet as teorias da conspiração: a Google prepara um exército de autômatos para escravizar a humanidade? Pelo menos por enquanto o Google parece acalentar desejos bem menos apocalípticos. O seu objetivo é revolucionar os robôs das fábricas, transformando-os em máquinas mais fáceis de utilizar, que aprendam a compreender o seu ambiente e possam efetuar tarefas complexas, como as necessárias à fabricação de componentes eletrônicos. Pelo menos isso é o que dizem os engenheiros ligados ao projeto.
Mas parece também evidente que o Google tem ambições ainda maiores do que fabricar autômatos inteligentes. É muito raro Larry Page divulgar aquilo em que pensa. Em setembro 2013 ele fez uma exceção, talvez porque esse seja o seu “Moonshot" mais ousado, que ultrapassa todos os outros projetos tecnológicos. “Tenho o prazer de anunciar a criação da Calico, empresa da área da saúde, mais precisamente do envelhecimento e das doenças ligadas à idade.”
A Calico é o Google X das biotecnologias. A sua missão é descobrir a chave da juventude eterna ou, pelo menos, de como adiar a morte. Descobrir por que razão o corpo humano se deteriora e fica doente com a idade. E como abrandar esse processo. A direção da Calico foi confiada a Arthur Levinson, presidente do conselho de vigilância da Apple, que dirigiu durante vários anos a Genentech, uma das grandes empresas de biotecnologia do mundo.
Nos últimos meses, Arthur Levinson começou a recrutar médicos e biólogos de renome. incluindo o médico-chefe do gigante farmacêutico Roche e o geneticista de Princeton, David Botstein.
Logo em seguida, o Google fez uma declaração oficial sobre este assunto. "Ainda estamos à procura da melhor abordagem", afirmou um dos responsáveis pela empresa. Trata-se de prolongar a vida? Ou de permanecer ativo e saudável até ao fim? “Sem dúvida um pouco de ambas as coisas..."
Uma coisa é certa: é preciso começar...
A CONSTRUÇÃO DE UM IMPÉRIO
Setembro de 1998 - Nascimento do Google. Larry Page e Sergey Brin apresentam uma versão experimental do seu motor de busca.
Outubro de 2000 - Chegada da publicidade. A AdWords seleciona os textos publicitários em função dos resultados de uma pesquisa.
Junho de 2003 - Lançamento do AdSense. Esta publicidade online seleciona e publica anúncios com base no conteúdo de uma página.
Outubro de 2006 - A Google compra a plataforma de vídeo YouTube por 1,8 mil milhões de dólares. Atualmente, mais de cem horas de vídeo são carregadas por minuto.
Maio do 2007 - Street View. Máquinas fotográficas especiais instaladas no capô de carros fazem fotografias a 360° para os aplicativos Google Maps e Google Earth.
Setembro de 2008 - Lançamento do Chrome. Concorrente do Internet Explorer (Microsoft) e do Firefox (Mozilla) que rapidamente passa a liderar os sistemas de navegação na internet.
Setembro de 2008 - A resposta ao sistema operativo iOS da Apple - o Android - já é utilizado em cerca de 80% dos smartphones.
Novembro de 2011 - O New York Times escreve sobre as investigações do Google no campo da inteligência artificial. O projeto terá posteriormente o nome de "Google Brain".
Setembro de 2012 - O estado da Califórnia autoriza os testes de viaturas sem condutor.
Fevereiro de 2013 - Apresentação dos "Google Glasses" (óculos Google), que levantam um coro de criticas: muitos acham que a câmara integrada nos mesmos é um atentado à vida privada.
Maio de 2013 - A Google adquire a Makani Power: empresa que desenvolveu uma espécie de papagaios gigantes de papel que pairam a baixa altitude, geram eletricidade eólica e a transmitem por cabo até o solo.
Junho de 2013 - Apresentação do projeto "Loon". Uma rede de balões com antenas pretende levar a internet às regiões mais recônditas do planeta.
Setembro de 2013 - Criação da Calico. Um laboratório de biotecnologia onde se investigam a saúde e o prolongamento da vida.
Dezembro de 2013 - A Google adquire diversas empresas de robótica, incluindo a Boston Dynamics, especializada em robôs que andam e são capazes de transportar coisas. Os robôs do Google sobem escadas e correm.
Janeiro de 2014 - Por 3,2 mil milhões de dólares, Google compra a Nest, uma fabricante de termóstatos inteligentes. Objetivo: entrar no mundo da "internet dos objetos".
Janeiro de 2014 - O laboratório Google X desenvolve uma lente de contato para diabéticos que mede a glicemia no líquido lacrimal.
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