Site dos EUA destaca “retorno da democracia” com volta de Lula à presidência do Brasil

Portal Democracy Now! destaca a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil e a volta da democracia no maior país da América Latina

(Foto: Reuters)


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Entrevista publicada no portal norte-americano Democracy Now! Traduzida e adaptada por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

“Retorno à Democracia”: Brasil Dá Posse a Lula como Presidente, Enquanto o Direitista Bolsonaro Foge para a Flórida

Vídeo original (em inglês) completo.

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No Brasil, o ex-líder sindical e chefe do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, foi empossado no domingo (01.01.23) para cumprir o seu terceiro mandato como presidente do país, substituindo o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. Lula serviu como o presidente mais popular do Brasil de 2003 a 2010 e ajudou a tirar dezenas de milhões de brasileiros da pobreza. Porém, em 2018, quando ele se preparava para candidatar-se mais uma vez à presidência, ele foi aprisionado sob acusações forjadas de corrupção, abrindo o caminho para a eleição de Bolsonaro. As acusações foram anuladas mais tarde. Bolsonaro boicotou a cerimônia, depois de inicialmente recusar-se a reconhecer a eleição e fugiu do Brasil, indo para Orlando, na Florida (EUA), evitando as investigações criminais. O novo governo jurou lutar contra a pobreza, investir na educação e na saúde, e parar o desmatamento ilegal na floresta tropical da Amazônia. Juntam-se à nós aqui Maria Luísa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos no Brasil, e o jornalista e documentarista Michael Fox, apresentador do podcast “Brazil on Fire” [o Brasil Pegando Fogo]. 

Tradução da transcrição do programa:

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AMY GOODMAN: Começamos o programa de hoje no Brasil, o maior país da América Latina, onde as pessoas ocuparam as ruas no domingo (01.01.23) para celebrar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como o seu novo presidente, marcando um esplêndido retorno do ex-líder sindical e ex-presidente que substitui o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro.

UM APOIADOR DE LULA: Nós estamos aqui porque a posse de Lula significa que podemos retomar a restauração da nossa democracia. Estamos aqui para mostrar força política e que a democracia inclui todas as raças, etnias e classes sociais.

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AMY GOODMAN: Lula serviu como o presidente mais popular do Brasil de 2004 até 2010 e ajudou a tirar milhões de brasileiros da pobreza. Porém, em 2018, quando ele se preparava para disputar novamente as eleições presidenciais, ele foi emprisionado sob acusações forjadas de corrupção, abrindo o caminho para a eleição de Bolsonaro. As acusações foram anuladas mais tarde, depois que ele foi emprisionado.

Bolsonaro boicotou a cerimônia de posse no domingo. Ele deixou o Brasil na sexta-feira e foi para Orlando, na Flórida (EUA), depois de recusar-se a reconhecer a eleição de Lula. Bolsonaro está hospedado na casa do José Aldo, um brasileiro lutador de artes marciais mistas e seu apoiador de longa data; é reportado que ele planeja ficar na Florida por pelo menos um mês, para evitar múltiplas investigações criminais. Esta mudança ecoa a partida de Donald Trump de Washington, D.C., algumas horas antes de Joe Biden tomar posse na presidência dos EUA.

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Lula é o líder do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Durante a sua posse em Brasília na tarde de domingo, ele atacou o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro e jurou lutar contra a pobreza e investir em educação e saúde, e acabar com o desmatamento ilegal na floresta tropical da Amazônia.

PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: Nos últimos anos, sem dúvida nós vivemos um dos piores períodos da nossa história, uma era de sombras, dúvidas e muito sofrimento. Mas este pesadelo chegou ao fim com o voto soberano, na eleição mais importante desde o retorno do país à democracia, uma eleição que mostrou o compromisso do povo brasileiro com a democracia e as suas instituições. Esta vitória extraordinária das forças democráticas nos força a olhar para a frente, a esquecer as nossas diferenças, que são muito menores do que aquilo que nos une para sempre – o amor ao Brasil e a fé inquebrantável no nosso povo.

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Infelizmente, muito do que nós construímos em 13 anos foi destruído em menos do que metade daquele período – primeiro pelo golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016 e depois pelos quatro anos de um governo que destruiu o país e cujo legado a história jamais esquecerá.

Na luta pelo bem do Brasil, nós usaremos as armas que os nossos adversários mais temem: a verdade que prevalece sobre as mentiras, a esperança que conquista o medo e o amor que derrota o ódio. Viva o Brasil e longa vida para o povo brasileiro!

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AMY GOODMAN: Lula nomeou 11 mulheres para servirem no seu governo, mais do que em qualquer governo anterior. A vencedora do Prêmio Goldman Marina Silva foi escolhida como ministra do meio-ambiente do Brasil. Ele esteve neste cargo nos dois mandatos presidenciais prévios de Lula, durante os quais o desmatamento da Amazônia foi significativamente reduzido. A defensora indígena da terra e da água Sônia Guajajara foi nomeada como a primeira e inédita ministra dos Povos Indígenas. Lula também nomeou a ativista negra, jornalista e educadora Anielle Franco como a nova ministra da Igualdade Racial. Ela é a irmã de Marielle Franco, que foi uma ativista racial e de direitos humanos e vereadora da Câmara Municipal da cidade do Rio de Janeiro antes de ser assassinada em 2018.

Antes da posse de Lula no domingo, a Suprema Corte do Brasil proibiu temporariamente a porte de armas na capital por proprietários registrados de armas  até após a cerimônia de posse. Esta medida veio em meio a crescentes preocupações sobre violências da extrema direita e de apoiadores do presidente derrotado Jair Bolsonaro. Lula se dirigiu aos apoiadores de Bolsonaro durante o seu discurso no Congresso nacional, onde ele foi jurado no cargo para o seu terceiro mandato na presidência.

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PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: Nós não temos qualquer espírito de vingança contra aqueles que tentaram subjugar a nação aos seus propósitos pessoais e ideológicos, mas nós garantiremos o estado de direito. Aqueles que cometeram erros responderão pelos seus erros, com o direito de defesa e dentro do devido processo legal.

AMY GOODMAN: Enquanto estamos no ar, o novo presidente do Brasil, Lula, está apresentando o seu respeito em frente ao caixão aberto do grande futebolista afro-brasileiro Pelé em Santos como uma das suas primeiras ações enquanto novo chefe de estado no país.Para falar mais sobre estas questões, juntam-se a nós dois convidados. Maria Luísa Mendonça é diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos no Brasil e professora visitante no Centro de Mestrado da City University of New York. E o jornalista Michael Fox,, o apresentador do podcast Brazil on Fire e antigo editor da NACLA.Damos as boas-vindas ao Democracy Now! a vocês dois. Maria Mendonça, vamos começar com você. Fale sobre o significado do retorno de Lula como presidente – o que isto significa?

MARIA LUÍSA MENDONÇA: Sim. Isto é muito, muito importante. Este é um momento histórico para o Brasil. Como ouvimos do próprio Lula e também de alguns dos seus apoiadores que estavam presentes à posse, isto é o retorno à democracia no Brasil, porque Bolsonaro só foi capaz de eleger-se porque houve um golpe parlamentar contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016, o qual abriu o espaço para isso; e depois, Lula foi aprisionado, ainda que não houvesse qualquer evidência contra ele. Então, este foi um longo caminho para retornar à democracia.

Eu penso que foi muito simbólico e importante que Bolsonaro não esteve presente na posse. Isto significa que estavam presentes representantes da diversos e diferentes setores da sociedade brasileira que fizeram de Lula o novo presidente. Este foi um momento muito importante e simbólico, um momento de regozijo.

Também foi muito importante porque, no primeiro dia, Lula assinou diversos decretos executivos que são muito importantes em termos de mudar políticas e reconstruir as instituições brasileiras em área de proteção ambiental, educação, controle de armas e também de mudanças de políticas – por exemplo, sustar a privatização de empresas públicas chaves no Brasil.

JUAN GONZÁLEZ: Maria Luísa Mendonça, eu gostaria de lhe perguntar sobre – porquanto Lula ainda seja pessoalmente muito popular no Brasil, o mesmo não é necessariamente verdadeiro com relação ao Partido dos Trabalhadores. Quais serão os problemas que ele enfrentará com o novo Congresso? Você poderia falar sobre isso?

MARIA LUÍSA MENDONÇA: sim, existe um lobby muito forte no Congresso. Por exemplo, o agronegócio e as empresas de mineração têm um lobby muito forte. Ao mesmo tempo, nas eleições parlamentares, os partidos que perderam mais mandatos foram os partidos conservadores, não os partidos progressistas de esquerda. Então, o PT ainda tem uma ampla coalizão de partidos progressistas.

Eu penso que o Lula também pode reconstruir muitas das instituições, como ele já está fazendo. Ele está reconstruindo o Ministério do Meio-Ambiente, o Ministério da Igualdade de Gênero, o Ministério do Trabalho. E ele nomeou muitas pessoas chaves importantes para gerir estas instituições. Então, eu penso que ele será capaz de fazer avançar políticas progressistas, apesar, obviamente, que haverá batalhas, penso eu, especialmente com o setor do agronegócio – que é muito forte no Brasil.

Ao mesmo tempo, Lula também já assinou políticas importantes para reconstruir, por exemplo, financiamentos para proteger a Amazônia e outras áreas importantes no Brazil – o Cerrado, o Pantanal, os pântanos. Eu penso que a proteção ambiental será uma chave. E isso é importante, porque a principal causa da destruição ambiental é a expansão das plantações do agronegócio.

Eu penso que, ao mesmo tempo, Lula reconstrói o ministério que protege e dá apoio aos pequenos agricultores no Brasil. Assim, eu penso que haverá um importante equilíbrio e muito mais participação da sociedade civil e suas organizações, organizações progressistas e movimentos sociais neste governo.

JUAN GONZÁLEZ: Eu gostaria de chamar o Michael Fox, jornalista freelancer e antigo diretor do NACLA. Bem-vindo ao Democracy Now! Você poderia nos falar sobre as implicações do retorno de Lula nas relações exteriores, tanto para a América Latina quanto, obviamente, que ele teve um papel importante na formação das nações do BRICS – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – em termos de um novo polo internacional contra o imperialismo estrangeiro Ocidental?

MICHAEL FOX: Isso é enorme. Como você mencionou, o retorno de Lula traz de volt o que ele foi capaz de fazer nos anos de 2000. Durante os seus primeiros dois mandatos, ele criou 35 novas embaixadas, muitas delas na América Latina, no Caribe e na África. A ideia toda tratava dos laços Sul-Sul. É por isso que o BRICS foi tão importante. A UNASUR – ele foi um dos membros fundadores da União das Nações Sul-Americanas – será importante de novo. E todas estas são coisas que o Bolsonaro tirou o Brasil completamente fora delas e destes tipos de acordos internacionais; ele retirou o Brazil da CELAC – a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos. E isso é algo que na primeira viagem de Lula -sobre a qual ele já falou – ele irá à Argentina dentro de umas poucas semanas para reintroduzir o Brasil naquela integração regional, naquela organização regional. Então, estas são coisas enormes.

E isso é como pão-com-manteiga de Lula, certo? Você sabe, ele transformou aquilo que era a política exterior do Brasil. E a ideia toda era: vamos elevar o Brasil à uma esfera internacional; vamos falar com os países mais ricos, vamos dialogar, por exemplo, com os EUA e a China. Lula já falou sobre a importância destes dois países diferentes que são efetivamente países-chave e são os principais parceiros comerciais do Brasil. Ao mesmo tempo, ele continuará com a integração regional. Ele trouxe como seu novo ministro das relações exteriores Mauro Vieira, que foi ministro sob a presidenta Dilma Rousseff, e que já falou sobre os três princípios da política externa do Lula – que serão: primeiro, as relações sul-americanas; depois as relações latino-americanas; e depois as relações africanas, elevando novamente os laços profundos com a África, os quais foram tão importantes para Lula.

E nós vimos isto na posse de domingo. Dezenove chefes de estado estavam lá e 65 delegações estrangeiras diferentes. Jamais vimos isto antes numa posse brasileira, o número mais alto de pessoas. Só para lhe mostrar o tipo de relações interessantes que Lula traz ao mundo é que havia uma delegação estrangeira da Ucrânia e, logo atrás desta, estava a delegação estrangeira da Rússia – ambas querendo estar próximas ao Lula.

O BRICS que ele trouxe foi imenso. Lula também negociou o acordo nuclear com o Irã. Ele é tão importante assim, imenso, uma figura na cena internacional. Lembre-se que o Obama o chamou de o cara, “the man”. E é isso que ele efetivamente traz de volta ao nível internacional. Isso será simplesmente enorme para o Brasil. 

AMY GOODMAN: Michael Fox, você pode falar sobre o significado da – eu quero dizer, alguns falaram sobre a saída de Bolsonaro; pode se dizer que ele estava fugindo. Porém, na sexta-feira, sem reconhecer a derrota, ele voou para Orlando, não muito longe de onde o presidente Trump está – cero? – em Mar-a-Lago, frequentemente referido, diga-se de passagem, como o “Trump tropical”. Você pode falar sobre o significado disso e das investigações criminais que podem estar começando? 

MICAHEL FOX: A saída dele tão cedo foi uma espécie de última palha em um governo que não teve respeito pela democracia brasileira. E é assim que tantas pessoas no Brasil veem isto e o viram naquele dia. Na verdade, enquanto ele estava voando, havia todos estes tweets mostrando o vídeo do seu avião voando e as pessoas comemorando por todo o país, porque foi a etapa final do governo dele.

E o fato de que ele voou para a Flórida, dentre todos os lugares do mundo – na verdade, semanas antes, ouvimos dizer que ele estaria passando o Ano Novo com Trump em Mar-a-Lago. Obviamente, ele não foi.

Mas é imensamente significativo o fato que ele não esteve lá para passar a faixa presidencial. Esta foi a primeira vez, desde o final da ditadura no Brasil, que um presidente brasileiro não estava lá para passar a faixa presidencial ao presidente entrante. Como a Maria Luísa já mencionou, na verdade foi este grupo diversificado de brasileiros – uma coletora de lixo negra, as pessoas de – um cozinheiro, um ativista incapacitado – que passou aquela faixa para o Lula, e isto mostra o povo brasileiro se unindo. Então, isso foi imenso.

Sim, há todas estas convicções diferentes – estas convicções, estes casos judiciários contra Bolsonaro, que, na verdade, são realmente importantes. P O que nós vimos ontem ... o PSOL, um pequeno partido e esquerda, já pediu à Corte Suprema que declare uma prisão preventiva para Bolsonaro pelos crimes que ele cometeu durante o seu mandato. Isto será uma coisa interessante de se ver, como tudo isto se desenrola nas próximas semanas, nos próximos meses. O que nós entendemos é que uma parte da razão pela qual ele foi embora mais cedo é que os seus advogados sugeriram que ele deveria sair – sabe, que ele poderia querer sair do país, de maneira a não ter questões e problemas com respeito a estes vários processos judiciais contra ele.

JUAN GONZÁLEZ: Maria Luísa, o Michael mencionou a ditadura militar, o período sombrio da história moderna do Brasil. Qual é o seu entendimento sobre o papel das forças armadas brasileiras neste momento? Obviamente, muitos dos apoiadores de Bolsonaro esperam que, de uma maneira ou outra, os militares intervenham e revertam o que ocorreu. E há um grande acampamento de protesto de apoiadores de Bolsonaro já há semanas. Fale sobre coo Lula lidará com os militares, ou como se espera que ele lide com os militares.

MARIA LUÍSA MENDONÇA: Lula já está conversando com os militares, mesmo durante a campanha eleitoral. Obviamente, eu penso que os militares estão divididos. E eu penso que o que vemos agora é que a maioria das pessoas dentre os militares não está disposta a assumir um papel político neste momento.

Bolsonaro instrumentalizou os militares e lhes deu muito poder em diversas situações. Mas agora o que o Lula está fazendo é reformar completamente as instituições-chave do país e está nomeando pessoas técnicas, pessoas que são realmente especialistas nos campos em que estão. Por exemplo: pela primeira vez, o Brasil terá uma mulher como chefe do Ministério da Saúde; e ela é uma especialista muito importante em saúde pública. E ele estarão investigando por que Bolsonaro não comprou vacinas a tempo, por que houve tantas mortes no Brasil devido a COVID que poderiam ter sido evitadas.

Então, eu penso que nós estamos reconstruindo e transformando as instituições e que os militares manterão o seu papel tradicional e não assumirão o papel de civis e das organizações da sociedade civil. Eu penso que houve negociações e que estamos muito felizes – sabe, os movimentos sociais no Brasil estão muito felizes sobre como Lula está reconstruindo as instituições, trazendo os melhores especialistas em cada área, avançando e reconstruindo as políticas que beneficiarão a maioria da sociedade. 

AMY GOODMAN: Vamos falar sobre as pessoas que ele nomeou, as 11 mulheres que servirão no governo, mais do que qualquer outro governo prévio – como a vencedora do Prêmio Goldman Marina Silva, escolhida como ministra do meio-ambiente do Brasil e que ocupou este posto nos seus dois mandatos prévios, durante os quais o desmatamento da Amazônia foi reduzido significativamente; e Sônia Guajajara, a defensora indígena da terra e da água, a primeira e inédita ministra dos Povos Indígenas. Lula também nomeou a ativista negra, jornalista e educadora Anielle Franco como a nova ministra da igualdade racial; é tão significativo que ela é a irmã de Marielle Franco, que foi uma ativista de direitos humanos e por justiça racial, vereadora da cidade do Rio de Janeiro que foi assassinada em 2018. Michael Fox, havia questões sobre o envolvimento da família Bolsonaro com este assassinato. Você pode falar sobre esta gente?

MICHAEL FOX: Isto foi uma mudança de jogo, Amy; uma grande mudança de jogo. Pela primeira vez em anos, agora, definitivamente desde muito antes de Bolsonaro – Marina Silva, Sônia Guajajara – você tem pessoas que efetivamente estão focadas em tentar defender a floresta tropical da Amazônia e estão lá, prontas para acabar com o desmatamento.

Na verdade, eu falei com Marina Silva logo antes da vitória eleitoral de Lula e ela disse, efetivamente, que “Eu já entreguei o documento sobre o que o Lula precisa para nos levar ao desmatamento zero – zero de desmatamento. E agora nós só precisamos tomar estas medidas para sermos capazes de implementá-las”. Não será fácil, mas eles foram capazes de fazê-lo no primeiro governo de Lula. E isto é simplesmente uma questão chave.

O fato que há uma pessoa indígena, como você disse, e que agora há um Ministério Indígena – os povos indígenas têm sido tão – eles estavam com as costas contra a parede. Eles foram atacados durante o governo Bolsonaro. A floresta tropical da Amazônia foi atacada. E o que nós vimos nos territórios indígenas: 50% do desmatamento que, liderado ocorreu no governo de Bolsonaro ocorreu em zonas indígenas e de conservação natural. Então, o fato que agora exista um Ministério Indígena liderado pela ativista indígena Sônia Guajajara, que faz parte da maior organização indígena, é simplesmente chave.

O fato que a irmã de Marielle Franco é agora a chefe da justiça racial é simplesmente enorme. Todas estas coisas trazem mudanças absolutas. Quero dizer que, quando nós falamos sobre os temas significativos do governo Lula – a ideia de diversidade, de união – é uma mudança absoluta daquilo que vimos sob Bolsonaro, uma retração na supremacia branca que tem atacado tanto o Brasil com os seus ataques e as mentiras. Esta é simplesmente uma mudança de jogo para o Brasil. E isso realmente marca o que os próximos dias, semanas e meses significarão para Lula.

JUAN GONZÁLEZ: Maria Luísa, eu queria lhe perguntar sobre o papel do judiciário no Brasil. Isso tem sido algo muito controverso. Os juízes muitas vezes têm sido acusados de tentarem modelar o processo político com as suas decisões. Como você espera que a Corte Suprema e o judiciário ajam agora sob o novo governo de Lula?

MARIA LUÍSA MENDONÇA: Nós vimos uma mudança na Corte Suprema desde o golpe parlamentar contra a Presidenta Dilma Rousseff, porque a Corte Suprema colaborou com o golpe naquela época. Porém, eu penso que durante o governo Bolsonaro ele foi tão extremado em termos de ataques contra todas as instituições democráticas no Brasil, incluindo ataques à Corte Suprema, que nós vimos então a Corte Suprema passar por uma virada, assegurando que tivéssemos eleições livres e justas desta vez – tirando Lula da cadeia e restaurando a democracia. Eu penso que nós vimos esta mudança, que é muito importante.

E também, o novo ministro da justiça do Brasil está disposto a avançar, por exemplo, com as investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e de muitas investigações que foram sustadas durante o governo Bolsonaro. Portanto, eu penso que teremos avanços importantes naquela área em termos de lutar contra a impunidade no país.

Obviamente, sempre haverá uma batalha. Sérgio Moro, que foi o juiz que fabricou o caso contra Lula, foi eleito para o Senado. Assim sendo, nós sempre teremos muito a fazer em termos do ativismo no Brasil. Mas nós tivemos medidas e políticas chaves muito importantes que vimos serem anunciadas nos últimos dias.

AMY GOODMAN: Finalmente, Michael Fox, em um dos primeiros atos de Lula no governo, ele foi a Santos hoje no Brasil para dar o seu respeito a Pelé, conhecido como “o Rei”, o grande jogador de futebol afro-brasileiro, o mundial do futebol, o ícone do futebol mundial, no estádio com 16 mil pessoas no qual ele fez alguns dos seus principais gols, para confortar a viúva de Pelé. Você poderia concluir falando sobre o significado deste começo? É interessante notar que Pelé, que superou tanto racismo no Brasil, no entanto tinha uma relação complexa com os líderes do golpe no Brasil.

MICHAEL FOX: Certamente. O fato que isto ocorra nos primeiros dias de Lula e o fato que ele diga “Apesar de ser recém empossado, estou indo para isso” é realmente um fator chave. A perda de Pelé foi enorme para o Brasil. Houve três dias de luto oficial. As luzes ficaram acesas nos estádios de todo o país. As pessoas saiam chorando, devido ao que ele significou. Ele foi grande no futebol e também unificou um país – certo? – e o faz avançar tanto.

Como você disse, a relação dele com a ditadura, a sua relação com o poder, foi muito complicada – porque ele não falava muito frequentemente. Ele não falou contra eles e gostava de pegar leve. Porém, ao mesmo tempo, o que ele representou para o Brasil foi enorme. E ele foi este símbolo internacional que foi importante até para os EUA. Se Pelé não tivesse vindo para jogar no Cosmos, eu provavelmente jamais teria jogado futebol no início dos anos de 1980.

O fato que Lula esteve lá, o fato que eles postergaram o seu funeral e este dia de luto para hoje, é uma questão chave e é certamente, realmente, oportuna e mostra o que isto significa no início deste novo governo, o início da esperança para o Brasil. É isso o que todos estão comentando. Eu penso que é este é realmente um dia importante para o Brasil e os brasileiros.

AMY GOODMAN: Queremos agradecer a vocês dois por estarem conosco: Michael Fox, ex-diretor do NACLA e apresentador do podcast Brazil on Fire; e Maria Luísa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos no Brasil

Maria Luisa Mendonça: Diretora da Rede de Justiça Social e Direitos Humanos no Brasil e professora convidada do City University do New York Graduate Center

Michael Fox: Jornalista independente de multimidia baseado no Brasil, ex-editor do NACLA Report on the Americas

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