O dinheiro e os poetas do milhão

Após anos de letargia, os manifestantes de Wall Street se reúnem para, enfim, pensar. Que concluam que é preciso entender com quem estamos lidando, e não com o quê



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Você está do lado do pessoal que protesta em Wall Street, imagino. Cansado da cobiça do mercado financeiro e da ganância das grandes corporações, partiria para Nova York, Washington ou adjacências para se unir aos manifestantes à primeira convocação – caso tivesse dinheiro e tempo. Pois é, você não pode parar tudo e se reunir com os outros heróis para debater os rumos da humanidade. E esse, para mim, é o ponto principal dessa mobilização que se espalhou por alguns estados norte-americanos e vem sendo celebrada em todo mundo.

Os manifestantes entrevistados enfrentam dificuldades para definir os motivos do movimento Ocupe Wall Street. Mesmo o sempre atrevido noticiário reluta em rotular a agitação e, por vezes, omite as razões da aglomeração, limitando-se a informar o que ocorreu ao longo do dia. Afinal de contas, estamos protestando contra o quê: a ganância, o dinheiro, o capitalismo? Bem, cada um vai aproveitar para defender suas ideias, mas o fato é que, no geral, sabemos que é preciso protestar, mas o "contra ou a favor do quê" se esvai nos anos que perdemos sem pensar no assunto.

É o cúmulo, mas os manifestantes de Wall Street estão reunidos para enfim pensar – algo que deviam fazer cotidianamente, todos os dias. Depois de uma existência de total letargia mental, preenchida por horas de trabalho braçal, alguns desses insatisfeitos acordaram achando que é a hora de dar uma nova chance ao comunismo ou algo do tipo. Discute-se uma mudança de modelo econômico, como tantas já se fez, e eu continuo achando que a questão é mais simples do que parece. Vai a minha contribuição ao debate, portanto, escorada em Émile Zola.

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Concordemos, eu e você, para início de conversa, que a crise financeira mundial é consequência de um desvio do sistema. Com liberdade além do recomendável, especuladores deram início a uma bolha cujo estouro ainda reverbera em todo o mundo civilizado – ou nem tão civilizado assim. Você deve ter percebido que não curto muito esse papo de que o capitalismo carrega em si o gérmen de sua própria destruição. Desconfio é das pessoas que freqüentam o sistema – qualquer sistema. Acuso, portanto, aqueles que tentam suprir a ausência de virtudes com dinheiro.

O que é um milionário, um bilionário? Um homem oco, diria Eliot. Um fraco pobre de espírito que, na tentativa de superar a própria ausência de caráter, acelera seu Porsche todos os dias até alcançar o homicídio inevitável. Esse tipo de gente, mais do que todo mundo, precisa de limites – limites em cuja ausência, vejam só, está o início da atual crise. E se as corporações adquiriram vontade própria e se tornaram humanas, elas também devem ser submetidas aos mesmos controles, para não travar o sistema e prejudicar todo mundo.

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Escrevo isto, enfim, para dizer que, antes de qualquer coisa, é preciso entender com quem estamos lidando, e não com o quê (seja sistema, moeda ou sentimento). E se você, a exemplo dos manifestantes dos Estados Unidos, não sabe por onde começar, minha dica é “O Dinheiro”, do Zola, que conta a história de um especulador chamado Aristide Saccard, um desses caras capaz de abrir um banco. Vai de aperitivo, pra ficar pensando melhor, a descrição de Saccard – e tantos outros – feita por seu filho mais velho, Maxime:

“Veja, é preciso compreender papai. Ele não é, meu Deus!, pior que os outros. Somente seus filhos, suas mulheres, enfim, tudo que o cerca, para ele não é mais importante que o dinheiro... Ah!, entendamo-no, ele não ama o dinheiro como um avarento, para tê-lo aos montes, para escondê-lo em buracos. Não! Se ele quer vê-lo jorrar por toda parte, se quer acumulá-lo independente de sua fonte, é para vê-lo escorrer por sua casa em torrentes, é por todas as alegrias que ele lhe dá, o luxo, o prazer, o poder... O que você quer? Está em seu sangue; ele nos venderia, a você, a mim, não importa quem, se estivéssemos envolvidos em algum negócio. É um homem inconsciente e superior, porque ele é, na verdade, o poeta do milhão; tanto dinheiro o faz louco e canalha, ah!, canalha pra cacete!”.

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