Paulo Moreira Leite: “Não acredito no fim dos jornais”

Em entrevista ao Jornal Opção, jornalista diz que a sociedade precisa de informações de modo organizado e que os jornais fazem isso melhor do que a internet; leia a íntegra

Paulo Moreira Leite: “Não acredito no fim dos jornais”
Paulo Moreira Leite: “Não acredito no fim dos jornais” (Foto: Divulgação)


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Renato Dias
Especial para o Jornal Opção

Therezinha Zerbini era o general da casa, diz com exclusividade ao Jornal Op­ção o jornalista Paulo Moreira Leite, hoje na revista "Época" e na CBN. O seu marido, general Euryale de Jesus Zerbini, aluno de Filosofia de Marilena Chaui, foi cassado após o golpe civil-militar de 31 de março de 1964. Ex-trotskista, Paulo Moreira Leite revela o papel do reverendo Jaime Wright na execução do projeto Brasil Nunca Mais, conta a trajetória de Washington Novaes na resistência ao regime militar, constrói perfil de Florestan Fernandes, sociólogo morto em 1995, e registra que Plínio Arruda Sampaio escondeu-se em Goiás. Autor de "A Mulher Que Era o General da Casa" (Arquipélago Editorial, 223 páginas), ele informa também que José Mindlin convidou Vladimir Herzog para ser chefe na TV Cultura e que recusou-se a dar contribuições para a caixinha da repressão política organizada por Henning Albert Boilesen. Paulo Moreira Leite defende Henry Sobel, desnuda Lincoln Gordon, aprova o depoimento de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (Clemente), último comandante militar da ALN, insiste que houve um golpe no Paraguai contra Fernando Lugo e frisa que não acredita no fim dos jornais.

Por que o título "A Mulher Que Era o General da Casa"?
Esse título é uma homenagem a Therezinha Zerbini, pioneira da luta pela anistia e personagem do livro. Casada com um general que foi preso e cassado nos primeiros dias do golpe de 64, Therezinha construiu uma biografia que é um exemplo de coragem. O general Zerbini era um oficial vaidoso e refinado. Ele estudou filosofia com a Marilena Chaui e gostava de dizer que mulher mandava em todo mundo. "Manda até em quem está passando do outro lado da rua. O pior: todos obedecem", brincava o general.

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Quando Therezinha Zerbini assumiu a luta contra os homens da caserna?
No dia 2 de abril, quando ficou sem notícias do marido, Therezinha começou a procurá-lo. Ligou até para o Castello Bran­co, o chefe do golpe, e conseguiu autorização para visitar o general Zerbini na prisão. Se­manas depois, no Dia das Mães de 1964, ela mandou uma carta de protesto aos jornais, reclamando que muitas famílias estavam sofrendo em função das prisões. Conto no livro que, com o passar do tempo, ela organizou shows para ajudar os perseguidos, abrigou pessoas em casa e até arrumou médicos para tratar de estudantes feridos pela polícia.

Qual o real papel de Jaime Wright na produção do projeto Brasil Nunca Mais?
Se dom Paulo Evaristo Arns é o responsável político pelo projeto, pode-se dizer que Jaime Wright foi seu executor. Ele conseguiu recursos junto a igrejas no exterior. Coordenou a equipe que levantava informações no Supremo Tribunal Militar e fez a leitura final do livro. O reverendo fazia o pagamento de quem era assalariado e, quando todo mundo se cansava, levava café e bolinhos preparados por sua mulher para reanimar. Isso em plena clandestinidade.

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Por que Washington Novaes é retratado no livro?
Muitas pessoas só conhecem o Washington da ecologia. Não sabem que, antes disso, ele teve um papel importante na resistência à ditadura. Como jornalista, foi um dos responsáveis pela revelação de que o estudante Edson Luís Lima Souto morreu assassinado pela Polícia Militar no Rio de Janeiro, num episódio marcante em 1968. Mas essa atuação lhe trouxe problemas profissionais nos anos seguintes. Ele foi marginalizado na revista "Visão", da qual era diretor, e até teve dificuldade para voltar ao mercado de trabalho, embora fosse um profissional de prestígio. Ainda por cima, a censura estava no auge e a repressão também. Foi assim que ele começou a fazer matérias sobre meio ambiente e sobre nações indígenas.

Florestan Fernandes flertou também com o trotskismo?
Ele foi trotskista na juventude. Mas tinha dificuldade em combinar a vida acadêmica e a vida militante, atividades que exigem muita dedicação. Hermínio Sachetta, que era o dirigente da organização na qual Florestan militava, recomendou que ele se afastasse da atividade política, pois tinha uma contribuição maior a dar como sociólogo.

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É verdade que José Mindlin recusou-se a contribuir para a caixinha da repressão política nos anos de chumbo?
Aquele documentário sobre o Boilesen, que financiou a Oban, mostra isso. Mindlin considerava-se uma pessoa de esquerda, um democrata. A ideia de convidar Vladimir Herzog para ser diretor de jornalismo da TV Cultura foi um ato de quem pretendia fazer bom jornalismo e não queria apenas obedecer à ditadura. A responsabilidade pelo que ocorreu depois deve ser procurada junto às autoridades que receberam Herzog para prestar depoimento, voluntariamente, no DOI-Codi.

Inusitada a história de Plínio Arruda Sampaio, não? Da democracia cristã ao PT light e depois ao PSol. Qual a sua análise?
Plínio faz parte daquela fatia de uma elite que consegue enxergar além de seus interesses específicos e compreende que o Brasil enfrenta uma necessidade histórica de mudanças. Ele vem de uma família de fazendeiros de café de São Paulo, mas sempre olhou para o outro lado da vida social. Fez uma reforma agrária no governo de Carvalho Pinto, que era um político conservador. Também ajudou a empurrar o Partido Democrata Cristão para o lado de Jango e, depois do golpe, teve de se esconder numa fazenda em Goiás para não ser apanhado pelos militares. Plínio sempre foi cristão convicto e teve ideias de esquerda, ora mais à esquerda, ora menos à esquerda. No livro, ele se permite fazer um pouco de autoironia, comparando-se àquele personagem do Gabriel García Márquez que dizia: "Participei de 30 revoluções e perdi todas".

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O episódio da gravata não mancha a bela história de Henry Sobel. O sr. concorda?
Boa pergunta. É estranho que só se fale do Sobel para lembrar das gravatas. Ele tem parte da culpa, porque não soube explicar direito o que aconteceu. Seja como for, Sobel foi julgado, condenado e cumpriu pena por isso. É caso encerrado. Mas, se você examinar as outras pessoas que, de uma forma ou de outra, tiveram algum envolvimento no caso Vladimir Herzog, irá concluir que Sobel é o único que já foi levado a prestar contas à Justiça. Aqueles que o prenderam, torturaram e mataram Herzog nunca foram molestados. Sequer sabemos seus nomes. Só sabemos que o rabino tentou furtar gravatas em Miami. Eu acho que isso diz muito sobre a forma de o país trabalhar sua memória nos últimos anos.

O que há de novo na história de Lincoln Gordon apresentada em "A mulher que era o general da casa"?
Conheci o embaixador quando eu era correspondente da "Gazeta Mercantil" em Washington. Lincoln Gordon sempre tentou negar que os EUA tivessem apoiado o golpe de 64. Naquele momento, o Departamento de Estado liberava papéis cada vez mais comprometedores sobre a atuação da Casa Branca, mas o embaixador permanecia em guerra com os fatos. Escrevi uma reportagem sobre um diplomata que é perseguido pela história e se esforça desesperadamente para escondê-la. Conto casos que mostram seu esforço para preservar a imagem.

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Qual o motivo de sua saída da plataforma impressa para a blogosfera?
Não saí do jornalismo impresso. Escrevo regularmente para a "Época" e também para outras publicações. Comecei a fazer meu blog em 2006, sempre como um segundo meio de expressão. Hoje em dia, também faço comentários regulares para a revista CBN. Também participo de programas de entrevista na TV.

A internet é o futuro do jornalismo?
O futuro do jornalismo é o jornalismo. É certo que a internet se tornou muito importante. Você não consegue pensar na vida cultural e política de um país sem ela. Mas não acredito no fim dos jornais. A sociedade precisa de informações de modo organizado e os jornais fazem isso melhor do que a internet. Nem tudo aquilo que aconteceu no último minuto, na última hora ou no último segundo é mais importante do que aquilo que aconteceu ontem ou na semana passada.

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Paraguai. Foi golpe ou impedimento constitucional?
Golpe. Lugo não só não teve um tempo razoável para se defender. A oposição sequer se deu ao trabalho de apresentar acusações bem fundamentadas para tirá-lo do governo. A denúncia contra Lugo é uma farsa. Não havia fatos específicos, nem índices de culpa ou responsabilidade. Era tudo genérico. A queda de Lugo seria constitucional se o regime de governo do Paraguai fosse parlamentarista, quando o primeiro-ministro cai porque ficou em minoria. Ninguém discute. Mas o sistema é presidencialista. Neste regime, a população é responsável pela escolha do presidente e sua soberania deve ser respeitada. Por isso o impedimento deve ser um processo demorado, com denúncia e defesa e todo um trabalho de investigação.

Qual a sua análise sobre a entrevista de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz a Geneton Moraes, do GloboNews?
Carlos Eugênio tem sido coerente. No momento em que tantos fogem da verdade, o Carlos Eugênio mostra que não se deve ter medo dela, mesmo quando se trata de um caso grave como a execução de um antigo companheiro. É exemplar.

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O Senado tirou o mandato de Demóstenes Torres, ex-integrante do DEM. Qual a sua visão sobre a cassação?
A cassação demonstra que o Senado pode até ser mais tolerante do que a Câmara mas também tem seus limites. Os senadores mostraram isso quando Luiz Estevão perdeu o mandato. Para os leitores, a cassação de De­mós­tenes lembra que é preciso ter cautela redobrada com os moralistas. Com frequência, eles vendem moedas falsas.

Quem faz jornalismo de qualidade, hoje [veículos e jornalistas]?
Existe bom jornalismo em todo lugar. Nossa profissão é impressionante. Pelo menos uma vez por semana eu leio uma matéria que gostaria de ter feito.

Emocionei-me com o seu adeus a Vito Letízia, já que também militei em O Trabalho. O que ele foi (representou) para a OSI?
Ele era um dos dirigentes mais experientes. Tinha enfrentado o golpe de 64, foi militante do PCB e depois se aproximou de organizações trotskistas. Naquele universo de garotos que lutavam contra a ditadura na segunda metade dos anos 70, Vito tinha memória, conhecimento e disposição de luta. Isso era importante.

Assisti ao seu depoimento no do-cumentário do Instituto Vladimir Herzog com Marcus Sokol e Cia. Quais as marcas que a luta contra a ditadura civil-militar (1964-1985), pela cons­trução da OSI e da IV In­terna­cio­nal, lhe deixaram?
Nada substitui a experiência de quem imaginou que era possível modificar o mundo e tentou fazer isso. Conheço dirigentes sindicais que organizavam greves quando elas eram proibidas e o regime até falsificava índices de inflação para esconder o arrocho salarial. Mui­tas lideranças feministas cresceram em famílias onde a submissão da mulher era regra sagrada e viam suas mães sendo humilhadas. Minha experiência política foi parte da luta da população contra a ditadura. Você aprende que nem sempre é possível vencer. As vezes se ganha, às vezes se perde. O importante é tentar. Só assim você consegue entender melhor o mundo, as outras pessoas e você mesmo.

Perfil

Nome completo: Paulo Moreira Leite
Idade: 59 anos
Formação: Ciências Sociais (curso incompleto)
Veículos nos quais trabalhou: Jornal da Tarde, Folha, Veja, O Trabalho, Gazeta Mercantil, Época, Diário de São Paulo, Estadão.

 

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