Um esforço pela paz: o contexto político por trás do telefonema de Lula a Putin
Na última sexta-feira, dia 26, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva telefonou para o seu homólogo russo Vladimir Putin
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Valdir da Silva Bezerra, Sputnik - Na última sexta-feira, dia 26, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva telefonou para o seu homólogo russo Vladimir Putin, reforçando a disposição do Brasil em participar ativamente de um processo de paz entre Rússia e Ucrânia.
Lula, que esteve presente na cúpula dos países do G7 no Japão, também tentou se encontrar com Vladimir Zelensky por duas vezes, o que acabou não acontecendo devido a um desencontro de agendas por parte da delegação ucraniana.
A julgar pelos movimentos do mandatário brasileiro no Japão e, sobretudo, pelo recente telefonema ao presidente russo, Lula tem indicado que o Brasil (como uma das lideranças do Sul Global) mantem-se como candidato a um papel de mediador para o conflito.
Antes de mais nada, é preciso notar que os esforços de Lula para a promoção da paz vão em sentido contrário àqueles defendidos pelos países do G7. Como o conflito na Ucrânia veio a deixar claro, as potências do G7 são as mais interessadas no prolongamento das hostilidades no Leste Europeu, além de utilizarem as instituições internacionais sob seu controle para pressionar política e economicamente a Rússia.
Os verdadeiros "senhores da guerra" no Ocidente demostraram ao mundo que até mesmo aquelas organizações multilaterais tidas como "neutras" até então representam um instrumento de poder para sancionar países que decidirem conduzir uma política externa independente.
As sanções aplicadas à Rússia após fevereiro de 2022 e o inescrupuloso congelamento dos ativos russos no exterior apenas reforçaram a desconfiança internacional com relação aos países do G7, ou seja, tratou-se de um tiro irreversível contra o próprio pé.
Por conta disso é que tanto a "neutralidade" das organizações internacionais do pós-guerra quanto a posição predominante do Ocidente no sistema encontram-se deslegitimadas, dando início a um processo de transformações sistêmicas em direção a um mundo cada vez mais multipolar.
Voltando à reunião do G7, embora o Brasil tenha assinado a declaração conjunta sobre segurança alimentar (tema de seu interesse imediato) durante a cúpula, o país não chegou a endossar a declaração final, cujo teor mostrou-se claramente antirrusso.
Ora, a própria ida de Zelensky ao evento em Hiroshima (que voou para o Japão num avião da França) tinha o intuito de pressionar Estados neutros como o Brasil e a Índia a tomarem o lado do Ocidente com relação ao conflito na Ucrânia.
A atitude demonstrada pelo governo brasileiro, por sua vez, se mostrou firme e indicou que Lula não pretende ceder à pressão ocidental em sua nova cruzada contra a Rússia.
Ademais, durante a conversa telefônica, Lula assegurou a Putin que o Brasil não pretende enviar armamentos e munições à Ucrânia, dado que Brasília não tem interesse no prolongamento do conflito, mas sim em sua resolução imediata.
No começo desse ano, vale lembrar, Lula resistiu à pressão do mandatário alemão Olaf Scholz e do presidente americano Joe Biden para que o Brasil colaborasse com o esforço de guerra dos países ocidentais contra a Rússia.
Na oportunidade, os Estados Unidos e a Alemanha (principal protetorado militar estadunidense na Europa) intentaram – com bastante desfaçatez – colocar o Brasil em confronto direto com Moscou. Contudo, Lula demonstrou sensatez ao recusar a proposta, reforçando a posição do Brasil na busca de uma "resolução pacífica do conflito" na Ucrânia, algo que faz parte do próprio cerne de sua política internacional, conforme artigo 4º de sua Constituição de 1988.
Antes mesmo de ter se tornado presidente, Lula, em sua entrevista à revista Time, opinou que a culpa pela eclosão do conflito na Ucrânia recaía sobre uma série de atores. Sua ênfase, no entanto, girou em torno das políticas erráticas dos Estados Unidos e da União Europeia no que diz respeito à expansão da OTAN para o leste no contexto pós-Guerra Fria.
Tudo teria sido resolvido, segundo o mandatário brasileiro, se Washington tivesse tomado uma posição firme de não aceitar a Ucrânia na Aliança Atlântica. Esta, aliás, fora uma das demandas russas levadas ao Ocidente ainda em dezembro de 2021 numa proposta de acordo elaborada pelo Kremlin aos Estados Unidos.
A resposta dos americanos e europeus, todavia, foi de recusar as sugestões da Rússia para o estabelecimento de um cenário de estabilidade na Europa. Lula fez lembrar, portanto, que o Ocidente não tentou alcançar a paz com Moscou e que "as conversas foram muito poucas". Faltou, segundo o presidente brasileiro, paciência para se encontrar uma solução.
O Brasil é um país que dialoga com todos os lados e tentou fazer isso também com Vladimir Zelensky durante a cúpula do G7. Contudo, o desencontro de agendas causado pelo lado ucraniano deixou claro que Kiev não tem interesse em ouvir atores que discursem em prol da paz e da necessidade de negociações para um cessar-fogo.
Ainda em relação à sua entrevista à Time, é importante notar que Lula desde então já demonstrava desconfiança quanto à cobertura da mídia internacional em torno da figura de Zelensky, que passou a aparecer frequentemente nas televisões de todo o mundo "como se estivesse festejando" (nas palavras do presidente brasileiro), ou fazendo parte de algum tipo de "espetáculo". Para Lula, "era preciso que ele [Zelensky] estivesse mais preocupado com a mesa de negociação", o que infelizmente parece não ser o caso.
Em resumo, a ligação de Lula a Putin apontou que o Brasil está tentando de alguma forma contribuir para a paz entre as duas partes, ainda que o Ocidente continue estimulando o ódio, o confronto e a continuação de sua guerra por procuração contra a Rússia.
Infelizmente, conforme ponderou Lula, os Estados Unidos, que possuem um peso decisivo para resolver o conflito se assim o quisessem, decidiram que o caminho da negociação não serve aos seus interesses geopolíticos e de sua indústria armamentista.
Seja como for, as tentativas empreendidas pelo Brasil, assim como por países importantes como Índia, China e Turquia, para a resolução da crise no Leste Europeu continuam sendo muito bem-vindas. A esperança nunca pode ser deixada de lado e, quem sabe, como afirmou o próprio Lula, o Brasil consiga "provar que é possível ter um mundo melhor".
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