Editorial do jornal conduzido por Francisco Mesquita Neto condena a constituinte exclusiva, que já não acontecerá mais, assim como a Folha, de Otávio Frias; Folha, no entanto, vê no plebiscito uma forma de destravar a reforma polítca
edit
247 - A proposta da presidente Dilma Rousseff, de promover uma reforma política primeiro por meio de uma constituinte exclusiva, e, agora, através de um plebiscito continua gerando barulho. O Estadão criticou uma presidência "despreparada" e a Folha viu confusão nas idas e vindas do Planalto. Confira:
Custa crer que a presidente Dilma Rousseff tenha falado sério quando propôs um "plebiscito popular" - existe outro? - para a convocação de uma Assembleia Constituinte, sem a participação dos atuais legisladores, com a incumbência exclusiva de fazer a reforma política. Essa foi a principal enormidade que apresentou na reunião de emergência da segunda-feira com os 27 governadores e 26 prefeitos de capitais, convocada para a presidente mostrar serviço à rua. Ela também pediu pactos nacionais para, entre outras coisas, tipificar a "corrupção dolosa" - existe outra? - como crime hediondo e pela responsabilidade fiscal para conter a inflação. Eis um faz de conta: ninguém contribuiu tanto para desmoralizar esse princípio do que o atual governo com a "contabilidade criativa" a que recorre para tapar os seus desmandos fiscais.
A ideia da Constituinte exclusiva -que teria sido soprada para a presidente pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o governador do Ceará, Cid Gomes - foi defendida pelo então presidente Lula na campanha reeleitoral de 2006, para exorcizar o mensalão denunciado no ano anterior. É um delírio político e jurídico. Chegue como chegar a respectiva proposta ao Legislativo, são remotas as chances de ser aprovada. É mais fácil Dilma se transformar da noite para o dia numa chefe de governo afável, pronta a ouvir e a respeitar os seus subordinados do que os congressistas entregarem de mão beijada a terceiras pessoas a atribuição, esta sim de sua alçada exclusiva, de aprovar mudanças na legislação eleitoral e partidária. E, raciocinando por absurdo, se o fizerem, a lei que vier a ser sancionada pela presidente deverá ser abatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Plebiscitos e referendos o Congresso tem a prerrogativa de convocar - desde que os seus propósitos não colidam com a Constituição. O conceito de Constituinte exclusiva simplesmente inexiste na Carta de 1988. Uma assembleia do gênero não poderia ter o seu âmbito circunscrito de antemão. Nomeado por Dilma, o novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que toma posse hoje, escreveu em 2010 que "ninguém pode convocar um Poder Constituinte e estabelecer previamente a (sua) agenda". De resto, "não há absolutamente nada" na Constituição que impeça a reforma política. No mínimo, portanto, a Constituinte dilmista é uma falsa solução para um problema verdadeiro - a crônica relutância dos políticos em mexer nas regras sob as quais fizeram carreira.
O debate sobre o assunto data de 1993. Mas só na legislatura iniciada 10 anos depois a questão avançou. Uma comissão especial aprovou, com o endosso do PT, a proposta de seu relator, deputado Ronaldo Caiado, do então PFL, pelo financiamento público exclusivo das campanhas e o voto em listas fechadas para deputados e vereadores. A proposta, afinal, não vingou. Hoje, o que se tem é o projeto do deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho. O texto conserva o financiamento público e o voto em lista, porém "flexível" em vez de fechada. O que tem de melhor é a extinção das coligações partidárias em eleições proporcionais, o que permite aos partidos nanicos vender aos maiores o seu tempo no horário de propaganda em troca de vagas na chapa comum. O ponto é que a reforma política não é um antídoto contra a corrupção.
Aplica-se, a respeito, o comentário do criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira sobre o segundo desatino da presidente - o de querer enquadrar a corrupção como crime hediondo. "A lei penal não inibe a prática de qualquer crime, especialmente de corrupção", observa Mariz. "Acabar com a corrupção ou reduzi-la depende de mudança ética. Depende da classe política e da própria sociedade." O pretendido enquadramento, para ele, é "medida demagógica, sem nenhum alcance prático". A verdade, ao fim e ao cabo, é que seria ingênuo esperar de Dilma que tivesse chamado governadores e prefeitos para uma conversa objetiva e consequente - em vez de brindá-los com "qualquer nota". Pouco antes, Dilma havia recebido os líderes do MPL, que pregam o transporte gratuito. À saída, uma deles, Mayara Vivian, foi ao nervo do problema. "A Presidência", resumiu, "é completamente despreparada."
Dilma turva o debate com proposta extemporânea de constituinte exclusiva; plebiscito pode desatar o nó da reforma política, contudo
Pressionada pelas grandes manifestações que tomaram as ruas das principais cidades do país, a presidente Dilma Rousseff (PT) sentiu-se, com razão, obrigada a dar alguma resposta às demandas.
Até que começou bem, com um pronunciamento firme e sereno na TV. Logo se desencaminhou, porém, na reunião com governadores e prefeitos, ao detalhar compromissos vagos em propostas mais específicas --uma salva de fogos de artifício, que produziu mais estrondo do que luz, além do constrangedor recuo da presidente menos de 24 horas depois.
Afora previsíveis e duvidosos projetos sobre austeridade, transportes, educação e saúde, Dilma lançou duas ideias mirabolantes: a convocação, por plebiscito, de uma constituinte exclusiva para a reforma política e a inclusão da corrupção entre os crimes hediondos, tornando-a inafiançável, com pena inicialmente em regime fechado e progressão dificultada.
A proposta sobre crimes de corrupção é mais uma a banalizar um recurso superlativo antes na aparência do que na realidade. Como a indignação manifestada nas ruas corre o risco de fazê-la passar por solução, cabe repisar o argumento: aumentar a severidade das punições não produzirá o que de fato está em falta no país --o rápido e inteiro cumprimento das leis já existentes.
Pior foi a manobra diversionista da constituinte. É óbvio que a presidente pretendeu com ela transferir a responsabilidade para o Congresso, que teria o ônus de organizar a amputação de seus próprios poderes reformadores (cabe lembrar que 73 emendas constitucionais foram aprovadas desde 1988).
Boa parte da legislação partidária que se pretende reformar nem necessitaria de mudanças na Constituição. O realismo e o retrospecto políticos indicam que o Congresso não se dispõe a encetar tal reforma; diante do impasse, ganha força a proposta de recorrer a uma consulta popular, mas sem a aventura de uma constituinte exclusiva.
Pode ser essa a saída para romper o nó górdio. Mas não será trivial definir os detalhes e realizar até outubro --a tempo de valer já na eleição de 2014-- um plebiscito para decidir o que há anos se discute e nunca se resolve. Para dar certo, a consulta teria de ser muito concisa e precisa.
Esta Folha defende que os costumes políticos brasileiros teriam uma chance boa de melhorar se o país se decidisse pelo voto distrital misto (para estreitar o vínculo do cidadão com seu representante eleito), pela cláusula de barreira (para diminuir o número de partidos e aumentar sua representatividade), pela manutenção do financiamento privado (mas com regras claras sobre valores e transparência) e pelo fim das coligações em eleições para deputados e vereadores (meramente eleitoreiras).
A balbúrdia criada por Dilma Rousseff, infelizmente, em nada contribui para que o país venha a dar esses passos que aperfeiçoariam sua democracia.
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247