A cara do dono

Os donos de jornais, revistas e emissoras de TV no Brasil bem que podiam ser um pouco mais discretos



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Durante a República Velha (1898 – 1930) os jornais brasileiros tinham a cara do dono. Como conta Juarez Bahia em História da Imprensa Brasileira, publicado pela Mauad X, nessa época um jornal é menos conhecido pelo seu título do que pelo nome do seu proprietário:

"O Correio da Manhã é o jornal de Paulo Bittencourt, como já fora de Edmundo Bittencourt; o Diário Carioca é de Marcelo Soares. O Globo é o jornal de Irineu Marinho e, com sua morte, de Roberto Marinho. O Correio de Povo, de Porto Alegre, é o jornal de Caldas Jr; O Jornal do Comercio, de Recife, é dos Pessoas de Queiroz. O Jornal do Brasil, depois que se equilibra empresarialmente, é o jornal do conde ou da condessa Pereira Carneiro; O Estado de São Paulo é o jornal dos Mesquitas."

A Revolução de trinta bagunçou o mercado editorial do país, mas depois que alguns jornais foram empastelados – como A Crítica, de Mario Rodrigues, pai de Nelson – o pragmático Getúlio Vargas tratou de realinhar com parte da imprensa, a quem adulava com gordas cotas de patrocínio. A briga de Getúlio com os teimosos durou todo o seu governo, passou pelo Estado Novo (1937-1945), período em que interditou o Estado de São Paulo, e ganhou ares de Fla X Flu no começo dos anos cinquenta, quando dois jornais deixaram de lado o relativismo e elegeram como único lema ser contra ou a favor de Getúlio. A Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, batia. A Última Hora, de Samuel Wainer, defendia.

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O negócio foi tão feio que, segundo Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca em História da Imprensa no Brasil (Contexto), no auge da crise iniciada pelo conflito "uma briga de imprensa mata um presidente da república, fato inédito na História do Brasil."

O conflito migrou dos jornais diários pras revistas semanais, e hoje você vai ter que procurar bem pra achar uma matéria que não seja ideologicamente fabricada em Veja ou em Carta Capital, pois ambas refletem as opiniões irredutíveis dos seus donos. Mino Carta não gosta da revista dos Civita, de onde saiu magoado, por isso não se cansa de espinafrar a concorrente, que também sai dando cacetadas através do seu blogueiro mais famoso.

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No artigo "Porrete da adjetivação deforma jornalismo", publicado no Observatório da Imprensa, Carlos Chaparro reflete sobre os riscos desse articulismo autoral, que mistura ideologia e reportagem.

Cansado do arranca-rabo, resta ao leitor correr pros veículos de variedades e entretenimento, onde ironicamente há de achar um jornalismo político mais bem feito. A "Tribuna livre da luta de classes" da revista Piauí ou os artigos e perfis da Rolling Stone são menos comprometidos com a dor e a delícia do petismo e mais interessados em interpretar um país contraditório, em contar uma história sem de antemão demonizar ou santificar os personagens, e em praticar o be-a-ba do jornalismo: ouvir os dois lados. Ou os três. Ou os vinte lados.

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Anda segundo Juarez Bahia, no Brasil "A instituição não é exatamente a imprensa, mas os seus donos, em contraste com Estados Unidos e Inglaterra, onde o nome dos proprietários do New York Times e do Times pouco conta em relação à expressão política, econômica ou social dos jornais."

Se o que vale é a opinião do dono, o nível do debate despenca. E figuras como a blogueira cubana Yoani Sánchez ou o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez tornam-se automaticamente heróis ou vilões, santos ou mercenários.

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Basta ver como agem os donos de nossas emissoras e televisão: Silvio Santos dá um programa pra filha; o dono da Rede TV abre espaço pra sua jovem esposa, aliás um talento; e a filha de Edir Macedo te ensina a como manter um "casamento blindado." Tá bom. Menos, né?

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