Fenaj: ataques à liberdade de expressão no Brasil não são risco, mas 'realidade'

Direcionamento da mídia e ameaças à liberdade de imprensa no país no governo Bolsonaro "já ultrapassaram a barreira do risco", são "realidade", disse à Sputnik Brasil presidente da Fenaj, Maria José Braga

(Foto: Agencia Senado)


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Sputnik – Na última quarta-feira (10), o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), durante análise das contas de 2019 do governo federal, fez um alerta: o risco do uso do orçamento como "instrumento de limitação à liberdade de expressão e de imprensa".

Para justificar o temor, citou possível utilização de recursos federais para promover veículos sem critérios técnicos, apenas por serem alinhados ao governo.

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Para a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) esse risco já se tornou realidade na gestão do presidente Jair Bolsonaro.

"O governo toma medidas para prejudicar a liberdade de imprensa, favorecendo determinados veículos e prejudicando outros. Há uma interferência na destinação de verbas públicas para favorecer aqueles alinhados ao governo. Bolsonaro faz diversas ameaças à imprensa. Há uma interferência direta do presidente na questão das verbas", disse Maria José.

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Anúncios em sites pornográficos e de jogos ilegais

Relatório divulgado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que investiga a propagação de notícias falsas nas redes sociais e aplicativos de mensagens, apurou que, somente entre 6 de junho e 13 de julho do ano passado, o governo publicou mais de dois milhões de anúncios em canais digitais com "conteúdos inadequados".

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De acordo com o documento, foram favorecidos sites bolsonaristas e até fanpages do presidente, assim como páginas que divulgam notícias falsas, pornografia, jogos de azar, infantil, e até um canal em russo. A CPMI apontou que houve incorreções na condução da política de publicidade oficial, com falta de transparência e desperdício de dinheiro público.

O senador Humberto Costa (PT-PE), que integra a CPMI, afirma que o "próprio presidente não nega" esse fato, "quando diz que não vai aplicar recursos em determinados órgãos da imprensa, ou quando manda suspender assinaturas de determinados jornais dentro do governo federal".

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"Mas o que estamos observando agora, a partir da análise de recursos que são destinados para blogs de notícias falsas, que fazem pregação de discursos de ódio, é que há com toda certeza um direcionamento para favorecer determinadas estruturas de comunicação, particularmente que fazem parte dessa rede de produção de notícias falsas", disse o parlamentar à Sputnik Brasil.

Recriação de ministério 'une útil ao agradável'

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Sobre os anúncios em sites impróprios, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência) diz que apenas destina as verbas ao Google Adsense, e a plataforma é responsável pela distribuição da propaganda. O órgão, que estava subordinado diretamente ao Palácio do Planalto, será incorporado agora ao recriado Ministério das Comunicações, que terá como chefe da pasta Fabio Faria (PSD-RN), integrante do chamado centrão no Congresso. 

​"A volta do ministério faz parte de um jogo político de sobrevivência da parte do governo. Bolsonaro não tem base sólida no Congresso e precisa evitar que um eventual pedido de impeachment seja aprovado. Isso também termina servindo para unir o útil ao agradável: a recriação da pasta, na forma como está concebida agora, certamente vai permitir utilizar de forma mais ampla, organizada e articulada os recursos do governo para distribuir benesses a determinados grupos e órgãos de comunicação", disse Humberto Costa. 

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Um Projeto de Lei (PL) para combater notícias falsas, chamado de Lei das Fake News, proposto pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), foi retirado de pauta pelo próprio parlamentar, após o texto do relator, senador Angelo Coronel (PSD), ser considerado extremamente rígido por entidades do setor de comunicação e pouco debatido com a sociedade

Nota assinada por várias instituições e veículos, entre elas a Fenaj, disse que o PL poderia restringir "liberdades individuais" e "dar margem à censura e à violação de direitos fundamentais dos cidadãos". Apoiadores do presidente também criticaram a lei por meio das redes sociais.

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Gastos têm que ser de 'interesse público'

O ex-ministro das Comunicações e ex-deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ) afirma que a discussão deveria voltar alguns passos atrás e se ater ao que diz a Constituição.

"Ela só permite gastos do governo em comunicação quando for de interesse público, por exemplo, divulgação de campanhas de vacinação ou de saúde, como de prevenção à COVID-19. Destinar recursos públicos com outras finalidades é um desacato à Constituição. Esse é o ponto principal", disse à Sputnik Brasil.

Miro afirmou ainda que "todo governo gosta de elogio e não gosta de notícia", mas, para apontar ataques à liberdade de expressão e direcionamento de mídia, e possível crime de responsabilidade, é preciso ter provas claras.

Como fato "grave", o ex-ministro recordou "insinuação do presidente" para que empresários que o apoiam deixassem de anunciar em veículos que criticam o governo. Mas, segundo Miro, uma coisa é o que se "diz numa roda", outra se os empresários estariam de fato sofrendo "sanções" do governo.

"Como não apresenta resultados, o governo vive de falsas polêmicas", afirmou.

Recomendação para publicação de gastos

Ao apontar riscos para a liberdade de imprensa, o ministro do TCU citou a retirada da Folha de S.Paulo de licitação realizada pela Secom para assinatura digital de jornais, ato que foi posteriormente revogado pelo presidente. Além disso, apontou ameaças feitas por Bolsonaro de não renovar a concessão da Rede Globo.

Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), recomendou que gastos com publicidade do governo sejam divulgados com transparência em um site

Bruno Dantas fez então recomendação, aceita pelo tribunal, de que fosse criado site para divulgação transparente da aplicação dos recursos públicos em publicidade.

A presidente da Fenaj afirma que critérios técnicos devem guiar a destinação das verbas, como métricas que avaliam audiência e leitura, para verificar a abrangência dos veículos.

'É possível democratizar'

No entanto, Maria José Braga ressalta que, para "não favorecer apenas os maiores", é preciso usar outros parâmetros, como "fatores regionais".

"É possível democratizar a mídia sem direcionamento, com análise técnica, boa vontade e mecanismos de acompanhamento da destinação das verbas", disse a presidente da Fenaj.

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