A grana que vem da África: Em Portugal, milhões vindos de Angola despertam inquietações
Le Monde, o maior jornal francês analisa o ápice das relações políticas e econômicas entre Lisboa e as antigas colônias africanas. E conclui que, não raro, o dinheiro pesa mais do que os valores éticos, entre eles o respeito pelos direitos humanos
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Por: Claire Gatinois, do jornal Le Monde, Paris
Nos dias 2 e 3 de abril último, mais de 40 dirigentes políticos africanos estiveram em Bruxelas para se encontrar com os seus homólogos europeus. Objetivo: relançar uma parceria minada pela instabilidade reinante num continente que, apesar disso, continua promissor para os investidores. Para a União Européia, a prioridade é não deixar que a China, com as suas ambições devoradoras, tome a dianteira.
Portugal já não tem dúvidas da importância das antigas colônias para uma economia lusa muito massacrada pela crise e pela austeridade. Ainda que, por vezes, o dinheiro africano possa chocar os defensores dos direitos humanos.
O atual primeiro-ministro de Portugal, político de centro-direita, Pedro Passos Coelho, esteve em Moçambique em março. O país, rico em gás natural, assinou 16 acordos comerciais. Lisboa também tem estreitado os laços com a Guiné Equatorial, grande produtora de petróleo, e que poderá, segundo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, aderir à comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Este privilégio foi recusado em 2012, devido ao desrespeito pelos direitos humanos. O presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, é um dos chefes de Estado mais ricos da África, mas, segundo a UNICEF, nesse país uma criança em cada dez morre antes de completar 5 anos. O filho de Obiang está sendo investigado na França, desde 18 de março último, em um caso de bens ilegalmente adquiridos. Mas isso aparentemente pouco importa, pois, no meio-tempo, o governo da Guiné Equatorial assinou um acordo para assumir uma participação no Banif, um banco português resgatado pelo Estado.
Máquina de lavar dinheiro roubado ao povo angolano
É sobretudo a Angola que Portugal abre os braços. Esse país recheado de petrodólares, que a Transparency International classifica como um dos países mais corruptos do planeta, é chefiado pelo inabalável José Eduardo dos Santos, presidente desde 1979.
Na sequência da crise na Europa, milhares de jovens portugueses diplomados emigraram para Luanda para fugir ao desemprego. Por sua vez, Angola investiu em mais de vinte empresas portuguesas, cotadas ou não na bolsa, que vão da Galp (petróleo) aos bancos (BIC, BCP, BPI), telecomunicações (Zon) , comunicação social (Cofina, Impresa - proprietária do jornal Expresso -, e o setor agroalimentício (Coface, Vinhos Benigno), indica Celso Filipe, autor de um livro de investigação sobre o poder financeiro de Angola em Portugal. De dez a 15 bilhões de euros teriam sido injetados na economia portuguesa, calcula esse autor.
Por detrás de Angola encontramos, sobretudo, os parentes próximos de José Eduardo dos Santos: sua filha, a multimilionária Isabel dos Santos, o vice-presidente Manuel Vicente e o general Kopelipa, ou Manuel Hélder Vieira Dias. Em breve, o rosto de José Filomena dos Santos, filho do presidente, deverá aparecer também, dado que se tornou, em junho de 2013, líder do fundo soberano angolano, dotado de cinco bilhões de dólares (3.600 bilhões de euros).
O objetivo desses investimentos tem pouco mistério: fazer frutificar o dinheiro do petróleo e comprar bens estáveis. “Antes das presidenciais de 2012, Angola procurou ganhar boa reputação”, explica Celso Filipe. Entretanto, Portugal “é cúmplice de um regime que despreza o seu povo", considera o militante anticorrupção Rafael Marques de Morais, que escreve no blogue Maka Angola. “Portugal transformou-se numa máquina de lavar dinheiro roubado ao povo angolano!"
Alguns acreditam que Santos redistribua parte dessa riqueza pelo povo. No entanto, após 34 anos no poder, Rafael Marques duvida disso e se mostra impaciente.
Pacto de silêncio
Também em Lisboa esses investimentos criam mal-estar. “Com a crise, poderíamos limpar a corrupção no nosso país, mas escolhemos exportá-la através da implantação de empresas portuguesas em Angola, nomeadamente no setor da construção) e assim eliminar as barreiras da integridade. Escolhemos fazer negócios com qualquer um!”, denuncia Paulo Batalha, chefe da filial portuguesa da Transparency International. “O país assinou um pacto de silêncio. A Europa já fizera uma experiência deste gênero na Líbia. Depois, um dia, tiveram de explicar porque tinham feito negócios com Kadhafi.”
O dinheiro pode comprar tudo? Os portugueses, debilitados por uma crise histórica, sabem que é do seu interesse atrair capital externo, mas no geral não se mostram dispostos a fazê-lo sem critério. As desculpas apresentadas em setembro pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, relativamente a Angola, quando a imprensa divulgou uma investigação judicial sobre dinheiro angolano em Portugal, causaram um choque.
Depois, a investigação viria a ser arquivada, mas a imprensa revelou que o procurador reservara “tratamento especial” ao vice angolano Manuel Vicente, por causa dos interesses nacionais em causa. Em 15 de novembro foi aberto processo disciplinar a este procurador. Ainda não se conhecem as conclusões.
“Precisamos do dinheiro angolano, mas a Angola também precisa de nós", resume Celso Filipe. “Há sem dúvida, alguma hipocrisia, mas não é só em Portugal. A família Santos também investe em outros países da Europa e no Brasil.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247