Editorial do Le Monde sobre o Brasil: o perigoso voo às escuras de Bolsonaro
Um dos principais jornais da França, o Le Monde, publicou nesta segunda-feira editorial com severas críticas ao governo de Jair Bolsonaro. "Sem levar em conta o balanço cada vez mais aterrador da epidemia, o presidente brasileiro continua afirmando sem concessão alguma que o coronavírus é uma 'gripezinha' ou uma 'neurose' fruto da 'imaginação' da mídia
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247 - O editorial do Le Monde desta segunda-feira (18) foi dedicado ao Brasil. O jornal francês critica as opiniões e a condição de Jair Bolsonaro na crise sanitária que já infectou 254.220 brasileiros e matou matou 16.792. Leia a íntegra, na tradução de Sylvie Giraud.
Não há dúvida de que há algo de podre no reino do Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro, consegue afirmar, sem vacilar, que o coronavírus é uma "gripezinha" ou uma "histeria" nascida da "imaginação" das mídias”, diz o editorial. Algo de podre quando ele vai ao encontro de aglomerações de seus partidários, quando ele incita as autoridades locais a eliminarem as restrições, quando pretende que a epidemia tenha "começado a desaparecer" enquanto que os cemitérios em todo o país registram um recorde inédito de enterros. Quando seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, defende o "comunavírus", alegando que a pandemia é o resultado de uma conspiração comunista. Quando o ministro da Saúde, Nelson Teich, renuncia em 15 de maio, quatro semanas após sua nomeação para esse ministério crucial, por "diferenças de opinião", justamente no dia em que o país alcançava 240.000 casos confirmados e mais de 16.000 mortos.
Para muitos, as horas sombrias que o Brasil – quinta nação mais afetada pela pandemia - atravessa hoje, relembram as da ditadura militar, quando o país foi submetido ao medo e à arbitrariedade. Com uma diferença significativa: enquanto os generais da época reivindicavam a defesa de uma democracia atacada, segundo eles, pelo comunismo, o Brasil de Bolsonaro vive em um mundo paralelo, um teatro do absurdo onde os fatos e a realidade deixaram de existir. Nesse universo sob tensão, nutrido por calúnias, incoerências e provocações mortíferas, a opinião se polariza em torno de um nevoeiro de ideias simples mas falsas.
A denegação impulsionada pelo governo demove metade da população de confinar-se, enquanto os pedidos de distanciamento social lançados pelos profissionais de saúde, governadores e prefeitos são seguidos frouxamente. Bolsonaro, que não parece apreender a real dimensão da pandemia, diz que a atividade econômica deve continuar a qualquer preço e enquanto isso faz um cálculo político insano, esperando que efeitos devastadores da crise serão atribuídos à oposição.
Caos sanitário
Oficial subalterno expulso do exército e obscuro deputado de extrema-direita, zombado por seus pares durante três décadas, Bolsonaro, claramente, não possuía as qualidades necessárias de um estadista. Uma vez no poder, devorado pela amargura e pela nostalgia fascista, o ex-capitão da reserva não cessou de acusar o eternamente odiado "sistema". Postura que durante uma pandemia aguda causa caos na saúde e semeia a morte.
De tanto trair os fatos, os governantes populistas acabam por acreditar em suas próprias mentiras. Vemos isso em outras partes do mundo. Mas aqui, neste país que saiu da ditadura há apenas vinte e cinco anos, onde a democracia permanece frágil e até disfuncional, o fato de politizar, sem limites, uma crise sanitária dessa magnitude é algo totalmente irresponsável.
Com uma base eleitoral de 25%, Bolsonaro sabe que sua margem de manobra é estreita. Alguns evocam hoje o cenário de um golpe institucional. Aliás, diante da multidão que veio apoiá-lo em Brasília, o presidente deixou claro no dia 3 de maio que se o Supremo Tribunal Federal o investigasse - a ele ou a seus parentes -, ele não respeitaria a decisão dos juízes. Após ter praticado o negacionismo histórico ao elogiar a ditadura, negado a existência dos incêndios na Amazônia e a gravidade da pandemia de Covid-19, Bolsonaro e sua tentação autoritária têm grandes chances de mergulhar o país em um perigoso voo às escuras.
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