Por: Luis Pellegrini
Fonte: www.luispellegrini.com.br
Clara Rockmore (1911-1998) teve dois privilégios na vida: o de nascer no seio de uma família cheia de talentos musicais, e o de ter herdado um “ouvido absoluto”. Ela veio ao mundo em Vilnius, capital da Lituânia, há exatos 105 anos. Seu destino foi o de se dedicar inteiramente ao domínio de um instrumento bastante raro e difícil, o theremin.
Clara Reisenberg (este é o seu nome de solteira) foi menina-prodígio: aos dois anos já conseguia tocar as escalas maiores e menores ao piano. Aos quatro anos foi a mais jovem estudante de violino a ser aceita no Conservatório Imperial de San Petersburgo. Teve uma infância tranquila, perturbada apenas pela decisão da família Reisenberg de fugir da revolução soviética. A Lituânia, naquela época, estava sob o controle da Rússia.
Depois de uma longa e atribulada viagem como clandestinos, em buscada desespera de um visto para entrar nos Estados Unidos, Clara e a família finalmente desembarcaram em Nova York em 1921. Foi na metrópole norte-americana que, por causa da má nutrição, a garota desenvolveu alguns problemas ósseos que a impediram de continuar a tocar violino e piano.
Buscando um novo instrumento, Clara Rockimore se interessou pelo theremin, um dispositivo para música eletrônica que começa a ser difundido na Rússia e nos Estados Unidos. Ela conheceu o inventor do instrumento, o físico russo Léon Theremin, que rapidamente reconheceu na jovem uma habilidade e um conhecimento musical de excelente qualidade.
O theremin é um instrumento de radiofrequência que permite modificar o som segundo a posição das mãos de quem o manipula: as mãos, com efeito, segundo a distância que estão do aparelho, interrompem ou alteram o campo magnético irradiado.
Um “instrumento fantasma”
O theremin é, com efeito, e ao que se sabe, o mais antigo instrumento musical que pode ser tocado sem contato físico “direto” com o executante. Por este motivo, é particularmente difícil de tocar: não possui teclas ou pedais, mas apenas duas antenas instaladas ao lado de uma caixa que abriga dois osciladores que produzem uma frequência não audível “em repouso”. Mas quando alguém se aproxima dele com as mãos, o som aparece e pode ser controlado e modulado em sua altura e intensidade.
O theremin rapidamente se tornou o principal instrumento de Clara, uma pioneira na sua utilização para a musica erudita, a tal ponto que Léon Theremin modificou as estruturas do instrumento para atender a certas necessidades de Clara. Ela desenvolveu uma maestria de execução sem precedentes e várias vezes tocou para as melhores plateias de Nova York, Filadélfia e Toronto, entre outras cidades. Com frequência se fazia acompanhar ao piano pela irmã Nádia. O público ficava encantado com os duetos dos dois instrumentos, sobretudo porque, como se pode verificar nos vídeos ao final, o timbre do theremin recorda notavelmente o da voz lírica humana.
Antes de Clara, o theremin apenas tinha sido usado para a produção de efeitos sonoros solicitados pela indústria cinematográfica nos Estados Unidos. A Clara – que no meio tempo recusara várias propostas de casamento de Léon Theremin, preferindo se casar com o americano Robert Rockmore – foi solicitado também muitas vezes para que gravasse para colunas sonoras do cinema. Mas ela sempre recusou, dizendo que seu desejo era produzir “boa música” com o theremin, e nada mais. Sobretudo, nada de efeitos sonoros.
Clara Rockmore publicou em 1977 o seu primeiro LP, intitulado “The Art of the Theremin”. Hoje, o theremin é ensinado em várias escolas de música ao redor do mundo, notadamente no Japão.
Clara morreu de pneumonia em 1998, dois dias depois de ter visto o nascimento da neta da sua irmã, evento que ela esperava com impaciência. Mas a sua música nunca foi esquecida.
Para os que ainda não conhecem o som do theremin e as interpretações de Clara Rockmore, aqui vão três vídeos com suas gravações:
Vídeo: Theremin – Clara Rockmore interpreta “O Cisne”, de Saint-Saens.
Vídeo: Theremin – Clara Rockmore interpreta “Ária” de Johann Sebastian Bach.
Vídeo: Theremin – Clara Rockmore interpreta – “Ária das Bachianas Brasileiras No 5”, de Heitor Villalobos. Notar a extraordinária semelhança do therevin com a voz humana (soprano) nesta interpretação da Quinta Bachiana.
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