Livro explica como os meios de comunicação ecoaram a estratégia negacionista de Bolsonaro
O livro “Covid-19: versões da pandemia nas mídias” explica a fundo o papel das mídias e das redes sociais na pandemia, que muitas vezes acabou repercutindo desinformações sem problematizá-las
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Por Paulo Henrique Arantes, para o 247 - A imprensa brasileira criticou e critica duramente o comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, na pandemia. Mas, talvez inadvertidamente, também serviu para disseminar teses negacionistas e bobagens como o uso da cloroquina e a imunidade de rebanho. Não se pode esquecer o quanto os absurdos de Osmar Terra e Nise Yamaguchi repercurtiram antes de ambos serem desmascarados. Neste momento, em que a CPI da Covid salta para o campo da corrupção, diante da nítida prevaricação presidencial no Covaxingate, a história recente de uma comunicação letal não deve ficar em segundo plano – sem uma não haveria outra.
O livro “Covid-19: versões da pandemia nas mídias”, lançado em maio no Portal de Livros Abertos da USP (AQUI), explica a fundo o papel das mídias na pandemia – não só os veículos tradicionais em papel, internet e televisão, mas os mais diversos suportes e conteúdos, em especial as redes sociais, nos quais convivem excesso de informação e desinformação. Nem decretos, portarias e boletins epidemiológicos foram esquecidos. O trabalho envolveu pesquisadores de 11 instituições acadêmico-científicas, reunidos em torno do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Discursivas no Cotidiano (Nuprad), coordenado pela professora Mary Jane Spink, da PUC de São Paulo.
Há vários aspectos analisados na obra. Por exemplo, o tratamento político dado ao distanciamento social. “Ao dar amplo espaço aos discursos presidenciais contrários às medidas não-farmacológicas e a favor de drogas sem eficácia, como a cloroquina, na maioria das vezes sem problematizá-los, as mídias contribuíram para a disseminação da tese completamente equivocada e antiética da imunidade natural de rebanho”, destaca Cláudia Malinverni, jornalista, pesquisadora do Instituto de Saúde de São Paulo e uma das autoras do livro.
Segundo Malinverni, “a politização das medidas de distanciamento social, observada a partir da análise de notícias sobre os posicionamentos do presidente da República, permitiu observar a naturalização do discurso bolsonarista negacionista, que redundou na fragilização das ações contra o espalhamento do vírus”.
Malinverni estará ao lado de outras cientistas no próximo dia 6 de julho, às 14 horas, na webinar “Impactos da cobertura midiática da COVID-19: reflexões sobre distanciamento social, boletins epidemiológicos municipais e cuidado ao trabalhador da saúde”, promovida pelo Instituto de Saúde do Estado de São Paulo em seu canal no YouTube, na qual parte dos temas apresentados no livro será debatida.
O livro envereda por um campo ainda não debatido tanto quanto deveria ao analisar os boletins institucionais como estratégia de cuidado de profissionais de saúde da linha de frente e a invisibilização pela mídia dos trabalhadores de resíduos sólidos. “É importante entender como as referências produzidas pelos órgãos públicos competentes estavam sendo utilizadas por gestoras e gestores e a população. Ou seja, essa experiência contribui para refletirmos e repensarmos as práticas de gestão em saúde pública no contexto de pandemia”, diz a professora Sandra Luzia Assis da Silva, do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Paulista.
“Covid-19: versões da pandemia nas mídias” também analisa – e a webinar tratará disso - a farta veiculação em redes sociais, especialmente o Instagram, de infográficos exibindo números oficiais da pandemia. “Mais do que retratar uma realidade, os números produzem efeitos. Como nos lembra Joel Best, nas políticas públicas, muitas vezes, eles servem para legitimar os argumentos empregados nas tomadas de decisão”, aponta a professora Jacqueline Machado Brigagão, da Escola de Artes, Ciências a Humanidades da USP.
Depreende-se da obra que um verdadeiro mosaico discursivo foi construído por todas as mídias e por vários componentes materiais: corpos, caixões, leitos de UTI, respiradores, luvas, álcool em gel, hospitais de campanha, máscaras, testes rápidos, medicamentos. O cotidiano das pessoas ganhou rotinas novas, como verificar as curvas de novos casos e óbitos, a evolução da pandemia no mundo, no Brasil, nas cidades, nos bairros. “Desse modo, uma gramática até então circunscrita às comunidades peritas transbordou para as conversas cotidianas: imunidade de rebanho, achatamento da curva, percentual de ocupação hospitalar, taxa de transmissão/contágio, taxa de letalidade, média móvel; as vacinas e seus complexos processos de produção”, conclui Malinverni.
Quando esse mosaico, em sua construção, está sujeito a visões e narrativas falsas, como as disseminadas pelo governo federal de modo reiterado, chega-se a mais de meio milhão de mortos e médicos que ainda prescrevem cloroquina em hospitais e postos de saúde.
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