A Gagaúzia prefere a Rússia: 97% rejeitam integrar-se à União Europeia
Os gagaúzes sentem-se longe da cultura europeia, tanto no tempo, quanto no espaço e na tradição cultural. Essa região autônoma do sul da Moldávia não quer nem ouvir falar da integração na União Europeia. Em fevereiro, 97% da população da Gagaúzia votou a favor da reanexação pela Rússia
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Por: Jornal Timpul, Chisinau, capital da Moldávia
À entrada da cidadezinha de Tomaí, na região autônoma da Gagaúzia, duas senhoras idosas falam dos tempos em que tudo corria bem e se vivia bem. Agora, como não há empregos, os seus filhos são obrigados a ir ganhar a vida na Rússia. “Todos os jovens saem daqui. Sobrevivemos com dinheiro do estrangeiro”, explica Cláudia Ivanovna, com quase 70 anos. A sua amiga diz que a sua aposentadoria de 800 leis mensais (cerca de 45 euros, ou 150 reais) basta apenas para pagar as contas mais prementes e comprar alguma comida. É ajudada pelos filhos, também emigrados. Nostálgicas dos tempos em que tinham emprego bem remunerado na cidade – “as pessoas viviam bem e em paz, como os seus antepassados”- elas não acreditam num futuro melhor.
Para essas gagaúzas, a resposta a todos os problemas é a Rússia e a União Aduaneira (que engloba a Rússia, a Bielorússia e o Cazaquistão). “Cultural e economicamente estamos mais perto da Rússia”, sublinha a maioria da população local. O antigo presidente da câmera, Dmitri Stamat, confirma que a empresa vinícola Tomaí-Vinex, a mais importante do local, que emprega 120 pessoas, está cada dia mais vazia.
Stamat acrescenta que era melhor que o vilarejo desaparecesse, sobretudo se o país se aproximar da União Europeia. “Há alguns anos, tínhamos 1400 crianças. Hoje temos apenas 372. Não são só as creches que estão vazias, as escolas também. Já não há jovens. Vão todos embora. As mulheres trabalham na Turquia e os homens em Moscou”.
“Seremos cidadãos de segunda classe”
Do outro lado da rua, Galina vende roupas de criança nos degraus de uma casa abandonada. Mesmo com um negócio pouco prometedor, acredita que o Estados vai lhes tirar da pobreza. “Trabalhei dez anos na Turquia, mas tive de voltar. Gostaria de ter ficado lá, onde vivia melhor,mas meu marido não deixou”, ela conta. Olha aterrorizada para o dia em que a Moldávia se aproxime da União Europeia, porque os preços de tudo, do gás e da eletricidade, vão aumentar a níveis absurdos. “Seria bem melhor ficar com a Rússia, e acho que os habitantes de Chisinau (capital moldava) também não querem se integrar à União Europeia”, afirma com firmeza.
Dmitri Stamat acredita que a União Aduaneira lhes daria melhores condições de vida. “É por isso que as crianças aprendem russo nas escolas. Mesmo que venhamos a entrar para a União Europeia, estamos demasiado afastados da cultura europeia. Somos diferentes. Na Europa Unida seríamos cidadãos de segunda classe”, se queixa Stamat. Para ele, a União Europeia não é sinônimo de democracia. “A UE empresta dinheiro para o desenvolvimento do país, mas os nossos filhos terão de pagar. O que se passa neste momento na Moldávia mostra que ainda não somos uma democracia. Os lugares de procurador-geral e as chefias de outras instituições do Estado são vistos como direitos adquiridos. Pertencem ou a um partido ou ao outro. Como podemos falar de democracia? Por que é que a Europa fecha os olhos a todas as iniquidades do nosso país? Penso que ficaremos melhor sem a UE. Se entrarmos na UE, com a economia neste estado, iremos ser os escravos”, diz Stamat.
Ele evoca o referendo de fevereiro último, no qual quase 97% dos habitantes da Gagaúzia votaram a favor da União Aduaneira. Stamar apoia a anexação da Crimeia pela Rússia. “Tenho uma visão muito negativa do Parlamento ucraniano e dos manifestantes da Praça Maidan. A Europa e os estados Unidos enganaram-se e Putin fez o que era preciso”, ou seja, proteger o estatuto da Transnístria (região separatista pró-Rússia da Moldávia), porque ela é a sua fronteira com o Ocidente. À medida que a OTAN (Tratado do Atlânico Norte) se aproxima, gostamos que o exército russo esteja lá para nos defender”.
Os autóctones, agora, têm mais uma razão para confiar na Rússia, que prometeu, recentemente, 300 bolsas de estudo às crianças da Gagaúzia. À porta do liceu local, encontramos um anúncio em romeno (a Moldávia partilha essa língua latina com o país vizinho, a Romênia): “Esta instituição é aquecida por biomassa com o apoio da União Europeia”. Mas a presença da bandeira da UE contrasta com a atitude pouco europeia da diretora do estabelecimento: “Fale russo, por favor, e mostre-me a autorização para entrar no liceu”.
Nossa equipe conseguiu abordar Valentina Hristeva, professora de língua e literatura romena, a única disposta a falar em romeno. Leciona ali há mais de sete anos, desde a sua licenciatura na Universidade de Iasi (Romênia). Explica o motivo por que os alunos são ensinados em russo e não o dialeto local: “Sempre foi assim. Por outro lado, agora ensina-se melhor romeno. As crianças estão habituadas a aprender russo, porque quando crescerem irão estudar e trabalhar no estrangeiro, sobretudo na Rússia”.
O russo toma o lugar do gagaúz
No grande e variado mosaico étnico e linguístico que compõem os povos e nações da antiga Bessarábia, a Gagaúzia ocupa um lugar especial. É a morada principal dos gagaúzes, uma população de cerca 250 mil indivíduos, de origem turca, fixada sobretudo no sudeste da Moldávia e também no sudoeste da Ucrânia. Com os chuvache, os iacute e os dolgan, os gagaúzes constituem as únicas etnias turcas da Rússia que são predominantemente cristãs (ortodoxos e alguns protestantes).
Esse povo fala o gagaúz, uma língua turca da família altaica transcrita outrora no alfabeto cirílico, mas agora, ao igual que o moldavo, no alfabeto latino. Porém, essa língua está em vias de desaparecimento. Na Gagaúzia, 92% dos habitantes ainda a falam como língua materna, embora o russo – língua oficial nas escolas da região – ganhe terreno a cada dia, afirmando-se mais e mais como língua principal.
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