Vitória de Alex Silveira no STF é histórica para o jornalismo, dizem advogados
A decisão do STF, reconhecendo a responsabilidade do Estado na ação da PM que resultou na perda do olho esquerdo de repórter que cobria manifestação de rua, marca o fim da impunidade, de acordo com os advogados Maurício Vasques e Lucas Andreucci. Veja na entrevista a Fred Ghedini
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Fred Ghedini - Dez de junho é, de fato, uma data histórica para os jornalistas. Por 10 votos favoráveis, contra o voto solitário do ministro Marques Nunes, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o repórter fotográfico Alex Silveira tem direito a indenização paga pelo Estado. Agora é preciso esperar a publicação do acórdão da decisão do Supremo, o que pode levar de três a seis meses – e, junto com o acórdão, a sentença final no caso de Silveira.
O repórter foi saudado pelos colegas como símbolo de resistência e persistência. Esperou nada menos que 21 anos para ouvir a sentença final da boca dos ministros do STF. Em maio de 2000, durante a cobertura de um protesto de professores na Avenida Paulista, em São Paulo, Alex Silveira foi atingido por uma bala de borracha disparada por um PM e perdeu 90% da visão de seu olho esquerdo.
“Ele pode ser considerado o avô de uma série de casos que ocorreram depois, muito semelhantes”, diz o advogado Maurício Vasques que, juntamente com Lucas Andreucci, faz a defesa pro bono de Sérgio Silva, outro repórter fotográfico atingido no olho por bala de borracha disparada por policial militar, em 2013.
A dupla de advogados reforça a importância da decisão do STF não só para os jornalistas, mas para todos os cidadãos e para a democracia brasileira. Explicam detalhadamente o porquê dessa avaliação, dizem que a tese aprovada – redigida pelo ministro Alexandre de Moraes – cria de fato um balizamento para decisões em todas as instâncias da Justiça daqui para a frente, inclusive no caso de Sérgio Silva. Mas advertem que, apesar de a vitória ter sido importante, ainda há muita luta pela frente.
As forças de segurança no Brasil são truculentas, afirmam. Não só por atingirem os jornalistas e ferirem a liberdade de imprensa, mas porque têm o terrível hábito de tentar impedir a livre manifestação dos cidadãos, matarem milhares de pessoas – geralmente jovens negros, nas periferias das grandes cidades – e cometerem muitos outros delitos contra uma gama de direitos igualmente garantidos pela Constituição de 1988.
Nossos olhos
É simbólico que Sérgio Silva e Alex Silveira tenham sido atingidos nos olhos. É pelos olhos de profissionais como eles que todos nós podemos ver os excessos cometidos pelas forças de segurança.
Não existe democracia sem que se garanta ao jornalista o direito de fazer seu trabalho, ponderou Maurício Vasques, pois “os repórteres são os olhos de todos nós, que não participamos de manifestações e de outros eventos cobertos por eles”.
A cidadania está sempre descalça diante do Estado com suas bombas de “efeito moral” e balas de borracha “não letais”. Causam consequências físicas e dores profundas, também psicológicas, que marcam para sempre as vidas de muitas pessoas. Essa é uma característica não só das forças de segurança no Brasil, mas em todo o continente latino-americano. Na mesma quinta-feira, 10, em que o STF tomava sua decisão histórica, vários jornalistas e dezenas de cidadãos e cidadãs foram atingidos por balas de borracha da polícia na Colômbia.
Em 13 de junho de 2013, além do Sérgio Silva ter tido um globo ocular estraçalhado por bala de borracha, muitas outras pessoas ficaram aleijadas. Giuliana Varone, repórter da Folha de S. Paulo, só não sofreu o mesmo que os repórteres fotográficos porque usava óculos com uma armação um pouco mais resistente, que impediu que a bala de borracha atingisse seu olho. A própria PM informou nos autos do caso Sérgio Silva que, naquela manifestação, convocada pelo Movimento Passe Livre, disparou mais de 800 balas de borracha. Oitocentas! E não estávamos em guerra.
A decisão de quinta-feira (10/06) no STF foi um salto democrático. De agora em diante, não persistirá a impunidade nos casos em que as forças de segurança ajam contra a lei para impedir que os olhos dos jornalistas sejam os olhos de todos nós nas coberturas dos conflitos em manifestações de rua no Brasil.
Vale em todas as instâncias
A surpresa do resultado resulta mais da demora para obter o reconhecimento da responsabilidade do Estado por delitos causados pelos seus agentes em manifestações e protestos. No caso de Alex Silveira, 21 longos anos!
Para o advogado Lucas Andreucci, o julgamento é histórico também porque fixa definitivamente, para todas as instâncias do Judiciário brasileiro, a responsabilidade objetiva** do Estado quando o “profissional de imprensa”, a trabalho, em cobertura de manifestação em que haja conflito, é ferido por um agente público.
Mas é preciso observar que, embora a decisão tenha aberto um flanco importante na impunidade das forças de segurança do Estado, três requisitos ainda precisam ser satisfeitos para que as situações se encaixem no que foi decidido:
- O fato precisa ter ocorrido em uma manifestação;
- A manifestação precisa ter dado origem a um conflito com as forças de segurança; e
- O ferimento causado no jornalista precisa ter sido causado por um agente público.
Isso significa que, se na manifestação o jornalista for ferido por alguém que não seja um agente público (não seja um PM, por exemplo), o caso não está perfeitamente configurado dentro da ementa da decisão do STF. Outro detalhe: o jornalista precisa estar comprovadamente trabalhando no local. Se ele estiver participando da manifestação e for ferido, mesmo que por forças de segurança, não haverá o enquadramento automático.
A decisão define, de imediato, o caso do também repórter-fotográfico Sérgio Silva que, em 13 de junho de 2013, teve um globo ocular explodido por efeito de uma das 800 balas de borracha disparadas pela PM contra manifestantes e jornalistas. O caso, que voltou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, precisa aguardar a publicação do acórdão no STF para chegar a um desfecho.
Tarefa para as organizações de jornalistas
Conclusão imediata da entrevista com os advogados do caso Sérgio Silva: jornalistas e suas organizações precisam criar uma forma de cadastramento e identificação positiva para os jornalistas que não trabalham para a mídia jornalística corporativa. Jornalistas blogueiros e de pequenas redações ou freelances precisam de algum tipo de cadastro simples, mas eficaz, quando vão cobrir manifestação e protestos de rua.
Como articuladora de iniciativas, a APJor vai dirigir-se imediatamente às entidades de jornalistas para iniciar a prática de identificação dos profissionais que não estão automaticamente identificados porque não estão a serviço de alguma das grandes empresas jornalísticas na cobertura de manifestações de rua.
* Fred Ghedini é jornalista e presidente da APJor
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