A neta negra de um líder nazista: “Luto contra um segredo tóxico”

Jennifer Teege relata como descobriu sua relação com Amon Göth,o comandante nazista de ‘A Lista de Schindler’

Jennifer Teege relata como descobriu sua relação com Amon Göth,o comandante nazista de ‘A Lista de Schindler’
Jennifer Teege relata como descobriu sua relação com Amon Göth,o comandante nazista de ‘A Lista de Schindler’ (Foto: Luis Pellegrini)


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Jennifer Teege, no Instituto Goethe de Madri.

Jennifer Teege, no Instituto Goethe de Madri. Foto: Álvaro Garcia

 

Por: Elsa Fernandez-Santos

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Fonte: Site Jornal El País

Qualquer árvore genealógica pode proporcionar surpresas desagradáveis. No caso de Jennifer Teege (Munique, 1970) a surpresa, descoberta por acaso em 2008 numa biblioteca pública de Hamburgo, se transformou em um duro trauma. Seu avô, aquele que não teria tolerado sua pele negra, era Amon Göth, o comandante nazista do campo de concentração de Plaszow, em Cracóvia, conhecido graças ao filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg, em que esse personagem era vivido por Ralph Fiennes. Göth é lembrado também por costumes sádicos, como atirar de sua sacada nos prisioneiros do campo e chicotear suas faxineiras judias.

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A história é contada no livro “Amon: Meu Avô Teria Me Executado”, lançado no Brasil em 2013 pela editora Agir. “É uma crônica familiar”, diz Teege, que pretende amplificar o que parece um mantra na sua vida: “A culpa da genética não existe. Minha única responsabilidade como alemã é não me calar. Luto contra um segredo tóxico”. Escrito em parceria com a jornalista Nikola Sellmair, o livro transcorre em paralelo entre a voz da neta, na primeira pessoa, e a da repórter, na terceira. “Eu precisava da distância dela [Sellmair] e também precisava incluir outras vozes, por sua mão. Era a maneira de me centrar em minha própria viagem sem deixar o resto da história de fora”, diz.

A história de Teege é a de Monika Göth, sua mãe biológica, filha única do comandante nazista e a de sua avó Irene, que se suicidou em 1983. Quando sua mãe nasceu, o oficial nazista estava preso. Sob suas ordens, pelo menos 8.000 prisioneiros foram assassinados, e outros 80.000, em sua maioria homens, mulheres e crianças judeus, foram enviados às câmaras de gás de Auschwitz. Em 1946, um ano depois do nascimento de sua filha, foi condenado à morte e enforcado.

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Quando a menina tinha seis meses, sua mãe passeava com ela no carrinho quando um homem esfaqueou o bebê no pescoço. Ela se salvou por um milagre. “Esse pai é o tema da vida dela, algo que constitui sua identidade. Algo que ocupou tanto espaço para ela que talvez não tenha sobrado nada para outras pessoas, para o papel de mãe, para mim”, escreve Teege no livro.

Fruto de uma aventura com um jovem nigeriano – “Não, ela não queria provar nada, foi uma verdadeira história de amor que durou pouco”, afirma a filha –, sua mãe a entregou a um orfanato e depois a uma família adotiva, já que era incapaz de cuidar da menina. Desde então, mantiveram uma relação tortuosa e intermitente que, ao menos para Teege, lhe custou anos de terapia por depressão.

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Quando Spielberg lançou A Lista de Schindler (1993), a figura de Göth se tornou famosa. Monika Göth aceitou então participar de um livro e de um documentário que revelavam sua origem. Foi esse livro que Teege descobriu anos depois numa biblioteca de Hamburgo. “Faz tempo que minha mãe não fala comigo”, conta. “Ela decidiu assim, e não posso fazer nada. Não diria que a perdoei, mas com o tempo aprendi a sentir empatia por ela. Nossa relação é muito complicada. Mas com a mãe sempre é, não?”, resigna-se.

“Cada história é diferente, mas o fato é que muitas famílias de nazistas cresceram com uma carga difícil de administrar e sem a oportunidade de construir uma identidade que não esteja ligada à sua família”, prossegue.

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Pairam sobre o livro as histórias de Bettina Göring, neta de Hermann Göring, que decidiu se esterilizar, e de Niklas Frank, filho de Hans Frank, governador-geral da Polônia ocupada pelos nazistas e um dos criminosos de guerra executados depois dojulgamento principal de Nuremberg, que mergulha em sua culpa levando na carteira a foto do cadáver enforcado do seu pai. Para Teege, que tem dois filhos e uma vida acomodada como publicitária em Hamburgo, o problema não é o passado, e sim o silêncio: “Com meus filhos fui transparente e cuidadosa, os protegi muito para que conheçam a verdade sem que lhes doa, e, quando forem adultos, que decidam por eles mesmos onde a colocam em suas vidas”.

A Alemanha, afirma, é um país exemplar na hora de tratar a memória histórica, apesar do resultado das eleições deste domingo, que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, permitiram a entrada de um partido de extrema direita no Parlamento. Na sua avaliação, o problema não é a falta de memória, e sim a recusa em “aprender” com o passado: “É um problema global, a política deu uma guinada emocional que é perigosa”.

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Teege é uma mulher serena e bastante séria, cujo rosto só se ilumina quando fala do seu pai biológico, um homem alto e de aparência agradável, “tipo Harry Belafonte”, segundo o livro. “Eu me reencontrei com ele e há um ano viajei à Nigéria com sua mulher e seus filhos. Foi fascinante conhecer minhas raízes africanas e deixar de lado, ainda que por uma vez, as da família da minha mãe.”

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