"Transformação". Tem certeza?
A inversão de valores que nós assistimos na civilização ocidental já há séculos se estende a cada ano para mais e mais áreas da sociedade
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Ontem eu falava das transformações de nosso tempo com uma amiga de muitos anos, no Skype. "O que? A transformação é positiva? E o tempo está pronto prá isso?", ela exclamou. "Conheço você há 20 anos e nunca ouvi você falar uma bobagem tão grande! Grotesca! Ultrajante! Que vergonha!" e ela desligou. Ôpa! esqueci que ela mora na África do Sul, onde há mais de 5 anos a palavra transformação significa o retorno ao sistema do Apartheid, o racismo e a separação étnica.
Tinha decidido não falar mais de transformação nesse dia. Porém, logo depois me liga uma pessoa de São Paulo: "Transformação é o que você está precisando esses dias!"; foi a primeira coisa que ela disse. "Tem razão!" eu concordei. "Então, vamos marcar o seu facelift pra semana que vem?" ela perguntou. Ôpa! Tinha esquecido que ela é cirurgiã plástica e a palavra transformação é para evitar falar da faca da cirurgia. "Desculpe", eu disse. "Tenho uma outra ligação..." e desliguei. Não era mentira.
"Quero falar com o senhor sobre transformação", ouvi de uma voz suave. "Tá bom", respondi. "A transformação em Cristo. Você está pronto?", ela continuou. "Acho que não, sou Budista", menti e desliguei.
No Budismo, assim como no Taoísmo, tudo é transformação e não dá para escapar disto. Para pessimistas como Schopenhauer, o resultado de uma transformação é quase sempre pior do que se poderia imaginar. Eu gosto mais dos pontos de Lagrange: um equilíbrio de forças. Os economistas positivistas gostam também: dá para convencer o consumidor de que ele seria um sócio em pé de igualdade na balança da demanda e oferta. Eles fizerem a conta sem considerar o fator C, C como Corrupção, no seu sentido mais amplo, e assim chegamos à realidade da sociedade brasileira.
Parece melhor estar bem atento esses dias, quando alguém fala de transformação. O que a pessoa quer como payoff, na verdade, e quais são os compromissos que você será obrigado a cumprir? Os lobos econômicos e políticos gostam de usurpar conceitos como sustentabilidade e ecologia, progresso e satisfação do cliente, para tirar vantagem deles.
Em meio a isso, se perde rapidamente a vista do rumo do sistema inteiro. A totalidade da transformação é o conjunto dos processos aplicados e, portanto, é necessário uma visão sistêmica que é mais um conceito abusado para vender gato por lebre.
Vemos a cada dia mais radares, placas de limitações e proibições, novas leis e regras. Quanto mais avançados e seguros são os nossos carros, tanto menores os limites de velocidade nas estradas. Isto não é progresso. Esse é o caminho em direção à escravização geral de uma população. No longo prazo, o resultado de uma tal transformação será o oposto dos programas políticos com suas falas públicas.
O progresso de uma sociedade que se desenvolve se mostra numa responsabilidade e dignidade crescentes por parte dos seus cidadãos e, assim, o número de leis deveria diminuir. Só uma civilização em decadência precisa mais e mais de leis. Porém, os políticos agem no sentido oposto.
A inversão de valores que nós assistimos na civilização ocidental já há séculos se estende a cada ano para mais e mais áreas da sociedade. Tudo isso atrás da máscara da segurança e saúde pública, mas com alvo e rumo na expropriação dos povos. Mais uma vez, ainda que a Lagrangiana, a balança das forças celestiais verdadeiramente se aplicasse ao sistema econômico para equilibrar os interesses dos seus membros, numa sociedade corrupta e manipulada pelos interesses internacionais, esta lei só se aplicaria na aceleração da transformação em direção à deterioração dos valores da sociedade inteira.
Uma transformação, seja do bem ou do mal, se for prá valer, consiste da transferência de uma estrutura para outra. Para esta transferência ser bem sucedida, como previsto, as estruturas anteriores e posteriores devem ser conhecidas e especificadas.
Existem também transformações fingidas para proteger estruturas escondidas e dar andamento a agendas secretas. Num tempo de interconexão global, a possibilidade de que o povo as reconheça e se une e se engage na transformação de si mesmo, cresceu dramaticamente. Neste caso, a transformação chega de baixo e vai ser difícil de ser contida pelas elites.
Além disso, o ponto mais importante a ser considerado é a observação de que ações isoladas não fazem uma mudança estrutural. Ao contrário, elas podem criar uma ilusão de progresso, que não se realiza. Denúncias e demissões de alguns dos acusados de corrupção no país, em si mesmas não fazem a diferença no combate à corrupção como um fenômeno da nossa sociedade atual.
O Brasil, para adentrar um futuro abundante, precisa de uma tranformação planejada que deverá começar com um inventário baseado em fatos e não em retórica, para assim culminar numa visão clara, bem definida e não dissimulada. Numa estratégia integral, cada passo no caminho precisa ser analisado se e como ele contribuirá ao objetivo final.
Estamos longe disso, não só no Brasil, mas na maior parte do mundo. Estamos também num tempo quando a corrupção e a falta de competência político-administrativa não estão sendo mais toleradas. Temos a chance de achar um modelo de sociedade do futuro e de futuro, digna do orgulho de ser brasileiro.
* Max Sandor é cofundador da New Civilization Network (Los Angeles, 1995), uma rede global de redes sociais para pesquisar novos modelos de sociedades para o futuro
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247