Pesquisadora da USP descreve os métodos do negacionismo bolsonarista

“Os negacionistas acham que têm coragem intelectual de contrariar ‘grupos dominantes’. São ‘especialistas’ de formação duvidosa, que tentam desacreditar o trabalho de jornalistas”, constata Cláudia Malinverni, que estuda as fake news

Bolsonaro oferece cloroquina à ema / pesquisadora Cláudia Malinverni
Bolsonaro oferece cloroquina à ema / pesquisadora Cláudia Malinverni (Foto: REUTERS/Adriano Machado | Reprododução)


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Por Paulo Henrique Arantes, para o 247 - No dia em que a imprensa noticiou o mais baixo índice de distanciamento social desde que as restrições de circulação começaram a ser impostas – 30% –, o Brasil caminhava ao ritmo de duas mil mortes diárias por Covid-19. E o presidente da República dizia a uma de suas plateias obtusas: “Ainda tem idiota que fica em casa!”.

Ninguém com grau mínimo de sanidade crê nas palavras de Jair Bolsonaro, mas as razões que levam certas pessoas a fazerem coro a elas merece estudo. Negacionismo e fake news matam – é o que se vê acontecer no Brasil, e seus fomentadores devem ser desmascarados e punidos.

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Ninguém no país dedica-se com tanto afinco a decifrar os métodos comunicacionais obscurantistas quanto Cláudia Malinverni. Jornalista, doutora em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora na área de Comunicação e Saúde do Instituto de Saúde, em recente aula para o Instituto Federal Goianiense, acompanhada pelo Brasil 247, ela lançou ciência sobre as trevas.

“O negacionismo – o discurso anticiência – hoje é onipresente, ocupa todas as dimensões da vida”, constata Malinverni. “É praticado para desviar a atenção do que importa, mediante apelos atraentes. É engendrado pelas relações de poder – não há discurso no vácuo”.

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Malinverni comete a elegância de não citar nominalmente Jair Bolsonaro, filhos, Olavo de Carvalho et caterva. Nem precisa. De todo modo, o ex-capitão não é o único exemplar tupiniquim de propagador de bobagens tiradas sabe-se lá de onde. Negações do holocausto são vistas com certa frequência. Ao explicar que o negacionismo liga-se umbilicalmente ao revisionismo histórico, ela destaca que há adeptos na gloriosa imprensa brasileira. A pesquisadora recorda a inesquecível pérola da Folha de S. Paulo, para quem a ditadura civil-militar brasileira, a de 1964 a 1985, teria sido uma “ditabranda”.

“Os negacionistas acham que têm coragem intelectual de contrariar ‘grupos dominantes’. São ‘especialistas’ de formação duvidosa, que tentam desacreditar o trabalho de jornalistas”, constata. São adeptos das “falácias gerais da lógica, nada mais que deturpadores”. Segundo Malinverni, “para eles, todos os consensos da ciência são conspirações para promover um processo obscuro de tomada de poder”.

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Poder que, no caso brasileiro, eles próprios – os negacionistas – tomaram na mão grande mediante o uso escandaloso de fake news. “As fake news, simulacros do discurso jornalístico, assumem o caráter de verdade e substituem a ciência”, diagnostica Malinverni.

No império dos meios digitais, a internet acaba sendo palco vulnerável a uma comunicação aparentemente democrática mas nada inclusiva. “Estamos num território dominado por interesses publicitários. As plataformas digitais criaram um big data gigantesco sobre hábitos, preferências e até emoções de cada um de nós. E nós nos colocamos voluntariamente dentro desses dispositivos. Somos rastreados o tempo todo”, diz.

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“As redes sociais não estão preparadas para evitar desvios de conduta, daí o êxito do negacionismo e das fake news”, aponta.

É nesse cenário que somos obrigados a ler “notícias” dando conta de máscaras infectadas vindas da China e da Índia e da “cura” da Covid-19 pela laranja, o gengibre, a maçã e o insosso cará. “Produzir fake news é uma obsessão dos negacionistas”, percebeu Malinverni, como aliás percebemos os normais.

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“Esse discurso vai levando pessoas para a rua e o coronavírus para dentro de casa. O discurso negacionista e as fake news produzem fatos no cotidiano. Nunca é inocente, desinteressado ou inconsequente”, ressalta a pesquisadora. E finaliza: “Esse grupo (negacionistas) disputa com a ciência a verdade das coisas”.

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