Sardenberg diz que Dilma “rouba nas contas”

Em artigo, jornalista questiona: "será que a presidente e seu pessoal acreditam mesmo nas suas contas? Ou acharam que ninguém perceberia a fraude?"

Sardenberg diz que Dilma “rouba nas contas”
Sardenberg diz que Dilma “rouba nas contas”


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247 - Em artigo publicado no jornal O Globo, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg questiona se a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff sofre do mesmo mal que as pessoas que acreditam estar cumprindo o que planejou, mas só não veem resultado por algum outro motivo. Como a pessoa que "acredita genuinamente que faz regime e que só não emagrece por algum outro fator, criado na sua imaginação", exemplifica.

Sobre a equipe econômica, Sardenberg faz questão de ressaltar: "não estamos chamando ninguém de louco, mas tem havido muitos episódios de distorção de imagem". E afirma que "as operações feitas pelo governo Dilma para alcançar a meta do superávit do ano passado são tão distorcidas que mesmo aliados próximos ficaram envergonhados". O articulista questiona se o governo realmente acredita nas contas que faz e conclui: Dilma "rouba nas contas para anunciar um resultado que todos sabem ser falso".

Leia abaixo seu artigo:

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Dupla distorção

Tem pessoas assim: dizem uma coisa, fazem outra. Mentirosas — é a interpretação que ocorre imediatamente. E, se solicitados exemplos, quase todo mundo dirá: governantes, políticos, deputados e senadores em especial etc.

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Mas isso é senso comum. Podemos complicar a história. E quando as pessoas acreditam mesmo que fazem o que dizem, embora haja notória diferença entre discurso e atos?

Por exemplo: a pessoa jura que está fazendo regime, mas só engorda. A tendência imediata é desqualificá-la: quem pensa que está enganando?

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Pois pode acontecer diferente: a pessoa acredita genuinamente que faz regime e que só não emagrece por algum outro fator, criado na sua imaginação: "Dieta não funciona comigo."

Esse tipo de pessoa vê o mundo através de suas ideias exclusivas ou suas fobias. Ressalva: sim, todos vemos o mundo através de nossa subjetividade, mas é preciso admitir que conseguimos perceber (ou construir, vá lá) alguma objetividade. Dito de outro modo: temos nossos desentendimentos e mal-entendidos — e disso, por exemplo, se alimenta a literatura —, mas vemos, vivemos e transitamos numa mesma realidade fundamental.

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Considerem, por outro lado, um caso patológico clássico: a menina de 1,70 metro, 40 quilos, olha-se no espelho e vê uma gorda. Ela não está mentindo. Sofre de distorção da imagem corporal. É o extremo, mas muita gente normal tem dificuldade na adequada visão e interpretação dos fatos.

Será que o pessoal da equipe econômica do governo Dilma sofre de coisas parecidas? Claro, não estamos chamando ninguém de louco, mas tem havido muitos episódios de distorção de imagem.

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Caso do superávit primário, por exemplo. Todo mundo sabe de que se trata: o resultado das receitas do governo menos as despesas não financeiras. Em termos mais comuns: "A economia que o governo faz para pagar juros da dívida."

Claro, há divergências razoáveis na realização da conta. Receitas e despesas podem ser classificadas de diferentes maneiras, isso logicamente alterando o resultado final.

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Mas as operações feitas pelo governo Dilma para alcançar a meta do superávit do ano passado são tão distorcidas que mesmo aliados próximos ficaram envergonhados. E não esconderam isso.

Eis o quadro, portanto: o governo diz que alcançou uma determinada meta de superávit, mas todo mundo sério sabe que não é verdade. O número real saiu menor.

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Mais complicado ainda: todos os aliados e muitos não aliados, inclusive de instituições internacionais, observavam já há tempos que o governo tinha bons motivos para reduzir a meta daquele superávit. Diziam: gastando menos com juros, já que as taxas caíram, a economia necessária para reduzir a dívida pública é menor.

Logo, pode não ser, mas parece coisa de louco: o governo Dilma poderia ter aplicado uma redução do tal primário — ou "adequação", se o marqueteiro fizesse questão — que a coisa passaria. Em vez disso, rouba nas contas para anunciar um resultado que todos sabem ser falso. O governo mentiu por nada, disse um aliado.

Questões: será que a presidente e seu pessoal acreditam mesmo nas suas contas? Ou acharam que ninguém perceberia a fraude? Ou acharam que as pessoas poderiam perceber, mas e daí?

Acontece a mesma coisa com a taxa de câmbio. Em um determinado momento do ano passado, ficou óbvio: toda vez que a cotação do dólar ameaçava passar dos R$ 2,10, o governo vendia moeda americana e derrubava a taxa; toda vez que a taxa, inversamente, ameaçava cair abaixo de R$ 2,00, o governo comprava dólar e puxava cotação para cima.

Com ficou assim por um bom tempo, estava na cara: acabou o regime de câmbio flutuante, temos uma banda de variação cambial.
Negativo, responderam os representantes do governo, o dólar flutua como antes. Já escolados, operadores e analistas simplesmente deixaram pra lá. OK, diziam, não tem banda, mas, se você não quer perder dinheiro, aja como se tivesse.

Lá pelas tantas, porém, final do ano passado, a presidente Dilma disse que seu governo queria um real mais desvalorizado. O ministro Mantega chegou a sugerir cotação perto dos R$ 2,40.

Como, de fato, o dólar se aproximava dos R$ 2,10 e o governo parecia quieto, o pessoal concluiu: vai furar o teto da banda ou a banda vai para um patamar acima. Nesse momento, o BC entra vendendo dólar e a cotação volta a cair.

Questões: o governo acredita mesmo que não tem a banda cambial? Ou simplesmente acha que é melhor ter e dizer que não tem? Ou existe um teto, de fato, de R$ 2,10, mas o governo preferia que não tivesse?

A presidente Dilma e seus assessores foram historicamente contra o famoso tripé da era FHC, superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação. Pelos atos atuais, estão desarmando o tripé. No discurso, porém, juram que são fiéis praticantes do sistema. 

Resulta em dupla distorção: da política real e das ideias.

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