Bucci, do Millenium, diz que Cristina trocará monopólio privado por oficial

Colunista Eugenio Bucci argumenta que a presidente argentina pretende, com a sua Ley de Medios, substituir o controle do grupo Clarín sobre a informação por uma mídia oficialista

Bucci, do Millenium, diz que Cristina trocará monopólio privado por oficial
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247 - Dias atrás, o professor Eugênio Bucci, da USP e do Instituto Millenium, acusou o ex-presidente Lula de ultrajar jornalistas, ao dizer que anunciantes influem no conteúdo das publicações. Hoje, ele acusa a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, de tentar substituir o monopólio privado do Clarín sobre a informação por uma mídia oficialista e chapa-branca em seu país. Leia o artigo publicado no Estado de S. Paulo. 

Réveillon em Buenos Aires - EUGÊNIO BUCCI

Neste final de ano, a batalha espetacular sobre a regulação de mídia na Argentina ganhou cores intensas, contrastadas, com idas e vindas eloquentes, rodopios graves e pausas dramáticas, como se a vida fosse, com o perdão da metáfora clamorosamente óbvia, um tango de vida ou morte. De um lado da dança que no fundo é um duelo fatal, bate os pés o Grupo Clarín, que controla a enormidade de duas (há quem fale em três) centenas de concessões de rádio e televisão. Na outra ponta, a Casa Rosa da ergue o salto pontiagudo e acusa o oponente de difundir mentiras. A contenda ritmada se acirra, enquanto sobem o suspense e o volume do bandônion.

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Numa saga sem tréguas, que agora alcança as trincheiras do Judiciário, o governo pretende fazer valer a lei sancionada em 2009, obrigando o Clarín a se desfazer de suas concessões (ou licenças), num fim trágico.Em guerra aberta, Cristina Kirchner tem um argumento a seu favor, um argumento de grande apelo, tanto que angariou a adesão de Frank La Rue, relator de Liberdade de Opinião e Expressão das Nações Unidas. O relator foi cauteloso, é verdade. Teve a prudência de criticar o que chamou de intimidação das autoridades argentinas contra o Clarín,mas,ao mesmo tempo,apoiou os termos gerais da lei de 2009,cuja finalidade declarada é combater o monopólio privado dos meios de comunicação.

Nesse ponto, Frank La Rue não está sozinho. Dos Estados Unidos à França, da Alemanha ao Reino Unido, as legislações que regulam a mídia em especial a radiodifusão, ou seja, as emissoras de rádio e TV têm em comum o objetivo de impedir a formação de monopólios e oligopólios. Os parâmetros legais antimonopolistas são aceitos pelas diversas correntes políticas do mundo democrático,da esquerda à direita, pois está mais do que provado que eles protegem a concorrência comercial,a livre iniciativa e a pluralidade de vozes numa sociedade que se pretende livre. Até aí, portanto, estamos todos de acordo. O Grupo Clarín, quando analisado sob o prisma de qualquer dos marcos regulatórios democráticos em vigência na América do Norte ou na Europa, cairia na tipificação de concentração de mercado (vertical ou horizontal), de propriedade cruzada e de outros sintomas que indicam a possível prática de monopólio. Não há muita controvérsia quanto a isso. É praticamente consenso que o mercado da mídia na Argentina precisa de um marco regulatório mais moderno e mais aberto.

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O governo argentino soube tirar proveito desse déficit. No mais, fez tudo errado. A começar do começo. Os veículos do Grupo Clarín gozavam uma vida confortável sob a dinastia Kirchner até que começaram a publicar informações e opiniões que irritaram a Casa Rosada. A reação foi dura, impiedosa. A Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual veio à tona num contexto de enfrentamentos polarizados,dando a entender que a motivação nuclear do novo marco legal não é regular de modo desinteressado as relações de mercado,mas punir uma empresa jornalística por ter sido crítica. Isso conturba e vicia o processo, mina inteiramente sua credibilidade. Fica no ar a impressão de que, se seguisse falando bem dos governantes,qualquer monopólio seria festejado pela presidência da República e de que a lei de 2009 não nasceu para atender a razões de Estado, mas a caprichos partidários de um governo, o que reforça a sensação de incerteza jurídica.

Uma leitura um pouco mais detida dos artigos da Leyde Servicios de Comunicación Audiovisual levanta pontos preocupantes. Um desses pontos é a autorização, dada às emissoras estatais, de vender publicidade.Para que o leitor entenda, lembremos que o legislador argentino estruturou o sistema de comunicação Audiovisual em três regimes distintos:o primeiro seria o das emissoras comerciais, aquelas que têm fins de lucro; o segundo, das emissoras sem finalidades de lucro, controladas por entes não governamentais, seria o regime das rádios e televisões públicas; e o terceiro seria o das emissoras estatais. O primeiro dependerá da venda publicidade para se financiar, evidentemente. Os outros dois contarão com apoios financeiros de natureza pública ou estatal, o que também é evidente.Problema:se um destes dois puder vender publicidade e ao mesmo tempo receber dinheiro público, fará concorrência desleal às emissoras privadas, já que poderá oferecer seus intervalos comerciais a preços menores,subsidiados.Pois o artigo 136 autoriza a Rádio y Televisión Argentina Sociedad del Estado a captar recursos de publicidade (alínea c), ameaçando entrar no mercado das emissoras comerciais.

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Outro ponto de preocupação vem da presença cada vez mais proeminente do governo argentino no mercado anunciante.Como compradora de espaços publicitários,a Casa Rosa da poderia,em tese, pressionar emissoras comerciais a adotar uma linha editorial simpática às autoridades. Não se trata de mero detalhe. A combinação entre um mercado de mídia fortemente regulado e um governo que gasta os tubos em publicidade comercial é catastrófica para a democracia, bem entendido, não necessariamente para o governo. A explicação é simples: sobre o sistema estatal o governo teria acesso funcional, ainda que indireto;sobre o sistema dito público(o das emissoras controladas por entidades não governamentais, sem fins de lucro)o partido do governo poderia ter influência política, pela cooptação ideológica ou mesmo fisiológica; finalmente, sobre o sistema comercial o governo contaria com as verbas publicitárias para exercer pressão.

Se essa tendência (pessimista) se confirmar, o monopólio privado na Argentina seria substituído por um monopólio governamental subterrâneo, o que costuma ser ainda pior. O ano-novo em Buenos Aires vai se aproximando num horizonte sombrio, enfumaçado, incerto. Seus efeitos sobre o Brasil são mais incertos ainda.

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