Primavera (?) árabe

Foram atribuídos a tais fatos sociais uma denominação que evidenciasse uma atmosfera aprazível e desanuviada. Para tal, nada mais apropriado do que a menção a Primavera. Só que não é bem assim



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Desde o início das sublevações no norte da África e em países árabes do Oriente Próximo, imprensa, intelectuais e políticos acolheram tais movimentos com espantado júbilo e logo consagraram a expressão “Primavera Árabe”.

A imprensa, positivamente reagindo ao esperado afluxo de notícias capazes de atrair e manter o interesse de audiências, os intelectuais, não sem uma grande dose de ingenuidade, e os políticos, pragmaticamente antevendo oportunidades, coincidiram em atribuir a tais fatos sociais uma denominação que, sem sombra de dúvida, evidenciasse uma atmosfera aprazível e desanuviada.

Para tal, nada mais apropriado do que a menção a Primavera.

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Só que não é bem assim.

Os russos, secularmente habituados a conviver com estações de marcantes mudanças climáticas, usam uma expressão peculiar – a Rasputitsia – em tradução livre significando, mais ou menos, o “tempo em que a terra se dissolve”, para as épocas de transição do outono para o inverno e, ainda pior, do inverno para a primavera. Na primeira, o solo encharcado pelas chuvas e sujeito a um rápido processo de congelamento, e na segunda, um acelerado degelo, resultam em lamaçais com detritos para os quais a melhor descrição é mesmo o derretimento da terra.

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E foi, contrário ao geralmente acreditado e tantas vezes repetido, justamente este fenômeno climático e não o chamado “General Inverno”, o principal causador dos sérios reveses tanto das tropas de Napoleão quanto, mais de um século após, de Hitler. A Rasputitsia atolava tanto as carroças que puxavam os canhões com os quais Napoleão imaginava reduzir Moscou a pó, quanto, posteriormente, as Panzer nazistas. E isto já iniciada a Primavera!

Importa, portanto, perceber que nem sempre o início de Primavera é algo prazeroso.

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E a recém chamada Primavera Árabe confirma esta cautela. Na história das revoluções percebe-se que, se vários e distintos são os grupos e indivíduos que se unem para deflagrá-las, pouco após um grupo (ou indivíduo) emerge como líder inconteste e consolidado, logo em seguida passando a reprimir quando não destruir fisicamente os antigos aliados. Isto tem acontecido, por vezes, quando o grupo que se consolida baseia-se em ampla parcela da população motivada por apelos religiosos de intenso fanatismo, que sempre embutem exclusão e ódio a quaisquer outros que professem crenças distintas. Não é difícil perceber os contornos de tal situação neste Egito “primaveril”. O passo seguinte vem a ser a total dominação e doutrinação das forças armadas, claro, com os usuais e geralmente sangrentos expurgos. O Irã está aí para confirmar e sinalizar o que pode vir a ocorrer.

Sem dúvida, são animadoras e tranquilizadoras as primeiras declarações dos vencedores do pleito tunisino e da revolta líbia. Entretanto, com especial ênfase naquela região, poucas vezes manifestações iniciais se transformam em fatos duradouros, sobretudo quando revestidas de liberalismo.

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O resultado das eleições na Tunísia ainda requer ser detidamente analisado e os fatos sociopolíticos que estão por vir, acompanhados. Eles indicarão o que poderá ocorrer na Líbia pós-Kadafi e, inexoravelmente, no Iêmen e na Síria após a queda de Saleh e Al-Assad, estas apenas uma questão de tempo. Mas, sobretudo, apontarão as falhas decorrentes do prematuro deslumbramento com as mudanças naqueles países, sem que tenha havido respostas rápidas e hábeis, em termos de medidas econômicas, sociais e políticas por parte de todos os países interessados em preservar a região de novas autocracias, desta vez, fanaticamente religiosas.

As revoluções terminadas e em curso em países árabes são, certamente, bem-vindas e devem ser positivamente acolhidas, porém sabendo que ainda não há qualquer garantia de que os bravos jovens, homens e mulheres, que arriscaram suas vidas lutando e propagando, inclusive pelas redes sociais, as ideias de liberdade e modernização não terão vivido, estes sim, uma breve e efêmera Primavera.

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