A economia sociopata. O segredo sórdido do capitalismo
O aumento da desigualdade e da instabilidade política são o resultado direto de décadas da péssima teoria econômica que está na base do modelo capitalista vigente, diz o empreendedor Nick Hanauer. Em sua palestra visionária, ele ataca o mantra de que “a ganância é boa”, uma ideia que descreve não somente como moralmente corrosiva, mas também como cientificamente errada, e expõe uma nova teoria econômica baseada na reciprocidade e cooperação.
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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Simone Gumier. Revisão: Maricene Crus
Nick Hanauer é um homem rico, um capitalista impenitente e tem algo a dizer aos colegas plutocratas: Acordem! A crescente desigualdade está prestes a empurrar as nossas sociedades para condições semelhantes à França pré-revolucionária. Ouçam o seu argumento sobre como um grande aumento no salário mínimo poderia fazer crescer a classe média, entregar prosperidade econômica … e evitar uma revolução.
Tradução integral da palestra de Nick Hanauer:
Sou capitalista. E depois de uma carreira de 30 anos no capitalismo, que se estendeu por umas 30 empresas, gerando dezenas de bilhões de dólares em valores de mercado, não estou apenas entre o 1% que ganha mais, estou entre o 0,01% de todos eles. Estou aqui hoje para compartilhar os segredos de nosso sucesso, porque capitalistas ricos como eu nunca foram tão ricos. Então, a pergunta é: como fazemos? Como conseguimos abocanhar uma fatia cada vez maior do bolo a cada ano? Será que ficamos mais espertos do que éramos há 30 anos? Será que estamos trabalhando mais do que antes? Ficamos mais altos, mais bonitos?
O empresário Nick Hanauer
Infelizmente, não. Tudo se resume a apenas uma coisa: a economia. Porque aqui está o segredo sórdido: havia um tempo em que os economistas trabalhavam no setor público, mas, atualmente, na era neoliberal, eles trabalham apenas para grandes corporações e bilionários, e isso tem sido um pouco problemático. Poderíamos escolher promulgar leis de política econômica que elevassem os impostos dos ricos, regulassem corporações poderosas ou aumentassem os salários dos empregados. Fizemos isso antes, mas os economistas neoliberais alertariam que todas essas medidas seriam um terrível erro, porque aumentar os impostos sempre aniquila o crescimento econômico, qualquer forma de interferência do governo é ineficiente e aumentar os salários sempre prejudica os empregos. Como consequência desse pensamento, nos 30 últimos anos, somente nos EUA, aquele 1% tem ficado US$ 21 trilhões mais rico enquanto os outros 50% estão US$ 900 bilhões mais pobres, um padrão de crescente desigualdade que se repete pelo mundo. Contudo, enquanto famílias de classe média lutam para sobreviverem com salários que não têm se alterado em 40 anos, os economistas neoliberais continuam a alertar que a única resposta razoável às dolorosas desarticulações da austeridade e da globalização é ainda mais austeridade e globalização.
Portanto, o que a sociedade deve fazer? Bem, para mim está muito claro o que precisa ser feito. Precisamos de uma nova economia. A economia é descrita como uma ciência sombria, e por uma boa razão, pois por mais que seja ensinada hoje, não é uma ciência, apesar de toda a incrível matemática. De fato, um grande número de acadêmicos e profissionais têm concluído que a teoria econômica neoliberal está totalmente errada, e que as crises atuais de aumento da desigualdade e instabilidade política são o resultado direto de décadas de péssima teoria econômica. O que sabemos agora é que o neoliberalismo que me enriqueceu não está apenas errado, é retrógrado. Porque, na verdade, não é o capital que gera o crescimento econômico, mas são as pessoas. E não são os interesses pessoais que promovem o bem comum, mas é a reciprocidade. E não é a competição que gera nossa prosperidade, mas é a cooperação. Podemos ver agora que uma economia que não é nem justa nem inclusiva nunca pode sustentar os altos níveis de cooperação social que possibilitam que uma sociedade moderna prospere.
Portanto, onde erramos? Bem, acontece que tem se tornado dolorosamente óbvio que as premissas fundamentais que sustentam o neoliberalismo econômico são objetivamente falsas. É por isso que hoje quero lhes mostrar algumas dessas premissas errôneas e depois detalhar de onde a ciência sugere que a prosperidade de fato vem.
Então, a primeira premissa neoliberal é que o mercado é um sistema de equilíbrio eficiente, ou seja, se algo na economia aumenta, como os salários, outra coisa deve diminuir, como os empregos. Por exemplo, onde moro, em Seattle, quando foi aprovado, em 2014, o valor da hora do salário mínimo em US$ 15, os neoliberais enlouqueceram por causa do precioso equilíbrio. Eles alertaram: “Se aumentarem o valor do trabalho, as empresas contratarão menos, milhares de assalariados perderão os empregos e restaurantes fecharão”. Porém, não aconteceu isso. O índice de desemprego caiu drasticamente. O setor de restaurantes de Seattle se expandiu. Por quê? Porque não há equilíbrio. Aumentar os salários não prejudica os empregos, mas cria novos, por exemplo quando os donos de restaurantes têm que remunerar os empregados melhor, de modo que eles mesmos possam pagar para comerem em restaurantes, isso não encolhe o setor, é óbvio que ele cresce.
A segunda premissa é que o preço das coisas sempre corresponde ao valor, o que basicamente significa que quando se ganha US$ 50 mil por ano, e eu ganho US$ 50 milhões, é porque gero mil vezes mais valor do que você. Agora, vocês não se surpreenderão ao saberem que essa é uma premissa muito confortável quando se é um CEO que paga a si mesmo US$ 50 milhões ao ano, mas paga aos seus empregados salários de pobreza. Mas, por favor, ouçam de alguém que dirigiu dezenas de negócios: isso é um absurdo. As pessoas não são pagas pelo que valem; são pagas pelo poder que têm de negociar. E a queda da participação dos salários no PIB não ocorre porque os empregados têm se tornado menos produtivos, mas porque os empregadores têm se tornado mais poderosos.
E ao ignorar que o enorme desequilíbrio no poder entre capital e trabalho não existe, a teoria econômica neoliberal tornou-se essencialmente uma medida de proteção para os ricos.
A terceira premissa, sem dúvida a mais prejudicial, é um modelo comportamental que descreve os seres humanos como algo chamado “homo economicus”, segundo o qual todos nós somos perfeitamente egoístas e racionais, e incansavelmente automaximizadores. Mas perguntem a si mesmos: é plausível que todas as vezes durante a vida de vocês, quando fizeram algo de bom para alguém, tudo o que estavam fazendo era tirar o máximo de proveito? Quando um soldado salta sobre uma granada para proteger os companheiros, está apenas promovendo o estrito interesse pessoal? Se pensam que é loucura, em oposição a qualquer intuição moral razoável, é porque é mesmo, e, conforme os dados científicos recentes, não é verdadeira. Mas é esse modelo comportamental que está no cerne frio e cruel do neoliberalismo econômico e é tão moralmente corrosivo quanto cientificamente errado, porque se aceitarmos sem questionar que nós, humanos, somos essencialmente egoístas, e então olharmos ao redor do mundo, para toda a prosperidade inequívoca que existe, então, logicamente, deve ser verdade por definição que bilhões de atos individuais de egoísmo magicamente se transmutam em prosperidade e o bem comum. Se nós, seres humanos, somos meramente maximizadores egoístas, então o egoísmo é a causa de toda nossa prosperidade. Segundo essa lógica da economia, a ganância é boa, o crescimento da desigualdade é eficiente e o único propósito da cooperação pode ser enriquecer os acionistas, porque de outro modo significaria desacelerar o crescimento econômico e prejudicar toda a economia. É essa verdade sobre o egoísmo que forma o alicerce ideológico da economia neoliberal, um modo de pensar que tem produzido políticas econômicas que permitiram que eu e meus colegas ricos entre os 1% conseguíssemos quase todos os benefícios de crescimento nos últimos 40 anos.
Mas, se ao contrário, aceitarmos a última pesquisa empírica, a real ciência, que descreve corretamente os seres humanos como altamente cooperativos, recíprocos e criaturas intuitivamente morais, então é lógico que deve ser a cooperação, não o egoísmo, a causa de toda a nossa prosperidade. E não é o nosso interesse pessoal, mas nossa reciprocidade inerente, o superpoder econômico da humanidade.
Portanto, no centro dessa nova economia, há uma história sobre nós mesmos que nos permite sermos melhores e, ao contrário da antiga visão, esta é uma história virtuosa e que também é verdadeira.
Agora, quero enfatizar que esta nova teoria não é algo que imaginei ou inventei. As teorias e modelos estão sendo desenvolvidos e aperfeiçoados em universidades ao redor do mundo, com base em alguns dos melhores estudos em economia: teoria da complexidade, da evolução, psicologia, antropologia e outras disciplinas. Embora esta nova teoria ainda não tenha um manual próprio ou até mesmo um consenso quanto ao nome, em linhas gerais, a explicação da origem da riqueza é algo mais ou menos assim.
Então, o capitalismo de mercado é um sistema evolutivo, no qual a prosperidade surge de um ciclo de resposta positivo entre o crescimento da inovação e da demanda dos consumidores. A inovação é o processo que possibilita resolver os problemas da humanidade; a demanda dos consumidores é o mecanismo pelo qual o mercado seleciona inovações úteis. E quanto mais resolvermos os problemas, mais prósperos nos tornaremos. Mas quanto mais prósperos nos tornamos, nossos problemas e soluções tornam-se mais complexos. E esse aumento de complexidade técnica requer níveis cada vez maiores de cooperação econômica e social para produzirmos os produtos altamente especializados que definem uma economia moderna.
É claro que a antiga economia está correta. A competição tem um papel essencial no funcionamento dos mercados, mas não vê que é em grande parte uma competição entre grupos altamente corporativos, entre empresas, entre redes de empresas, entre nações, e quem já tiver administrado um negócio de sucesso sabe, que construir uma equipe corporativa incluindo os talentos de todos é quase sempre uma estratégia melhor do que ter um monte de tolos egoístas.
Então, como abandonamos o neoliberalismo e construímos uma sociedade mais sustentável, próspera e mais igualitária? A nova economia sugere apenas cinco regras básicas.
A primeira é que economias de sucesso não são selvas, são jardins. O que significa que os mercados, assim como os jardins, devem ser cuidados, que o mercado é a maior tecnologia social já inventada para resolver nossos problemas. Mas sem limitações de normas sociais ou de regulação democrática, os mercados inevitavelmente criam mais problemas do que resolvem. A mudança climática e a grande crise financeira de 2008 são dois exemplos simples.
A segunda regra é que a inclusão gera o crescimento econômico. Portanto, a ideia neoliberal de que a inclusão é uma extravagância a ser proporcionada se e quando tivermos crescimento é errada e antiquada. A economia é feita de pessoas. A inclusão de mais pessoas de vários modos é o que gera o crescimento econômico nas economias de mercado.
O terceiro princípio é que o propósito da cooperação não é apenas enriquecer os acionistas. O grande mal da vida econômica contemporânea é a ideia neoliberal de que o único propósito da cooperação e a única responsabilidade dos executivos é enriquecer a si mesmos e aos acionistas. A nova teoria deve e pode insistir que o propósito da cooperação é melhorar o bem-estar de todos os interessados: os clientes, os trabalhadores, a comunidade, bem como os acionistas.
A quarta regra é que a ganância não é boa. Ser ganancioso não faz de você um capitalista, mas um sociopata.
E em uma economia tão dependente de cooperação quanto a nossa, a sociopatia é ruim para os negócios e a sociedade.
E a quinta e última regra: ao contrário das leis da física, as leis da economia são uma escolha. Agora, a teoria econômica neoliberal vendeu-se como lei natural e imutável, quando de fato são normas sociais e narrativas construídas com base em pseudociência. Se realmente quisermos uma economia mais igualitária, próspera e sustentável, democracias e sociedade civil que realmente funcionem, devemos ter uma nova economia.
E aqui estão as boas notícias: se quisermos uma nova economia, tudo o que temos que fazer é escolher tê-la.
Moderadora: Então, Nick, tenho certeza de que esta pergunta é recorrente. Se está tão infeliz com o sistema econômico, por que não doa todo o seu dinheiro e se junta aos 99%?
Nick Hanauer: Sim, tudo bem. Sempre me perguntam. “Já que se importa tanto com impostos, por que não paga mais? E já que se preocupa tanto com salários, por que não paga mais?” E eu poderia fazer isso. O problema é que não faz muita diferença, e descobri uma estratégia que funciona literalmente 100 mil vezes melhor, que é usar o meu dinheiro para criar narrativas e aprovar leis que exigirão que todos os outros ricos paguem os impostos e remunerem os empregados melhor.
E então, por exemplo, o valor da hora do salário mínimo de US$ 15 que criamos agora atinge 30 milhões de trabalhadores. Assim funciona melhor.
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