Fox aplica a Dominação de Pleno Espectro em apoio a Bolsonaro

Na última semana de junho, a Fox enviou Tucker Carlson, seu apresentador mais popular, para o Rio para difamar Lula e fabricar uma narrativa falsa sobre Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Tucker Carlson
Jair Bolsonaro e Tucker Carlson (Foto: Reprodução/Twitter)


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Por Brian Mier, Fair - “Desde os anos 1930, a conexão de Operações Psicológicas com ideologia e comunicação de massas tornou-se um elemento estratégico constante das políticas internacionais" — An Overview of Psychological Operations (PSYOP), Federal Research Division, Library of Congress (1989).

Não é segredo nenhum que desde o golpe parlamentar de 2016 contra a presidente Dilma Rousseff e a prisão arbitrária do candidato presidencial líder de pesquisas, Lula da Silva, em 2018, corporações multinacionais lucraram bilhões de dólares graças à desregulamentação ambiental, ao desmanche de direitos trabalhistas e à privatização dos recursos naturais brasileiros. Também é sabido que canais da mídia corporativa tais como o New York Times e o Washington Post normalizaram os ataques ao Estado de direito e a ascensão do fascismo no Brasil ao ignorar crimes cometidos pelo Juiz Sério Moro amplamente publicados na mídia brasileira. 

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Algumas pessoas nos EUA até devem saber como, em 2018, jornais, por exemplo o Washington Post e o Guardian, deturparam a condenação de Lula no caso triplex através de uma associação jornalisticamente antiética que alegava um envolvimento de Lula em um esquema de corrupção na Petrobrás, o que foi retirado do processo em 2016. Uma análise da cobertura da mídia estadunidense durante os últimos sete anos mostra uma parcialidade contra Lula, presidente do Brasil entre 2003 e 2010 e o Partido dos Trabalhadores, mesmo entre veículos midiáticos de esquerda. 

Apesar disso, as eleições presidenciais brasileiras deste ano parecem ter colocado a mídia estadunidense em uma situação embaraçosa. Ao fazer oposição a Lula, cuja reputação mancharam por anos, parecem dar apoio público ao presidente neofacista Jair Bolsonaro, visto que nenhum dos outros candidatos alcançou a marca de dez por cento nas pesquisas. Por outro lado, apoiar Lula, implica apoio a suas promessas de campanha, tais como desfazer as reformas trabalhistas, previdenciárias e ambientais pós-golpe de 2016, que geraram bilhões de dólares para as empresas que são alguns de seus maiores financiadores de propaganda. 

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Apesar de seu comprometimento com políticas de austeridade, sem dúvida, Bolsonaro não é o tipo de neoliberal certo para os veículos midiáticos estadunidenses como CNN ou o New York Times. Como diz o velho ditado, o burguês prefere apoiar o tipo de fascista que come com garfo e faca. Com as eleições chegando em menos de três meses e Bolsonaro perdendo para Lula por quase 20 pontos nas pesquisas, parece tarde para consertar sua imagem e fazer um segundo mandato mais palatável ao público anglófono.

Essas limitações, no entanto, não impediram que um gigante da mídia de entrar na briga. Durante a última semana de junho, a Fox Corporation da família Murdoch enviou Tucker Carlson, seu apresentador mais popular, para o Rio de Janeiro para difamar Lula e fabricar uma narrativa falsa sobre Bolsonaro como um aliado fiel aos EUA na nova Guerra Fria contra a China, que Carlson alega está “tentando dominar o mundo”. 

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Ao justificar sua visita com a produção de um documentário sobre a “colonização” chinesa da América Latina, Carlson projetou o cenário político dos Estados Unidos sobre a conjuntura brasileira que é totalmente diferente (atualmente Estados Unidos só têm dois partidos políticos representados no Congresso) enquanto faz uma alegação risível de que Lula, um ex-líder sindical, que atualmente lidera as pesquisas com mais do que 2 para 1 contra Bolsonaro entre a classe operária, é apoiado por “uma coligação de bilionários, professores universitários e a CNN.”

De fato, o proprietário da franquia CNN Brasil, Rubens Menin apoiou a campanha de Bolsonaro para a presidência. Além disso, ele recrutou alguns dos jornalistas mais reacionários da TV Globo como Alexandre Garcia, ex-asseessor de imprensa do presidente João Figueiredo, e que ataca Lula há 40 anos. 

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Às vezes, Carlson é elogiado por críticos da política externa estadunidense – por exemplo, Glenn Greenwald – por dar voz a uma maior variedade de opiniões do que a maioria dos apresentadores de programas de telenotícias estadunidenses. Abrir espaço para a oposição controlada, no entanto, é uma tática testada e aprovada pela inteligência estadunidense. Por exemplo, durante a Guerra Fria, foi amplamente empregada pela CIA e suas organizações parceiras como a rede de radio internacional Voice of America (Voz da América), que foi dirigida por Dick Carlson, pai de Tucker Carlson, de 1986 a 1991. 

A variedade mais ampla do que de costume entre os comentaristas convidados por Carlson mostra que ele e seus produtores não são os bobos que a mídia vinculada com o partido democrata tenta retratar. Sem dúvida, há método por trás dessa loucura e é fácil identificar táticas de propaganda de operações psicológicas em funcionamento na cobertura do Brasil feita por Carlson.

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A segunda eleição mais importante no mundo

Em abril de 2021, no Simpósio Cyber de Mike Lindell, em Sioux Falls, Dakota do Sul, Steve Bannon apresentou e deu palco ao deputado Eduardo Bolsonaro. Bannon alertou para um suposto perigo de uma presidência de Lula, proclamando que a eleição presidencial brasileira de 2022 era a “segunda mais importante” do mundo (Business Insider, 8/11/21). Seguindo a expressão de Bannon, a Fox deu continuação com Carlson retratando a administração Bolsonaro como a última grande aliada latino-americana dos Estados Unidos na batalha contra a China, cujo objetivo ele descreve como destruir o estilo de vida dos estadunidense. 

Vilanizar a China coloca Carlson definitivamente alinhado, não apenas com os outros veículos de notícias da família Murdoch, tais como o Sunday Times de Londres e o New York Post, mas também com a CNN e o New York Times e outras assim mídias que ele regularmente critica em seu programa por representar interesses das elites. Alegar que Bolsonaro é um aliado dos Estados Unidos numa possível guerra contra a China, portanto, estabelecendo-o como um ativo importante nessa nova Guerra Fria, atrapalha os esforços da pequena bancada de democratas progressistas para pressionar Biden a romper relações com o governo brasileiro. Ao contrastar um Bolsonaro “amigo” com um Lula “vermelho”, que ele sugere vai imediatamente transformar o Brasil em um estado comunista, baseia-se na dicotomia segurança/medo aplicada durante a Guerra Fria por protagonistas em operações psicológicas como Voice of America. Embora este tipo de dicotomia possa conquistar o coração de consumidores de notícias estadunidenses, não tem nenhuma correspondência com a realidade, já que o Brasil atualmente está muito mais dependente da China do que esteve quando Lula era presidente.

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A China tem sido o mais importante parceiro comercial do Brasil desde 2009, quando ultrapassou os Estados Unidos, mas desde 2019, o comércio com a China cresceu dramaticamente. Em 2021, o valor total das exportações de bens e serviços para a China era de US$ 125 bilhões, mais do que quatro vezes os US$ 31 bilhões em exportações para os Estados Unidos. Além disso, o principal beneficiário estrangeiro das privatizações das reservas petrolíferas de pré-sal, tem sido a China.

Devido ao relacionamento de seu filho com Bannon e declarações xenofóbicas nas mídias sociais de alguns dos seus ministros, muitos esperavam que Bolsonaro deixasse os BRICS e cortasse relações comerciais com a China. Não aconteceu. Depois de taxar todo mundo desde rivais do centrão ao The Economist como comunistas, Bolsonaro proclamou, durante sua primeira visita oficial a Beijing em 2019, que a China era um país capitalista. Quando perguntado sobre a guerra comercial entre China e Estados Unidos, disse: “Não é nossa batalha. Não queremos nos envolver em nenhuma briga ideológica entre as [grandes] economias do mundo.”

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Mais recentemente Bolsonaro elogiou a “relação estratégica” do Brasil com a China dirigindo-se a Xi Jinping, durante a Cúpula dos BRICS, dia 23 junho último.

O fato é que não importa quem seja eleito em outubro, o Brasil manterá sua posição neutra na nova Guerra Fria, e não vai colocar sanções contra a China ou Rússia, nem contra nenhum outro inimigo geopolítico dos Estados Unidos. Tomar partido contra importante parceiros comerciais não tem nenhum sentido econômico racional para o  Brasil, que trabalhou por décadas para permanecer não alinhado em conflitos entre super potências. A Fox certamente sabe disso, portanto inculcar medo sobre a China para angariar suporte a Bolsonaro pode ser perfeitamente visto como propaganda psicológica. 

Dominação de Pleno Espectro

A dominação de pleno espectro é um termo militar que foi originalmente usado para descrever uma batalha na qual um lado exerce controle sobre a terra, o ar, o mar e a narrativa política. Na era moderna da guerra híbrida, é geralmente usado para descrever o controle sobre todos os lados de um debate, como a CIA fez durante a Guerra Fria quando cunhou a expressão “esquerda não marxista” e abriu financiamentos para acadêmicos progressistas e escritores que se opunham à União Soviética e outros inimigos da Guerra Fria.

O filosofo Antonio Gramsci entendeu o papel da mídia burguesa de preencher a tarefa de manter a hegemonia capitalista, o domínio da classe dominante nas esferas ideológica e cultural. Sob essa visão, os argumentos polarizadores sobre assuntos culturais entre corporações da mídia pró-capitalista como a Fox e o ex-empregador de Carlson, MSNBC, mesmo se eles se alinham em termos de política econômica e estrangeira, podem ser vistos como um tipo de dominação de pleno espectro sobre os telespectadores estadunidenses. 

O programa Tucker Carlson Tonight da Fox frequentemente adota essa prática ao dar espaço em suas transmissões, para críticas da política externa estadunidense no Oriente Médio e Europa Oriental (mas jamais na China), contanto que não desafiem a economia capitalista, ou advoguem por sindicatos ou direitos de imigrantes. Essa tentativa de limitar as fronteiras do discurso numa dominação de pleno espectro foi utilizada pela Fox no Brasil através do uso do convidado frequente de Carlson, Glenn Greenwald – um lance que expôs contradições entre as personas públicas de Greenwald no Brasil e nos Estados Unidos. Entrevistado por Carlson, Greenwald pareceu apoiar seu ex-inimigo Bolsonaro pela primeira vez, em um alinhamento com a Fox.

Durante uma breve entrevista (7/5/22), no Rio de Janeiro, onde Carlson permaneceu durante sua visita, Greenwald alegou que Bolsonaro fora “eleito democraticamente” – embora Greenwald tenha escrito um livro inteiro sobre as táticas ilegais usadas na armação contra Lula, o maior rival de Bolsonaro, que o removeram da eleição presidencial de 2018. Ele alegou que a plataforma “anti-establishment” de Bolsonaro jogou as oligarquias da mídia brasileira contra ele, e disse que as companhias de mídia sociais estadunidenses o censuraram várias vezes por causa de comentários que ele fez contra a Covid-19.

Na terminologia das operações psicológicas, Greenwald acaba usando o conceito de censura como uma “generalidade brilhosa”. O antropólogo William Yaworsky, ex-soldado do Primeiro Batalhão de Operações Psicológicas do Exército Estadunidense, define a tática de “generalidade brilhosa” como: frases vagas e palavras de ordem tão precisamente associadas com os valores do público alvo que são aceitos sem ter nenhum conteúdo proposicional genuíno... Tais frases ganham popularidade porque ativam sistemas de inferência abundantemente carregados no cérebro humano.

A censura é um termo carregado nos Estados Unidos, um país cujos cidadãos cresceram ouvindo que viviam na terra dos livres. É arrogante e imperialista, porém, acreditar que todos os outros países no mundo devam ter a mesma interpretação do discurso de liberdade de expressão que os Estados Unidos têm. É verdade que vários vídeos de Bolsonaro sobre Covid-19 foram retirados do ar, mas não o foram por causa das grandes companhias de mídias sociais, isso aconteceu apenas após a CPI que investigou negligência de autoridade na resposta contra a pandemia.

Após ouvir centenas de testemunhas e examinar milhares de páginas de provas, o congresso constatou que Bolsonaro fez uso deliberado das mídias sociais para convencer seguidores de que tratamentos ineficazes como o uso de cloroquina, de ivermectina e injetar ozônio no ânus curariam Covid-19 e que por causa disso seria desnecessário seguir as orientações sanitárias do SUS. Os deputados concluíram que o presidente sabotou a resposta do Brasil à Covid-19 e que isso, por sua vez, causou 300000 mortes que poderiam ter sido evitadas. Acusaram-no de abuso de autoridade – um crime para o qual ele está sob as vistas da Corte Criminal Internacional de Haia, e do que ele certamente será acusado formalmente no Brasil tão logo deixe a presidência.

Baseado na deliberação do congresso, o Supremo Tribunal Federal ordenou às empresas de mídias sociais que impedissem Bolsonaro de comunicar desinformação sobre Covid-19. Em outras palavras, não foram as mídias sociais que “censuraram” Bolsonaro – elas foram forçadas a obedecer uma ordem judicial. Muito diferente de fazer um apelo apaixonado pela “generalidade brilhosa” da liberdade de expressão, os comentários de Greenwald sugerem que as empresas de mídias sociais estrangeiras ignorariam as leis dos países em que atuam. Enquanto isso, Greenwald participa no domínio de pleno espectro com Carlson ao retratar Bolsonaro como uma vítima das elites liberais autoritárias.

Audiência e efeito

Para milhões de consumidores de notícias nos Estados Unidos, a blitz de propaganda da Fox preventivamente configura o palco para a normalização de um possível golpe militar no Brasil no próximo mês de outubro – algo que já está sendo insinuado pelo candidato a vice-presidente de Bolsonaro, o Gal. Walter Braga Neto. Além disso, na tradição de operações psicológicas da Guerra Fria, manda uma mensagem às elites brasileiras de que ao menos parte dos elites estadunidenses iriam apoiar uma manobra ilegal de Bolsonaro e seus militares para permanecer no poder, mesmo se ele perder as eleições para Lula.

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