Europa à deriva

Para sair da crise e encontrar respostas construtivas, é preciso dar início ao restabelecimento da regulamentação do sistema financeiro, que deve ter reduzido o espaço para a especulação



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A situação econômica da Europa está tão grave e sem perspectivas de melhora no horizonte próximo que expõe muitas contradições do sistema financeiro e dos governos. Uma das mais curiosas refere-se ao papel e credibilidade das agências de classificação de risco e suas relações com os países desenvolvidos.

Nesta semana, a decisão da Standard & Poor’s (S&P) de rebaixar a nota de nove dívidas da zona do euro provocou reações das autoridades francesas, um dos países rebaixados pela agência. Algumas autoridades francesas chegaram a falar na criação de uma agência de risco europeia, para fazer frente às demais.

O argumento central é que a diminuição da nota vai piorar a situação das economias europeias, comprometendo a capacidade de recuperação desses países. Esse fenômeno parece ter sido abarcado pela S&P, quando a agência alertou que a região Ásia-Pacífico pode ser afetada pelas turbulências na Europa, ou seja, ao dizer que outras áreas podem ser afetadas, a S&P está calculando os efeitos do rebaixamento na zona do euro.

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Na verdade, o alerta não passa de obviedades com o único objetivo de atenuar e esconder o que há de mais evidente no mundo hoje: a crise é europeia e norte-americana e não asiática ou global. De modo que, por um lado, se a credibilidade dessas agências está em suspeição, por outro lado, rebaixar as classificações da zona do euro é algo inescapável, pois a Europa é atualmente o centro nevrálgico da crise mundial.

Na Itália, a S&P está sendo investigada por “manipulação do mercado” e “abuso de informações privilegiadas”, tendo seu escritório sido alvo de busca pela guarda de Bari. As autoridades italianas querem saber se rebaixamentos seguidos da nota de risco, feitas em meados de 2011, tiveram motivação especulativa. Não deixa de ser uma forma de pressão sobre a agência.

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Mas a grande contradição é que as mesmas autoridades que hoje chiam não se manifestaram quando as agências concediam altas notas a papeis tóxicos até o início da crise, em 2008. A nota elevada que esses papéis conseguiram por anos seguidos foi um dos fatores que, no mínimo, ampliaram a extensão da crise ­—sobre isso, recomendo o filme “Inside Job”, um documentário sobre os bastidores do sistema financeiro. A contradição está justamente na crítica que é feita sem que se proponha punições aos responsáveis pelas turbulências.

Aliás, só com o aprofundamento para pior da situação na Europa é que essas nações voltaram a falar em mecanismos de controle maior do sistema financeiro. Uma das ideias é taxar as vendas de ações, bônus e derivativos, mas há oposição intensa à proposta. Quer dizer, é mais uma sugestão isolada, sem consenso e que colabora apenas para perpetuar as incertezas econômicas europeias.

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Enquanto a Europa não superar sua crise de lideranças políticas, não articular mudanças profundas nas receitas recessivas e prejudiciais ao bem-estar das sociedades, a zona do euro seguirá instável e à deriva. As autoridades não podem se omitir de suas responsabilidades.

Para sair da crise e encontrar respostas construtivas, é preciso dar início ao restabelecimento da regulamentação do sistema financeiro, que deve ter reduzido o espaço para a especulação. Esta é uma tarefa que foi aventada em 2009, mas que ficou pelo caminho quando o horizonte melhorou um pouco, até porque implicaria responsabilizar as agências pelas avaliações equivocadas que fizeram. Assim, o primeiro passo é retomar essa agenda com empenho e seriedade. Sem enfrentar esses poderosos interesses, a tarefa de recuperar a economia europeia fica mais difícil.

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José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

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