Destino do Estadão é sombrio sem o Dr. Ruy
Único elemento de unidade da família Mesquita, na qual não há consenso sobre como recuperar as finanças e o prestígio do jornal fundado em 1875, Ruy Mesquita será enterrado na tarde de hoje; principal executivo, Francisco Mesquita precisou fechar o Jornal da Tarde, no ano passado, para estancar uma das sangrias da companhia; entre as alternativas de superação examinou até uma parceria com o The New York Times; ele conseguirá unir seus irmãos e primos, além dos investidores que tem capital na empresa, em torno de uma saída para a situação financeira de nove balanços com resultados negativos nos últimos dez anos?

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
247 – Secretário de redação do Estadão entre 1953 e 1963, o jornalista Cláudio Abramo desabafou logo ao chegar em casa:
- Amanhã vai ser uma revolução lá na redação. Mandei tirar um fio da primeira página.
Com bom humor, a historieta foi contada por Radha Abramo para indicar o grau de dificuldade que seu marido tinha encontrado para modernizar editorial e visualmente o jornal fundado pela família Mesquita em 1875, nascido A Província de São Paulo.
Naqueles anos 1950, o jornalista Ruy Mesquita, falecido ontem em São Paulo, ainda não fazia parte da redação, onde seu irmão, Julio de Mesquita Neto, assumia a direção. O dr. Julio, como foi chamado ao longo da vida, conduziu o jornal, nas três décadas seguintes, de modo a equilibrar-se entre o liberalismo econômico e o conservadorismo político, sem associar-se editorialmente, em razão da radicalização do regime militar, à face mais dura da ditadura. Nos anos de chumbo da virada das décadas de 1960 para 1970, a modernidade da mídia paulista estava no Jornal da Tarde, que Ruy assistiu, como patrão, Mino Carta e sua equipe implantarem, e a resistência ao regime estava no próprio Estadão, enquanto, na rua Barão de Limeira, a família Frias editava a Folha da Tarde em tudo identificada com a polícia comum e política, emprestava carros para carregamentos de presos de cadeias para centros de torturas e não investia no que viria a ser seu carro-chefe, a Folha de S. Paulo.
As mudanças no quadro político, no entanto, viraram as posições na mídia. A partir de uma extensa cobertura do comício das Diretas, em 1983, na Praça da Sé, a Folha partiu em busca do crescente público oposicionista, enquanto o Estadão, que sobre o evento produziu uma cobertura burocrática, não acompanhou a nova sociedade. A morte de Ruy Mesquita encerra essa era de conservadorismo, mas é certo que a situação da empresa S. A O Estado de S. Paulo é hoje muito menos sólida do que naquelas tempos.
Cabe a Francisco Mesquita, o Chiquinho, neste momento, tocar o dia a dia do grupo, assistido por um séquito de executivos impostos por fundos de capital que salvaram o jornal da bancarrota, na primeira década desse novo século. As dificuldades financeiras começaram quando a publicação deixou o centro de São Paulo – de onde a Folha não pretende arredar pé --, onde tinha inclusive suas rotativas. Simpáticas, elas ficavam à vista do público que caminhava pela Major Quedinho. O prédio se destacava por um exuberante painel de Di Cavalcanti com as fases do jornal, da impressão à circulação, passando pelo trabalho da redação, pintadas nos ladrilhos. Havia por cima um magnífico letreiro eletrônico que criava tipos entre lampadinhas acesas e apagadas, de modo a que as principais manchetes do jornal do dia seguinte fossem noticiadas para a cidade em ritmo veloz, uma seguida da outra. Jornalismo em tempo real.
Mas o Estadão quis mudar dali. Grandiosa, sua nova sede no bairro da Casa Verde, distante do nervosismo produtivo do centro da capital, acarretou dívidas que se arrastaram por anos, até serem resolvidas à base de empréstimos e parcerias. Os Mesquita, no início dos anos 2000, perderam por completo o controle sobre a empresa, mas a habilidade do dr. Chiquinho, considerado o melhor quadro entre dezenas de herdeiros do negócio, acomodou a situação econômica do grupo. Mas não sem perdas. O Jornal da Tarde, que definhava, fechou no ano passado, após anos de prejuízos para os acionistas.
Saber mudar, como se vê, não é uma característica dos Mesquita. O grupo americano que edita o The New York Times interessou-se em participar do capital do Estadão, mas as amarras da legislação brasileira para os meios de comunicação, criadas para proteger as famílias proprietárias originais, acabou por se mostrar um empecilho para ajudar essas mesmas famílias a ultrapassarem seus problemas.
Entre filhos, irmãos, primos e netos, os Mesquita são muitos e cada um deles parece ter seu próprio interesse sobre a empresa. O consenso não existe. O dr. Ruy, pelo respeito que suas convicções, como definiu a presidente Dilma Rousseff, em nota de pesar, e capacidade de trabalho impuseram aos demais, se foi. Os quatrocentões do Estadão sabem que, como está, seu negócio tem os dias contados – o exercício do ano passado foi o primeiro, em nove anos, a ter números finais no azul, mas há muita incerteza sobre as receitas para este ano. Os cortes na empresa, de maneira mais ou menos discreta, se sucedem. Se algo realmente novo não for feito, o velho vai perder. Como tem acontecido.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247