Brasileiro é tão bonzinho

Não apenas repórteres de elite, escolhidos pelas redações mais importantes para cobrir o Planalto, aceitam que o entrevistado lhes determine o que podem ou não perguntar, como este fato é deixado de fora da matéria, como se fosse irrelevante



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Uma raríssima entrevista coletiva da presidente Dilma Rousseff, num café da manhã com jornalistas. Primeira pergunta: assunto, teto do Fundo de Garantia. Resposta da presidente: “Ah, essa não! Vamos tentar outro assunto”. Segunda pergunta: assunto, aumento da gasolina. A presidente também não gostou. E resolveu o problema das perguntas que não estavam a seu gosto: “Eu mesma começo. Queria falar, neste final de ano (...)”

Imagine uma entrevista assim na Casa Branca. O mundo cairia. Imagine uma entrevista assim no Iraque – onde o repórter Montazer Al Zaidi jogou um sapato no presidente americano George Bush. Imagine uma entrevista assim em Londres, onde o duelo entre autoridades e repórteres é duríssimo. Aqui passou na boa – e, não fosse uma nota publicada fora do corpo da reportagem, num único jornal, o público poderia pensar que os repórteres perguntaram o que quiseram e a presidente da República respondeu às perguntas por eles formuladas.

Brasileiro é tão bonzinho! Não apenas repórteres de elite, escolhidos pelas redações mais importantes para cobrir o Palácio do Planalto, aceitam que o entrevistado lhes determine o que podem ou não perguntar, como este fato é deixado de fora da matéria, como se fosse irrelevante. Sua Excelência, o Consumidor de Informação, é tratado como cidadão de segunda classe: pensa que está tomando conhecimento de uma entrevista, sem saber que só as perguntas aprovadas pelo entrevistado entram na matéria.

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No início da ditadura militar, quando o presidente da República, marechal Castello Branco, começou a falar em leis de imprensa (que, como hoje, eram muito mais leis de cerceamento de liberdade de expressão do que qualquer outra coisa), a grande desenhista Hilde Weber, no Jornal da Tarde, publicou uma série de charges sobre o tipo de imprensa que o marechal queria. Lembrança necessária: Castello Branco era feio de doer e sua cabeça saía direto dos ombros, dispensando o pescoço. Em várias charges demolidoras, surgiam as manchetes de que o governo militar gostaria. Por exemplo, “Castello é bonito”; “Presidente é bom de bola”, “Moda francesa quer copiar as gravatas de Castello”.

Com censura e tudo, referindo-se a uma frase clássica do ex-presidente Ernesto Geisel, de que o Brasil vivia uma “democracia relativa”, o repórter João Russo perguntou ao todo-poderoso ministro Delfim Netto se a taxa de inflação que ele apontava (e que, com base em informações do Banco Mundial, o correspondente Paulo Francis desmentia) era absoluta ou relativa. Delfim não gostou, respondeu duro, e a entrevista continuou fluindo. Num programa de entrevistas, o professor João Manuel Cardoso de Mello (hoje na Facamp, em Campinas), protagonizou um memorável duelo com Delfim Netto, perguntando o que queria e ouvindo as respostas do ministro, por sinal um excelente debatedor.

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Uma repórter da Rede Bandeirantes, Ana Aragão, perguntou ao ditador de plantão, general João Figueiredo, por que ele, como havia dito, preferia o cheiro de cavalo ao cheiro do povo. Figueiredo não respondeu, mas a ausência de resposta foi o ponto principal da reportagem.

E isso na ditadura. Hoje, por que tanta mansidão dos meios de comunicação diante do poder?

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