A ilha dos sapos cegos. Por que tantos cururus de Noronha perdem a visão?
Fernando de Noronha está sob as lentes de biólogos especializados: o que terá causado cegueira e deformidade em tantos anfíbios moradores da ilha principal? E quais estratégias os cururus cegos estão desenvolvendo para sobreviver?
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Por: Luis Pellegrini
O azul do mar, o verde da vegetação, os ocres das falésias rochosas, são apenas algumas das cores que compõem a paleta de um dos mais belos paraísos tropicais do Brasil: o arquipélago de Fernando de Noronha, a 350 quilômetros do litoral. Mas nem todos os seus habitantes são capazes de apreciá-lo.
De fato, da população de Noronha faz parte um grande número de sapos cururu (Rhinella schneideri), muitos dos quais parcial ou completamente cegos. Os anfíbios foram introduzidos na ilha principal há cerca de um século – talvez, como conta uma história, por um sacerdote católico que os levou do continente para controlar os insetos que dizimavam sua horta. As alfaces do padre foram salvas mas, bem nutridos pelos insetos, os sapos proliferaram e constituíram, ao longo das décadas, várias colônias.
Uma intrigante característica evolutiva desses sapos tornados ilhéus é agora motivo de estudos por parte de biólogos da Universidade de Campinas, São Paulo, em colaboração com pesquisadores do zoo de San Diego, Califórnia, e de cientistas pertencentes a outras instituições: Quase a metade dos sapos cururus de Noronha (e 53% dos girinos) apresenta deformações inatas dos membros, olhos e boca; cerca de 20% tem grande problemas de visão.
O motivo real dessas deformações ainda não é bem conhecido. Algumas hipóteses as atribuem à presença de bactérias, ou a vírus, ou a parasitas difundidos nas populações dos sapos.
Inexistência de predadores
“Tem bicho caolho, tem com pálpebra colada, sem mão, dedo a mais, tem de tudo. É extremamente intrigante”, diz Duncan Irschick, biólogo da Universidade de Massachusetts que comentou a descoberta. A inexistência de predadores talvez tenha feito com que faltasse a pressão que remove os mais doentes e fracos, uma ideia instigante. Isso teria feito com que os genes “defeituosos” não tivessem sido eliminados.
Irschick ressalta, porém, que vários estudos ainda são necessários para dizer com certeza que a causa não é a contaminação ambiental. Por isso, uma equipe grande foi montada para explicar como vivem os sapos de Noronha. Um dos cientistas, Carlos Jared, especialista em anfíbios do Instituto Butantã, vai estudar as glândulas de veneno dos bichos.
“Os sapos cegos são muito mais perceptivos”, diz Jared. “Se você coloca uma barata perto de um sapo normal, ele é meio lerdão. Mas os cegos a percebem rápido. Devem ter outros sentidos mais aguçados, talvez percebam bem cheiro ou vibração.”
A cegueira e as deformidades poderiam derivar também da tendência desses animais, isolados do continente, a formar ligações interfamiliares, com cruzamentos endogâmicos; ou ainda de substâncias poluidoras espalhadas no solo ou nas águas da ilha.
Um primeiro toque de alarme
Esse cenário, que já se verificou em algumas populações de sapos das Bermudas, é particularmente inquietante na opinião dos biólogos. Fernando de Noronha faz parte de um parque natural marinho protegido pela Unesco, e as anomalias manifestadas pelos sapos poderiam ser apenas um primeiro toque de alarme, para disfunções que poderiam atingir também outras espécies.
Essas más formações mudaram profundamente o comportamento desses cururus de Fernando de Noronha. Por exemplo, em condições normais, a maioria dos sapos usam pistas visuais para localizar, caçar e agarrar suas presas. Os sapos cegos de Noronha, no entanto, adotaram estratégias distintas para se alimentar.
“De modo diferente ao dos sapos normais, os cegos literalmente esperam que os insetos caminhem sobre eles para agarrá-los e comê-los”, diz Luis Felipe Toledo, biólogo especializado em anfíbios da Unicamp. Pelo fato de que os sapos cegos simplesmente comem o que lhes passa ao lado, já não mais selecionam suas presas, acrescenta Toledo. “Isso causa alterações das condições dos seus organismos”. O biólogo descobriu, por exemplo, que os sapos cegos pesam menos do que os sapos normais e produzem menos ovos.
Perder a visão, portanto, provocou uma série de efeitos na morfologia e na saúde dos sapos. Apesar dessas deformidades, os cururus continuam proliferando em Noronha. Uma das razões é que se trata de uma espécie introduzida que não tem predadores naturais ou competidores locais.
Por outro lado, embora as fêmeas deformadas produzam menos ovos, o número que cada uma delas expele continua sendo de milhares. “Isso é suficiente para manter o impulso populacional”, assinala Toledo.
Em Noronha, os girinos da espécie também sofrem de várias anomalias. A equipe de Luis Felipe Toledo descobriu que cerca de 53% deles apresenta pelo menos uma deformação. Tais girinos malformados poderão depois converter-se em sapos deformados ou normais.
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