Joe Biden não é um sopro de democracia para o mundo, diz Heloísa Villela

Jornalista vê avanços na política norte-americana, mas considera o novo governo tão ameaçador para o resto do mundo quanto o de Donald Trump

Heloísa Villela e Joe Biden
Heloísa Villela e Joe Biden (Foto: Divulgação)


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Opera Mundi - Em entrevista a Breno Altman no programa 20Minutos Entrevistas desta sexta-feira (19/03), a jornalista e correspondente da CNN Brasil nos Estados Unidos, Heloísa Villela, avaliou os primeiros meses do governo de Joe Biden. 

Apesar de se mostrar otimista com relação ao novo mandatário, Villela ressaltou que Biden “não é um sopro de democracia para o mundo”, discordando da avaliação que fez o ex-presidente Lula, por exemplo, em entrevista à jornalista e apresentadora da CNN Christiane Amanpour.

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Villela explicou que os EUA sentem a sua hegemonia ameaçada, principalmente pela China, de modo que, nesse aspecto, a política de Biden não irá se diferenciar de Donald Trump. 

“Não vai ter uma diferença nos objetivos, só nos meios. Trump tinha uma postura muito mais de confronto. Biden acho que vai se utilizar dos aliados para exercer pressão e já estamos vendo isso. Anthony Blinken [secretário de Estado dos EUA] foi para Ásia pegar o apoio de outros países para então sentar para conversar com a China, também em nome desses aliados. Mas o Biden vai dar continuidade aos mesmos objetivos. Disse em rede pública que considerava [Vladimir] Putin um assassino, já defendeu a guerra do Iraque, vê a China como uma preocupação”, argumentou.

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Seguindo essa linha, ela acredita ser difícil que o novo presidente norte-americano abdique de interferir nos assuntos da América Latina. “A minha única esperança é de que o embate com a China e a Rússia consuma tantos esforços do governo que ele não tenha tempo de se incomodar com os vizinhos do sul”, afirmou.

‘Governo de Biden é uma quebra de paradigmas’

Do ponto de vista doméstico, contudo, Villela reforçou que o mandato de Biden representa uma ‘quebra de paradigmas’ e uma ruptura inclusive com o que foi o governo de Barack Obama, de quem o atual presidente foi vice. 

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“Parece que ele vai sair de uma ideologia de estado mínimo para um projeto um pouco mais desenvolvimentista. Biden montou um grupo de estudos das linhas de produção do país, de suas diversas cadeias produtivas, para ver onde é preciso investir e desenvolver. Isso é uma diferença muito grande do que a gente vê no país há décadas”, pontuou.

A jornalista também ressaltou para o caráter confrontador de Biden, diferente do perfil conciliador de Obama: “a minha impressão é que ele aprendeu coisas ali e se tornou uma voz discordante do governo já naquele momento”. Segundo Villela, a experiência de Biden como senador faz com que ele entenda que precisará enfrentar diretamente os republicanos “ou não vai conseguir nada”.

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Como exemplo, o atual presidente aprovou, apenas com os votos da bancada democrata, um extenso pacote emergencial para ajudar o país a superar a crise econômica e sanitária provocada pela pandemia. A mobilização popular teve papel importante: cerca de 70% da população apoiava as medidas. A tendência daqui para frente, segundo Villela, é de que ele continue apostando no apoio popular, investindo no trabalho de rua, principalmente de cara às eleições de renovação parcial do Congresso, em 2022.

Sobre o pacote emergencial, a jornalista disse que ele é voltado para a classe trabalhadora, pequenos empresários e agricultores, e para as famílias: “Ele está mirando num eleitorado que os democratas perderam faz tempo”. A medida representa um grande contraste ao pacote emergencial aprovado por Obama em 2008/2009 durante a crise econômica, que visava recuperar o mercado financeiro.

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Segundo Villela, algumas medidas desse pacote serão mantidas no longo prazo, como a extensão do financiamento dos seguros de saúde, em que o governo subsidia o plano de saúde de famílias de baixa renda. No entanto, um segundo pacote deve ser aprovado, focando em infraestrutura e geração de empregos.

Por outro lado, a jornalista lamentou uma importante quebra de promessa de campanha de Biden: o aumento do salário mínimo. Atualmente na faixa dos US$7/hora, o presidente havia prometido subi-lo a US$15/hora, “mas foi a primeira coisa a dançar com a desculpa de que não aprovariam o pacote emergencial com a maioria simples se mantivessem essa cláusula”. 

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A questão imigratória é outro ponto a se atentar. Foi aprovado um projeto que traça o caminho para a cidadania dos Dreamers, pessoas que chegaram menores de idade nos EUA, viveram a vida toda no país, mas que são impedidas de trabalhar uma vez concluídos os estudos por não ter uma situação legal estabelecida.

“É um avanço, mas essas são quatro milhões dentro de 11 ou 12 milhões de imigrantes não documentados que precisam de solução. Sem falar da fila de deportação, das mais de quatro mil crianças que seguem sob custódia da polícia de fronteira, e do pedido de Biden por mais policiamento na fronteira sul do México para impedir a chegada de imigrantes vindos da América Central em troca do envio de vacinas ao país”, citou a jornalista.

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Todos esses temas podem representar problemas no longo prazo para o presidente, pois geram atrito dentro do próprio partido democrata, sobretudo com os membros do setor chamado de socialista democrático, liderado pelo senador independente Bernie Sanders.

100 milhões de vacinados em 100 dias de governo

A gestão da pandemia é outro tema central do governo Biden. Uma das suas promessas de campanha foi vacinar 100 milhões de pessoas nos 100 primeiros dias de governo. Ele deve bater essa meta em breve, com apenas 60 dias estando na Casa Branca.

“Era uma meta bem baixa, na verdade”, ressaltou Villela, “e a gente tem que ser honesto. O Trump fazia um discurso muito contraditório, desprezava a ciência e as medidas de contenção, mas ele mobilizou a pesquisa e a produção de vacinas. Em menos de um ano tinha vacinas testadas e aprovadas, mas aparentemente ele não tinha um grande plano de vacinação. Esse é o diferencial do Biden. Ele fez todo um programa de vacinação que contemplou a instalação de centros de vacinação no país todo e autorizou veterinários, estudantes de medicina, enfermeiros e outros profissionais da saúde a fazer a aplicação. Não é só chegar a vacina, tem que ter estrutura”, reforçou.

Atualmente, os EUA vacinam em média 2,5 milhões de pessoas todos os dias. A meta é ter 70% da população vacinada até o fim de maio. “E volume de vacinas o país tem. Além do governo estar sentado em cima de pelo menos dez milhões de doses da AstraZeneca, uma vacina que ainda não foi nem aprovada pela FDA, então que nem pode ser usada; tem vacina sobrando da Pfizer, da Moderna e da Johnson & Johnson”, contou.

O governo também fechou um acordo com a Merck para produzir mais vacinas da Johnson & Johnson, de dose única. 

“Tudo isso virou moeda de troca. A vacina da AstraZeneca vai ser a vacina da negociação. Já fecharam o envio de dois milhões e meio de doses pro México e um milhão e meio para o Canadá. O Brasil pediu também, mas eles não atenderam. O que também já aponta para uma postura não muito favorável a Bolsonaro, mas isso ainda está por se definir”, concluiu.

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