A China envelhece. E abandona a política do filho único
Rudong, na província chinesa de Jiangsu, esteve na vanguarda da politica do filho único. Resultado: apresenta a média de idade mais elevada da China e tem de inventar novas maneiras de ajudar os idosos.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Por Guo Xiaowei. Fonte: Revista Xin Zhoukan, Cantão, China
Hu morreu aos 73 anos, no seu apartamento alugado. Só foi encontrado três dias mais tarde pelo proprietário, quando este arrombou a porta. Na confusão dos serviços municipais, esta morte não suscitou emoção. “Era muito velho e os filhos não estavam presentes... Foi a sua ex-mulher que teve de tratar do funeral."
Mortes como a de Zhu não são coisa rara em Rudong - e estes casos ilustram bem o envelhecimento da população. Nos relatórios oficiais, Rudong, que fica na margem do Huang Ho (rio Amarelo), na província de Jiangsu, é a autarquia com a população mais idosa de toda a China. Quando anoitece, as ruas ficam desertas e as pessoas que, durante o dia, trabalham nos campos das proximidades têm todas mais de 60 anos. No futuro, quem irá cultivar as terras desta antiga circunscrição agrícola?
Os números reforçam essa preocupação. No fim de 2012, dos 1,05 milhões de habitantes de Rudong, 27% tinham mais de 60 anos e 20% mais de 65. Nos dois casos, percentagens muito superiores a média nacional (respetivamente 15,5 e 10,1 %, em 2014). O terceiro censo, de 1982, mostrava que Rudong era já então uma sociedade em envelhecimento, 17 anos antes do resto do território.
Desde 1997, esta circunscrição registra um crescimento demográfico anual negativo. Em dezembro de 2010, o diretor do departamento de assuntos civis declarou à televisão local que, se a tendência se mantivesse a um ritmo tão rápido “e se não se procedesse a uma revisão da política nacional, em 2035 haveria aqui mais de 50% de idosos".
Os habitantes de Rudong consideram que há três motivos para esse envelhecimento: o controle de nascimentos, o grau de educação e a longevidade. Desde o lançamento das medidas de planejamento familiar, no inicio dos anos 70, Rudong foi uma "autarquia de vanguarda" nessa matéria. A população aderiu rapidamente à “política do filho único", o que conduziu à estabilização da taxa de natalidade a um nível bastante baixo. Deste modo, Rudong registrou sistematicamente menos 500 mil nascimentos anuais do que a vizinha Rugao.
Por outro lado, em Rudong atribui se uma grande importância à educação. Todos os anos, entre três mil e quatro mil alunos especialmente dotados são recrutados por estabelecimentos de outras regiões. Só num ano, 40 alunos de um liceu de Rudong foram aprovados nos exames de admissão à Universidade de Nanquim. Contudo, apesar das medidas adotadas para os incentivar a criar empresas ou a arranjar emprego na zona, são menos de 20% os jovens que, em cada ano, regressam com o diploma no bolso. Por último. Rudong sempre foi conhecida pela longevidade da sua população. Com a melhoria do nível de vida e das condições sanitárias, a esperança de vida média tem aumentado, atingindo os 80,12 anos (em comparação com 74,8 na escala nacional), em 2010, e a percentagem de idosos aumenta constantemente.
Quando o filho único morre
Há muito tempo que Wang Taishan não vê os seus antigos colegas, o sr. e a sra. Yang, que não moram muito longe da sua casa. Estes tiveram a infelicidade de perder o filho único, que morreu de leucemia há 20 anos. Desde então, é raro ouvirem-se risos na sua casa. “Dantes, jogávamos cartas todos juntos, muitas vezes. Depois da morte do filho, eles têm tendência a ficar fechados em casa e, quando os encontro na rua por acaso, vejo-lhes sempre uma expressão triste e um pouco ausente", diz Wang. E acrescenta que, quando o filho morreu, a sra. Yang ainda estava em idade de procriar, mas isso “era proibido pelo Estado e ninguém se atrevia a desobedecer às ordens".
Wang Taishan conta ainda a história de outro casal, também seus colegas, cuja filha morreu de doença há sete ou oito anos. Eles se aposentaram há dois anos, mas a pensão de 3.500 yuans (515 euros) mensais não chega para as necessidades e, por isso, apesar da idade avançada, continuam a fazer uns biscates no porto de Changzhu.
Wang é aposentado de uma empresa naval local, mas agora ele e a mulher conduzem um taxi de manhã à noite, para ajudarem financeiramente o filho. Dos seus oito irmãos e irmãs, apenas o irmão mais velho tem dois filhos: os outros só têm um. “Na época, esse segundo nascimento fez o meu irmão perder o emprego. Naquela altura, ele se arrependeu, mas hoje, quando falamos no assunto, diz que está contente por ter tido dois filhos e até nos faz inveja!"
A mulher de Wang também engravidou uma segunda vez, mas foi obrigada a abortar. Quando recorda o que aconteceu, Wang fica irritado e denuncia o caráter demasiadamente rígido do controle de nascimentos: “Quando os poderes públicos descobriam que estávamos à espera de um segundo filho, éramos castigados de uma maneira ou de outra!" As multas, as demissões e os abortos forçados eram moeda corrente. Como sublinha um internauta, “Rudong é a zona da China que mais aplicou o controle de nascimentos, mas é também aquela que mais sofre por isso”.
Quatro gerações numa casa
Perante o envelhecimento da população, alguns comerciantes astutos de Rudong anteviram boas oportunidades de negócio associadas à “economia dos cabelos brancos" (destinada a pessoas idosas) e desenvolveram o maior número possível de produtos para seniores - coisas tão diversas como veículos que não precisam de carta de motorista, viagens, apartamentos, seguros de saúde, residências para idosos, etc. Esta clientela interessa também aos agentes e promotores imobiliários, mas ainda não estão reunidas as condições para o desenvolvimento adequado deste mercado.
Falta mão de obra, o nível de formação é baixo e o número de pensões a pagar aumenta. O mais urgente é desenvolver os serviços destinados a idosos, muitos dos quais se encontram sozinhos, porque os filhos foram trabalhar em outros locais.
Há também os casos em que quatro gerações de uma família coabitam na mesma casa, cabendo ao mais novo a tarefa de cuidar, sozinho, de seis idosos. “O ritmo do envelhecimento nos inquieta e assusta”, admite Chen Jianhua, presidente da Conferência Política Consultiva da câmara. O que mais o preocupa não é saber quem irá cultivar os campos, no futuro, mas o que irá fazer com os seus familiares, quando eles forem velhos.
Face a esta tendência inevitável, em junho de 2012 as autoridades propuseram tomar medidas que, em 2015, viriam a consubstanciar-se no seguinte: 90% dos idosos ficariam nas respectivas casas, a cargo da família; 7% beneficiariam de serviços de apoio domiciliar prestados pela comunidade do bairro; os restantes 3% seriam colocados em estabelecimentos especializados. É o esquema seguido pela autarquia de Rudong. “A primeira fórmula é a mais tradicional e é também aquela que mais frequentemente recomendamos", explica um responsável da secção de propaganda do comitê do partido.
Serviços de apoio ao domicílio
Foi na localidade de Juegang, no bairro de Sanyuan, que a segunda fórmula foi posta à prova pela primeira vez na área de Rudong: desde 2008, esta zona residencial de cerca de sete mil habitantes criou serviços de apoio domiciliar para os residentes idosos, ao mesmo tempo que abria também um centro diurno. “Instituímos uma 'conta trabalho voluntário', isto é, um cartão no qual é registrado o tempo gasto para ajudar os outros”, diz Wang Lili, secretária da célula do partido de Sanyuan.
“Esse cartão permite ao titular beneficiar, na velhice, dos mesmos serviços, prestados por pessoas mais novas e mais fortes.” Contudo, alguns - em especial membros da administração local - mostram-se céticos em relação a esta solução. Que departamentos serão responsáveis pela avaliação desses créditos? Como garantir a sustentabilidade do sistema?
Entre as ideias mais sedutoras está a iniciativa do bairro residencial de Guchi, também em Juegang, que concebeu um sistema de “comunidade inteligente”. “Tencionamos instalar, no bairro, uma plataforma de chamadas de emergência, a que terá acesso direto qualquer idoso em dificuldades, bastando apertar um botão", explica a secretária-adjunta da célula local do partido, Zhang Jingjing, que acrescenta: “Ainda estamos elaborando os planos e ainda não fizemos ensaios concretos".
Em Rudong, a solução das residências para idosos privadas que oferecem assistência médica vai de vento em popa, apesar de abranger menos de 3% da população. Há oito anos, pensando que o setor oferecia boas oportunidades, o sr. e a sra. Qíu juntaram 10 milhões de yuans (l,45 milhões de euros) e abriram a residência Tianyi, em Rudong. No entanto, o estabelecimento, com 260 camas, tem, desde há alguns anos, uma taxa média de ocupação abaixo de 40 camas: “Perdemos centenas de milhares de yuans, todos os anos”, lamenta -se o sr. Qiu, que atribui as culpas à residência Binshan, que abriu suas portas a 500 metros da sua casa. É o primeiro estabelecimento da província de Jiangsu a disponibilizar serviços médicos e foi licenciado pela segurança social . Os três primeiros andares destinam-se ao acolhimento de doentes e, no terceiro e quarto andares, funciona uma residência para idosos. "Eles podem oferecer serviços médicos, mas nós fomos proibidos de o fazer pelos poderes públicos", queixa-se o sr. Qiu. “Claro que atraem pessoas graças a isso!"
Contudo, o diretor da residência Binshan, Yuan Yehua, também está preocupado com a taxa de ocupação: tem apenas 45 pensionistas e não sabe como encher o estabelecimento. Em Rudong, internar os pais numa residência ainda é considerado falta de amor filial e os idosos encaram o internamento como uma desonra.
O preço praticado pela residência Binshan é de 1635 yuans (238 euros) por pessoa e por mês, ou seja, quase o mesmo que cobra a residência Tianyi. "Não se ganha dinheiro tomando conta de idosos. Só conseguimos ter lucros com os serviços médicos. Esperamos que a parte 'residência' venha a estimular as atividades da clinica e vice-versa..."
Por seu lado, Chen Jianzong (diretor da seção de propaganda de Rudong) afirma: "É verdade que as equipes dirigentes têm de rever a sua visão das coisas, de desempenhar um papel motivador neste domínio. Mas também é preciso ver que o problema do apoio aos idosos não pode ser regulamentado apenas pela administração de uma autarquia. É necessária uma iniciativa nacional, concebida no mais alto nível do Estado. Assim, poderemos levar a bom termo as experiências-piloto e explorar novas vias de apoio aos idosos."
DOIS FILHOS ESTÁ BEM, MAS NÃO BASTA
Ao pôr fim à política do filho único, o Partido Comunista Chinês responde, embora tardiamente, às necessidades demográficas e econômicas.
Por: Lin Xuan. Fonte: Jornal Shiji Jingji Baodao, Cantão, China
A notícia era muito aguardada pela população e alegra os corações. Desde 1980, vigorava na China um controlo rigoroso dos nascimentos de onde resultou uma geração de filhos únicos. Isso engendrou problemas sociais (abortos e esterilizações forçadas, crianças não inscritas no registro civil) e distorceu o equilíbrio entre os sexos (em 2014 nasceram em média 115 meninos para 100 meninas, e o número dos homens já ultrapassava em 33,7 milhões o das mulheres). Essa política deu origem, a partir de 2010, a uma situação de declínio e envelhecimento da população. Além disso, cada filho único pode ter de tomar a seu cargo uma média de quatro idosos, o que é um fardo para as famílias e uma situação dificilmente suportável pela segurança social.
0 peso dos idosos
O relatório de 2012 da ONU sobre as “Perspetivas demográficas mundiais” já indicava que se a China não revesse a sua política de nascimentos, gerar-se-ia um contínuo aumento da relação de dependência (a relação entre a população em idade inativa e a população em idade de trabalhar), a qual aumentaria muito rapidamente de 2015 a 2050. Devido ao envelhecimento da população, o tratamento dispensado às pessoas idosas iria tornar-se um problema cada vez mais difícil para a sociedade, ao passo que o crescimento econômico viria a ser posto em causa pela diminuição da força de trabalho. Tal como sucedeu ao Japão, arrisca-se a estagnar economicamente.
Embora a China tenha começado a corrigir a sua politica demográfica em 2013 (os casais em que um dos membros fosse filho único foram autorizados a gerar um segundo filho), as conclusões da aplicação desta medida mostram que o desejo de ter filhos, acompanhando uma tendência mundial nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, está em queda acentuada, o que não deixa de ser inquietante. Com efeito, as mentalidades evoluíram com o desenvolvimento econômico, a subida dos custos da educação e a pressão profissional. As pessoas privilegiam agora a qualidade e não a quantidade. Na China, a taxa de fecundidade situa-se nuns meros 1,4 - bastante abaixo dos 2,1 que correspondem ao limiar da renovação das gerações. O país aproxima-se perigosamente da armadilha da baixa fecundidade, que em geral está estimada em 1,3 ao nível mundial.
Pareceria, portanto, inevitável que todos o casais fossem autorizados a ter um segundo filho. Com esta política, a tendência para o envelhecimento da população não será invertida, mas somente retardada. Num contexto de fraco desejo de ter filhos, é difícil avaliar o efeito desta medida.
Aumentar a família pagando multa
A categoria da população mais sensível ao efeito dissuasivo da política de controle da natalidade era a dos funcionários, dos empregados das empresas do Estado, e dos militares. Porque fora do aparelho do Estado podia-se aumentar a família desde que se pagasse uma multa ou, eventualmente, indo ao estrangeiro fazer o parto.
Nada disto estava ao alcance dos agentes do Estado que corriam o risco de perderem os cargos e de pagarem multas gigantescas. Contudo, nas cidades de pequena e média dimensão, são precisamente estas as pessoas em melhor posição para criar dois filhos (porque os seus salários são estáveis). Por consequência, o abrandamento do controle da natalidade lhes interessa particularmente.
O crescimento econômico permitiu que as gerações nascidas nas décadas de 60 e 70 progredissem economicamente, tendo meios para criar dois filhos, mas o problema é que a maioria já ultrapassou a idade de procriar. Quanto aos casais nascidos nas décadas de 80 ou 90, fizeram a sua entrada no mundo do trabalho quando os preços dos imóveis começaram a subir e já enfrentavam fortes encargos familiares. Ter dois filhos coloca-lhes, portanto, vários problemas.
A autorização para ter dois filhos irá modificar progressivamente a estrutura familiar e permitir o regresso a uma configuração normal da sociedade. Por outro lado, os cerca de seis milhões de nascimentos suplementares que são esperados anualmente poderão ter a curto e médio prazo um impacto no consumo da ordem dos 100 mil milhões de yuans (14 bilhões de euros), o que poderia impulsionar o crescimento da demanda interna. Quanto a inverter a tendência para o envelhecimento da população na China, isso será bastante mais difícil.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popularAssine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247