Raivosos e hiperconectados: revolta na França tem rosto adolescente e desprezo pelos políticos
Manifestantes de menos de 18 anos representam um terço dos detidos pela polícia durante os protestos dos últimos dias
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RFI - Mais de uma semana após o assassinato do jovem Nahel, de 17 anos, morto com um tiro de um policial a queima-roupas, a tensão segue no ar nas grandes cidades francesas. Após violentos protestos noturnos, o governo contabiliza os estragos enquanto tenta mostrar que o pior já passou. Mas sem ter respostas a apresentar para uma população revoltada cada vez mais jovem - alguns com apenas 12 anos -, hiperconectada e que despreza o governo e os políticos.
Horas após o assassinato de Nahel, na periferia de Paris, no dia 27 de junho, a indignação já tomava as redes sociais e anunciava as noites de veículos queimados, ataques a prédios públicos e quebra-quebra contra a violência policial que se seguiram.
Com até 45 mil policiais trabalhando por noite para combater os ataques, o ministério do Interior contabiliza 12,2 veículos incendiados, 1,3 mil edifícios públicos e comércios atacados e 3.846 pessoas detidas em todo o país.
Na origem dessa violência, rostos adolescentes muito mais jovens que o esperado, uma revolta sem alvo claro e amplificada pelas redes sociais.
Vestidos de preto, com um celular à mão e discutindo o tempo todo sobre as ações de outros grupos publicadas no Snapchat, no Telegram ou no Tiktok, os manifestantes de menos de 18 anos representam um terço dos detidos pela polícia durante os protestos dos últimos dias. Mas muitos dos que incendiaram veículos ou invadiram comércios têm apenas 12 ou 13 anos
Enquanto pichações por todo lugar denunciam a violência policial e a discriminação, nas redes sociais, vídeos de adolescentes roubando arroz para "agradar a minha velha" ou caixas de chocolate e chiclete mostram uma face da violência que mistura a inconsequência da juventude com a pobreza dessas populações da periferia.
Discriminados e revoltados - Pintados por políticos da extrema direita como uma horda de delinquentes oriundos da imigração, a realidade é que essa imagem é apenas o reflexo da discriminação do qual são alvo e vítimas.
"Esses jovens vêm de todo lugar. Alguns estão trabalhando e integrados [à sociedade], mas sofrem preconceito e se indignam. Tem também aqueles que já estão envolvidos em algum tipo delinquência, em maior ou menor grau", confidenciou um funcionário da prefeitura de Nanterre ao jornal Le Monde. Segundo os dados do governo, 60% dos detidos não têm qualquer histórico policial.
Em Aubervilliers, cidade da periferia parisiense, uma delegacia foi atacada com morteiros por um grupo de adolescentes. "Eles acham que Nahel poderia ser um de seus amigos e têm ódio da violência policial. E, para eles, essa é melhor maneira de serem ouvidos. Acham que as manifestações não servem para nada e que é preciso quebrar tudo", contou, ao Le Monde, a ex-professora de alguns desses rebeldes noturnos.
Entre os atos violentos dos últimos dias, chuvas de pedras contra policiais e bombeiros, quebra de vitrines e de escolas, saques a comércios, carros, ônibus e prédios incendiados e até o ataque à casa de um prefeito com um carro em chamas. Tudo isso filmado e publicado nas redes sociais, alimentando um ambiente quase de desafio para ver quem fará algo maior.
Há quem diga que o ambiente se tornou ainda mais explosivo por embarcar uma geração de jovens que ainda vive as sequelas da pandemia: muitos não criaram laços sociais com professores, associações comunitárias ou outros grupos de adultos que poderiam intervir agora para acalmar os ânimos.
"É uma geração Covid com a qual temos muito pouco contato e, então, as tentativas de mediação, quando as coisas saem do controle, são inúteis", explica um mediador do centro social de Phalempins, na região de Lille.
Frente a isso, o governo de Emmanuel Macron responsabiliza as famílias. Primeiro, pedindo para os pais prenderem seus jovens em casa durante a noite. E agora prometendo aplicar multas e cortar ajudas sociais concedidas aos pais de adolescentes detidos por atos de violência.
"Se os benefícios e as ajudas sociais são cortados, a miséria se soma à miséria", alertou o líder comunista Fabien Roussel, em entrevista ao canal de televisão France 2. A revolta atual acontece nos bairros mais pobres da França.
Volta a paz? Após uma noite menos violenta de segunda para terça-feira (4), o presidente francês tentou tranquilizar 200 prefeitos de cidades que registraram distúrbios: "Serei prudente, mas o pico que observamos nos últimos dias já passou", disse.
O ataque com um carro contra a residência de Vincent Jeanbrun, o prefeito - de direita - de Haÿ-les-Roses (ao sul de Paris), alimentou o medo dos políticos, que percebem o crescente desrespeito e violência contra funcionários públicos.
A reunião de Macron com prefeitos foi um momento "de terapia coletiva", segundo afirmou o prefeito de Grigny, Philippe Rio.
No entanto, a análise do cenário mostra uma resposta difícil. A direita e a extrema direita defendem a linha dura contra os distúrbios, enquanto a oposição de esquerda critica o polêmico papel desempenhado pela polícia nas periferias.
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