A era do diamante: rainha das pedras ganha novas aplicações

O diamante já não é apenas joia: ele está sendo utilizado em áreas tão variadas como medicina, comunicações, computação e exploração de petróleo. Cientistas acreditam que o mineral – seja ele natural ou artificial – será um dos protagonistas das próximas décadas.

O diamante já não é apenas joia: ele está sendo utilizado em áreas tão variadas como medicina, comunicações, computação e exploração de petróleo. Cientistas acreditam que o mineral – seja ele natural ou artificial – será um dos protagonistas das próximas décadas.
O diamante já não é apenas joia: ele está sendo utilizado em áreas tão variadas como medicina, comunicações, computação e exploração de petróleo. Cientistas acreditam que o mineral – seja ele natural ou artificial – será um dos protagonistas das próximas décadas. (Foto: Gisele Federicce)


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Por Eduardo Araia

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Belos, brilhantes e indestrutíveis, os diamantes estabeleceram uma aura de pedra preciosa ao longo dos milênios. O mineral raro era quase que somente aproveitado na indústria de jóias, mas recentes avanços na física e na nanotecnologia prometem torná-lo cada vez mais presente em nosso dia a dia.

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Nos últimos anos, a pedra já era destaque em setores tão variados como instrumentos odontológicos e exploração de petróleo. Agora, surgiu em pesquisas sobre olhos biônicos, próteses, tipos inovadores de laser, comunicações à prova de hackers e terapias contra o câncer.

 

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O diamante é a mais dura substância natural conhecida. Os gregos se referiam a ele como adamas (invencível, indestrutível). Recentemente, descobriu-se que o mineral conduz calor mais rapidamente do que qualquer outro material, o que o torna ideal para reduzir o desperdício de calor em aparelhos eletrônicos com consumo intensivo de energia. O diamante é ainda virtualmente transparente por um largo espectro de comprimentos de onda, desde o infravermelho até o ultravioleta. A luz tende a ser absorvida apenas pelas impurezas de boro ou de nitrogênio eventualmente contidas na precisa estrutura cristalina de átomos de carbono que constituem a pedra.

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Os diamantes naturais foram formados há milhões de anos em ambientes quentes e de alta pressão, situados a mais de 100 quilômetros abaixo da superfície da Terra. Hoje em dia, porém, eles também podem ser produzidos artificialmente, usando-se um processo de laboratório denominado deposição química a vapor (CVD, na sigla em inglês), que envolve a ionização de uma mistura de gases, incluindo o metano. Liberado a partir do metano, o carbono forma o diamante em uma base material especialmente preparada aquecida a 800 °C.

Também é possível “dopar” o diamante adicionando à sua composição elementos como o boro ou o nitrogênio. Aliás, algumas das oportunidades mais interessantes da tecnologia quântica se baseiam na presença desses “intrusos” no diamante. Quando um único átomo de nitrogênio é apanhado na rede de átomos de carbono, ele se liga com o diamante de tal forma que um elétron é deixado “livre”.

 

 

Sucesso contra o câncer

 

Uma frente importantíssima recentemente aberta para o diamante (na verdade, para nanodiamantes com diâmetro entre dois e oito nanômetros) está na área da saúde. Pesquisadores norte-americanos conseguiram atacar tumores na mama e no fígado, em estágio avançado, ao “colar” um remédio quimioterápico, a doxorrubicina, em nanodiamantes.

De acordo com um estudo publicado na revista Science Translational Medicine, a técnica, testada em ratos, faz o remédio penetrar no tumor (o que não acontece na quimioterapia tradicional) e encolhê-lo. “O que é mais interessante é que quando administramos uma dose mais elevada do remédio, ela era tão tóxica que todos os animais morreram – não duraram nem o suficiente para completarmos o estudo”, disse o líder dos pesquisadores, Dean Ho, da Universidade Northwestern (EUA), à agência France Presse. “Entretanto, quando administramos a mesma dose elevada e a anexamos ao nanodiamante, não apenas todos os animais sobreviveram ao estudo como os tamanhos dos tumores eram os menores que havíamos visto no estudo.”

Outra novidade no campo da medicina é a perspectiva da criação de um olho biônico com matriz de diamante, a partir dos estudos do australiano Steven Prawer, físico do Instituto de Materiais da Universidade de Melbourne. Certas características do mineral o tornam talhado para fazer parte desse invento. Além de ele ser forte e resistente, os elétrons livres ligados às suas impurezas lhe possibilitam atuar como semicondutor – e como o carbono, presente no diamante, compõe 20% do corpo humano, não há risco de rejeição se ele for inserido no organismo.

 

 

Segundo Prawer, uma matriz de diamante seria implantada atrás da retina de pessoas que ficaram cegas por doenças degenerativas dos olhos, tais como retinite pigmentosa ou degeneração da mácula relacionada à idade. Emitido por uma câmera, um sinal eletrônico passaria através do diamante para estimular as células ganglionares (a saída de informações visuais da retina), devolvendo a visão ao cego. “Nosso objetivo é criar um conjunto de eletrodos com cerca de mil pixels (pixel é o menor ponto que forma uma imagem digital), porque com isso você já pode reconhecer rostos e letras grandes”, diz o físico.

O setor de próteses também poderá se beneficiar do diamante. O desgaste sofrido por essas peças seria contido se elas fossem revestidas com uma fina camada do mineral, mas essa solução provocaria outro problema: na movimentação, o diamante poderia se revelar abrasivo para a carne. Uma solução teórica inesperada surgiu do físico norte-americano Alexander Wissner-Gross, da Universidade Harvard. Ele realizou simulações de computador que mostram que a adição de uma única camada de átomos de sódio ao diamante poderia criar uma superfície sobre a qual uma camada de gelo de apenas algumas moléculas de espessura resistiria à temperatura ambiente, podendo assim funcionar como um lubrificante.

A ideia do gelo que não derrete mesmo na temperatura do corpo parece inicialmente estranha. No entanto, explica Wissner-Gross, já existem diversos estudos teóricos que confirmam essa possibilidade em superfícies não muito diferentes da do tipo que ele e sua equipe estudaram.

 

 

Computadores quânticos

 

O físico quântico norte-americano David Awschalom, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, concentra sua pesquisa em um novo campo, a “spintrônica” – a manipulação do spin dos elétrons livres das impurezas do diamante por meio de micro-ondas. Em termos simples, spin é uma propriedade magnética de partículas elementares, em geral vista como uma orientação ou um sentido de giro. No caso do elétron, consideram-se habitualmente duas orientações, o spin up e o spin down, compatíveis com o código binário (0 ou 1) usado na computação convencional. Mas a mecânica quântica acrescenta uma dose de incerteza nesse estado com as micro-ondas, multiplicando as alternativas disponíveis entre 0 e 1. Com isso, a capacidade de armazenar dados e a velocidade para trabalhar com eles aumentam enormemente – exatamente a ideia por trás dos sonhados computadores quânticos, que processarão as informações super-rapidamente com o uso de efeitos quânticos.

O diamante representa uma vantagem nessas circunstâncias porque o cristal conserva seus elétrons estáveis e menos suscetíveis a influências ambientais por um tempo muito mais longo do que o observado em outros materiais. Mais um detalhe importante: tudo acontece à temperatura ambiente, sem necessidade de controles adicionais.

No primeiro semestre de 2010, Awschalom já havia conseguido alterar o estado quântico do elétron no ínfimo intervalo de um bilionésimo de segundo. Outro avanço ainda maior foi noticiado em novembro do mesmo ano, quando pesquisadores da Universidade Humboldt, em Berlim, anunciaram ter construído um sistema híbrido primitivo de computação quântica a partir do uso de estímulos eletrônicos em nanodiamantes e de nanoestruturas ópticas, denominadas cristais fotônicos. Para os cientistas alemães, o invento já seria o embrião de um computador quântico.

 

 

Laser superpotente

 

Enquanto um bom número de pesquisadores trabalha de olho no potencial das impurezas do diamante, outros preferem a pedra o mais impecável possível. É o caso do físico óptico australiano Rich Mildren, da Universidade Macquarie, em Sydney: a partir de diamantes artificiais com cerca de oito milímetros de comprimento, ele criou um laser inovador.

Em um diamante perfeito ou próximo disso, a passagem da luz através do material é facilitada porque há poucos resíduos (ou nenhum) a atrapalhá-la, e isso se reflete em potência maior. Outro detalhe favorável é a rápida taxa de condução de calor desse mineral (dissipar o calor é um problema sério dos aparelhos de laser convencionais). Somando-se as duas coisas, abre-se o caminho para a criação de lasers menores e bem mais potentes.

 

As pesquisas de Mildren revelaram que o laser de diamante consegue trabalhar com comprimentos de onda infravermelhos, inacessíveis aos aparelhos convencionais. Essa característica favorece, por exemplo, o uso em neurocirurgias nas quais sejam necessários cortes a laser ínfimos (entre seis e sete milionésimos de metro). A precisão no comprimento de onda também ajudaria na captação, a uma distância segura, de vapores emanados de explosivos em aeroportos e zonas de guerra: “O sinal de retorno do feixe de laser é afetado pela absorção de vapor, permitindo que qualquer ameaça potencial possa ser visualizada instantaneamente”, explica o físico.

Com um leque de aplicações que não para de crescer, as perspectivas futuras para os diamantes são extremamente promissoras. De olho nos cifrões que isso representa, Bryant Linares, presidente executivo da Apollo Diamond, uma das maiores fabricantes de diamantes artificiais do mundo, assegura: “Houve uma era do cobre e uma era do aço. A próxima será a do diamante.”

 

 

Preço cada vez mais caro

 

O interesse crescente da ciência e da indústria pelos diamantes sofre com uma barreira natural: a escassez das pedras, responsável pelo preço elevado que atingem. Em 2010, o diretor-geral da De Beers (o maior grupo produtor do mineral no planeta), Gareth Penny, anunciou que a produção mundial de diamantes cairia de 48 milhões de quilates em 2008 para cerca de 40 milhões de quilates naquele ano, como adequação à falta de novas jazidas e ao crescimento de demanda causado pelo aquecido mercado chinês. “Se continuarmos a produzir a mesma quantidade de diamantes de hoje, em 15 anos já não será possível extraí-lo em escala comercial”, disse Penny ao jornal italiano La Reppublica.  Com isso, o diretor calculava que os preços subirão cerca de 5% para os compradores.

E quanto aos diamantes sintéticos? Por enquanto, eles têm preços muito parecidos aos do mercado de pedras naturais. Mas acredita-se que, se a procura aumentar muito, a produção crescerá e, a partir de certo momento, baixará os preços.

Já os nanodiamantes são um caso à parte. Os usados na pesquisa da equipe de Dean Ho sobre tratamento de câncer eram resíduos de explosões, como as que ocorrem na mineração de carvão, ou de operações em refinarias de petróleo, e isso barateia seu valor.

 

 

Comunicação à prova de grampos

 

As impurezas do diamante são a base de uma revolucionária forma de comunicação desenvolvida pelo físico australiano Steven Prawer. A comunicação convencional utiliza pulsos ao longo de uma fibra óptica, cada qual composto por um grande número de fótons (partículas elementares de energia radiante). O trabalho de grampear uma ligação envolve basicamente “sugar” alguns desses fótons, o que pode passar despercebido tanto por quem liga quanto por quem recebe a chamada. A inovação do sistema de Prawer (que também funciona nas ligações com celulares) é que, ao usar apenas o elétron associado a uma impureza do diamante, ele trabalha com um único fóton por pulso – as informações são levadas na polarização (propriedade eletromagnética que restringe a uma as possibilidades de spin) desse fóton. Pela mecânica quântica, quem tentar alterar esse quadro mudará a polaridade dos fótons, o que vai destruir as informações transmitidas e informar aos interlocutores que há um intruso na sua conversa. A técnica já está sendo usada nas comunicações entre delegacias de polícia no Estado de Victoria, na Austrália.

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