Brasil fez escravos na Líbia

Exclusivo: empreiteiras Odebrecht, Queiroz Galvo e Andrade Gutierrez operaram esquema comandado pelo filho do ditador Muamar Kadafi. Mo de obra vinha de pases como Egito, Tunsia, Tailnda e Vietn, alm da Palestina



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Por Claudio Julio Tognolli - Com muitas loas, os números líbios atraíram grandes construtoras brasileiras: Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. Afinal, na terra de Khadaffi o setor de construção vinha sendo o gerador de 4% do PIB do país, o que empregava cerca de 700 mil pessoas, num crescimento de 5% ao ano. O que nunca se soube é que essa força de trabalho, sobretudo a expressivamente contratada pelas construtoras brasileiras, é escrava. E as condições de trabalho não são melhores que as de um campo de concentração –uma situação ainda piorada pelas maracutaias montadas para se extorquir os escravizados com preços em desacordo com os da cidadania mais escassa.

A reportagem de Brasil 247 tomou depoimentos de seis funcionários da Odebrecht, trazidos de volta ao Brasil em fevereiro, depois que a situação na Líbia ficou a da pá virada. Os funcionários são de Pernambuco, Ceará, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. Referem que as três gigantes brasileiras, Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, fazem uso dos esquemas de trabalho escravo.

Os funcionários são taxativos: com apoio do Labor Department, nome dado ao ministério líbio do trabalho, a força de trabalho para as três construtoras brasileiras é oriunda de empregados trazidos da Tunísia, Egito, Palestina, Tailândia e Vietnã. “Os números da escravidão foram computados e levados para o Egito por dois líbios foragidos, chamados Faher e Moussa. Mas todos sabem que um argentino, funcionário da Odebrecht, e hoje lotado no Panamá, chamado Claudio Herrero, é quem ia buscar boa parte da mão de obra escrava nos outros países”, relata um brasileiro. Segundo ele, os contatos de Claudio Herrero, no ministério do trabalho líbio, sempre foram com dois funcionários nomeados pelo próprio Khadaffi, chamados Juma e Chuckre.

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Os brasileiros relatam, em uníssono, que Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez faziam uso dos serviços de Juma e Chuckre. “Veja você que o esquema com o governo era tão forte que um visto de trabalho, que oficialmente custava 50 dinares líbios, era cobrado, pelo esquema de maracutaias, em 600 dinares”. O salário médio de um trabalhador, nessas obras, era de US$ 1 mil. “Mas as condições são terríveis: sempre testemunhei refeições sendo servidas a base de pele de frango frita, verduras pisoteadas, cachorros e ratos assados, álcool feito de batata, com os funcionários sendo viciados em perder as suas horas de descanso em “gambling”, a jogatina pura que come-lhes o resto do salário”.

A situação desses operários ganha um tom especial quando avaliados os números em jogo: o programa de incentivo à construção líbio, o GMR, previa a destinação de cerca de 10% da arrecadação governamental para obras de habitação e infraestrutura ao longo dos próximos anos, numa média de US$ 6,7 bilhões anuais. Só a Odebrecht interrompeu na Líbia duas obras grandes, como o novo terminal de passageiros do aeroporto internacional e o terceiro anel viário de Trípoli, o que totalizava US$ 2,3 bilhões.

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A Odebrecht, desde 2005 na Líbia, por sua subsidiária em Portugal, a Bento Pedroso Construções e a CCC-Consolidated Contractors Company, do Líbano, iniciou as obras de construção de dois terminais em 2007. A previsão era que fossem entregues em setembro de 2009.

Outro projeto da construtora brasileira na capital Trípoli era a construção de um anel viário na cidade. A obra vinha sendo tocada pela Lybian Brazilian Construction and Developement (LBCD), que tem 60% de participação da Odebrecht e 40% da UDHC, empresa do governo líbio. Em fevereiro, a Odebrecht ordenou nesta segunda a evacuação de seus 5 mil funcionários no país, entre eles, 187 brasileiros,- incluídos familiares

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Já a Andrade Gutierrez vinha operando na Líbia desde 2009. Trabalhava em obras de infraestrutura urbana de água, esgoto, drenagem e pavimentação.

Os brasileiros ouvidos viviam bem: ganhavam cerca de RS$ 7 mil mensais, sempre hospedados em bons hotéis ou no condomínio Palm City, em Trípoli. Sustentam que o governo brasileiro sempre soube do emprego de mão de obra semi-escrava, ou escrava, nas obras tocadas por empresas brasileiras na Líbia.

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“Tudo isso sempre ocorreu sob os olhos de um dos filhos de Khadaffi, que faz parte do esquema que explora a mão de obra nessas condições, e que dá carta branca para que funcionários do governo líbio explorem esses trabalhadores, seja pela jogatina, seja pela extorsão para torná-los trabalhadores legalizados”, relata outro brasileiro.

O filho de Khadaffi a que se refere é o “artista plástico” Saif El Islam El Gaddafi. Bem falante e dado a itinerâncias artísticas, o filho do ditador líbio, ano passado, foi incensado no Brasil. Na página do Ministério da Cultura, o filho do ditador líbio foi assim apresentado, em março de 2010:

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“O ministro da Cultura, Juca Ferreira, participou na noite dessa segunda-feira, 8 de março, no Museu Afro Brasil, em São Paulo, da abertura da exposição O Deserto não é Silente, sobre a arte da Líbia.Em seu discurso na cerimônia, além de lembrar o Dia Internacional da Mulher, o ministro Juca Ferreira elogiou cooperação entre o Brasil e os países árabes. Quero parabenizar o artista e os patrocinadores que propiciaram o intercâmbio cultural com os países árabes, estreitando as relações econômicas e culturais, promovendo políticas públicas para consolidar os laços de amizade entre os países.”

A Gaddafi International Foundation for Charitable Associations, sob a liderança do arquiteto e artista plástico Saif El Islam El Gaddafi, filho do líder líbio Muammar El Gaddafi, e o Museu Afro Brasil estão promovendo a mostra O Deserto não é Silente – uma seleção das mais importantes obras do patrimônio arqueológico e da arte contemporânea da Líbia.

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A exposição já foi montada em Paris, Berlim, Londres, Roma, Milão, Genebra, Viena, Madrid, Tóquio e Montreal.

Segundo Gaddafi, o tamanho e a importância do Brasil foram as razões para que o país fosse escolhido como primeiro destino da mostra na América Latina”.

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Quando veio ao Brasil, o filho do ditador foi ciceroneado por Marcelo Odebrecht, presidente da maior empreiteira do País, e homenageado pela socialite Ana Paula Junqueira.

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