Cidadãos na era digital
No mundo de hoje, conectar-se ao ciberespaço permite “baixar” cidadania de graça
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Ah, Grécia Antiga, berço da democracia! Ah, Europa do século 18 e sua esfera pública efervescente! Aqueles lá, sim, é que eram cidadãos de verdade! Participavam ativamente da política, deliberavam regularmente sobre os rumos da sociedade. Hoje, não é assim. Um marasmo essa juventude no Ocidente! Ninguém quer votar, reivindicar, ir pras ruas… Mas será que os parâmetros não mudaram? O que é ser cidadão na sociedade da informação, conectada e em rede do século 21?
Para entender nosso (possível) papel político, é necessário primeiro desconstruir a História da cidadania perfeita. Os cidadãos gregos, de fato, dedicavam-se integralmente à vida pública. No entanto, eles só ficavam horas debatendo porque… Não trabalhavam! Galera politizada, mas preguiçosa! Era a exploração de escravos que garantia plena cidadania a uma parcela dos gregos.
Na Europa iluminista e iluminada de 1800, os cafés e as ruas eram tomados por burgueses travando embates políticos. Nos jornais da época, criticavam o Estado e cobravam ações das autoridades. Comportamento exemplar de cidadãos! Cidadãos homens, brancos, com renda. E cadê mulheres, negros e pobres nessa esfera pública?
É, esses cidadãos gregos, europeus, são bem capengas, viu?! Imagina um operário-padrão brasileiro que trabalha 40 horas por semana sempre ouvindo desaforo de chefe. Ou uma doméstica que gasta uma vida no transporte público no trajeto casa-trabalho. Ou um jovem em busca de emprego ou atualização permanentes. Como exigir deles que sejam cidadãos exemplares? A que horas? De madrugada? Onde? No metrô?
Ora, na interconectada sociedade das mídias sociais, a convergência não fica restrita a tecnologias. Nossos diversos papéis como trabalhador, “amigo”, cidadão e consumidor também convergem. Informação, entretenimento, compras e política estão disponíveis na mesma plataforma. No cybercafé, no único computador da vizinhança, no laptop ou no smartphone. Lá podemos dar um Google e achar nossa cidadania!
Durante a campanha presidencial, a então candidata Dilma Roussef contou com o apoio inusitado de um internauta que postou no YouTube um vídeo enaltecendo as qualidades dela. Dilmaboy usou uma webcam para gravar uma divertida versão de música de Lady Gaga. O clipe teve mais de 400 mil acessos. Esse “produsuário” certamente desempenhou um papel político – mas não só ele, como todos que assistiram ao vídeo. Seja gargalhando, clicando em “Curti” no Facebook ou reprovando o discurso, fomos cidadãos.
Tão logo a vitória de Dilma foi anunciada, em 2010, a estudante Mayara Petruso tuítou comentários xenofóbicos contra nordestinos. Dezenas de seguidores dela avalizaram as ofensas online. Em resposta, um contra-movimento a favor do Nordeste começou nas timelines do Twitter. Não eram só nordestinos, mas diversos públicos unidos em prol de respeito. A batalha “virtual” cruzou a fronteira “real” e chegou aos jornais, mesas de bar, casa e trabalho. Seja tuitando a corrente do Nordeste, postando no Orkut respostas à Mayara ou papeando no happy hour sobre o preconceito, fomos cidadãos.
Ser cidadão não é só fazer coisas ligadas à política. Nada de ir para a ágora enquanto os escravos carregam o piano! No terceiro milênio, a ação política está diluída em nosso cotidiano, entre tarefa e lazer. Não é por isso que ela é menos verdadeira que no passado – esse, sim, idealizado. E, sem dúvida, conectar-se ao ciberespaço permite “baixar” cidadania de graça.
Diego Iraheta é jornalista e mestrando em Mídias Digitais na University of Sussex, na Inglaterra
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