Veneno paraquate é banido das plantações de cana-de-açucar brasileiras

A decisão da Anvisa de vetar a produção, importação, comercialização e utilização do paraquate, que matou mais de 100 mil pessoas em todo o mundo, foi publicada em setembro de 2017 e previa um período de adaptação de três anos

Colheita de cana-de-açucar
Colheita de cana-de-açucar (Foto: REUTERS/Paulo Whitaker)


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Brasil de Fato - O uso de agrotóxicos à base da substância herbicida paraquate estão banidos a partir desta sexta-feira (30) dos cultivos de cana de açúcar no Brasil.

O veneno, de alta toxicidade, que matou mais de 100 mil pessoas em todo o mundo, foi proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após pressão de pesquisadores, organizações sociais e movimentos populares.

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Conforme reportagem publicada pelo portal The Intercept Brasil no dia 21, a fabricante suíça Syngenta – que produz agrotóxicos à base de paraquate – conhece há décadas o potencial nocivo da substância, mas uma “conspiração dentro da empresa” impediu que essa informação viesse à tona.

A estimativa de 100 mil óbitos causados pelo paraquate foi apresentada pelo toxicologista Michael Eddleston, da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, na mesma matéria. O especialista afirma que houve mais de 14 milhões de suicídios por ingestão de pesticidas desde a década de 1950.

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A decisão da Anvisa de vetar a produção, importação, comercialização e utilização do paraquate foi publicada em setembro de 2017 e previa um período de adaptação de três anos.

A indústria de agrotóxicos fez lobby para garantir o adiamento das datas-limite para aplicação do veneno em diferentes cultivos, conforme denúncia da Agência Pública e da Repórter Brasil divulgada em julho de 2020.

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Em resposta aos dois veículos, a Syngenta negou ter interferido indevidamente no processo [confira a nota completa ao final desta matéria].

A atuação da empresa teria se dado no âmbito da Força Tarefa Paraquate Pós-Reavaliação, instituída pela Anvisa para realizar estudos sobre o tema. Assim como a Syngenta, outras 11 fabricantes de agrotóxico à base de paraquate participaram do grupo.

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A cana de açúcar se soma, nesta sexta, a outros seis cultivos em que o paraquate já foi banido no Brasil – maçã, algodão, batata, cítricos, feijão e milho. A aplicação ainda é permitida em plantações de soja e café até 31 de maio e 31 de julho, respectivamente.

Paraquate e glifosato, o agrotóxico mais utilizado no Brasil, causaram juntos 214 mortes no país na última década, segundo levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil.

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Efeitos imediatos e danos a longo prazo

O Brasil de Fato repercutiu o banimento do paraquate com o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, mestre em Economia Rural, doutor em Engenharia de Produção e colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

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“O paraquate é um herbicida muito utilizado para suicídios porque mata rapidamente e não tem antídoto. Isso dá uma ideia do potencial desse veneno como arma”, explica.

O pesquisador lembra que a substância causa danos ao ser absorvida por meio da ingestão, mas também no contato com a pele.

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Para os consumidores dos alimentos, o herbicida chega em doses muito pequenas. Nesse caso, não levam a óbito, podem causar problemas crônicos a longo prazo.

“Ele causa vários tipos de alteração, incluindo um processo gradativo de fibrose pulmonar que mata as pessoas de forma semelhante à covid, sem conseguir respirar. É algo muito brutal, que implica em muito sofrimento”, descreve.

“Não é razoável que um agricultor coloque em risco as pessoas que trabalham para ele, os vizinhos e os demais. Esse produto deveria ser banido do planeta. A Syngenta é da Suíça e foi comprada por uma empresa chinesa [ChemChina], e nesses países não se vende o paraquate”, completa Melgarejo.

O argumento de que o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) preveniria intoxicações, segundo o engenheiro, não se sustenta.

“Na prática, esses EPIs não são usados, porque o sujeito tem que ir para a lavoura como se estivesse se preparando para mergulhar em profundidade”, compara.

“Ninguém trabalha na lavoura senão em dias de sol. E mesmo quem trabalha em ambientes climatizados, aparentemente com vedação completa, estão expostos quando se trata de um produto tão tóxico, em que uma quantidade mínima pode causar Parkinson e até matar”, acrescenta o pesquisador.

Melgarejo critica a prorrogação dos prazos para utilização do estoque de paraquate já adquirido por agricultores e empresas no Brasil. “Nesse período, aumentaram as importações”, ressalta, chamando atenção para o baixo preço do herbicida.

“O fato de certos venenos serem baratos em países como o nosso significa que eles já estão com uso proibido em outros países. Então, os estoques têm que ser canalizados para onde se considera sua aplicação viável”, explica o engenheiro.

Perspectivas

Marcos Orellana, relator especial das Nações Unidas sobre substâncias tóxicas e perigosas, afirmou na última terça (27) que “estamos vivendo, assim como uma crise climática, uma crise tóxica, que não recebe a devida atenção.”

O comentário foi feito durante o lançamento do relatório Agrotóxicos na América Latina: Violações Contra o Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas, da organização Fian Brasil.

Leonardo Melgarejo lembra que cerca de 20% do veneno usado no Brasil não passa pelos mecanismos formais de comercialização.

“É contrabando, ou produção irregular, ou venda sem nota”, exemplifica. “Se não sabemos de onde vem, não se fiscaliza e pode ser qualquer coisa. Certamente, produtos mais baratos ou de venda não permitida pelos canais normais.”

Ou seja, mesmo banido, é possível que o paraquate continue sendo vendido e aplicado em cultivos no Brasil, devido ao número reduzido de fiscais.

Na última semana, 135 organizações sociais internacionais enviaram uma carta aos líderes que participaram da Cúpula do Clima incluindo os agrotóxicos como parte da crise climática.

“Mantidos os padrões atuais de uso da terra, do desmatamento, da mineração predatória, do modelo do agronegócio dependente de agrotóxicos que matam a biodiversidade, do monocultivo de transgênicos, da acelerada urbanização, caminhamos para que 4,5 bilhões de pessoas enfrentem problemas com a qualidade e o acesso à água, e na produção de alimentos”, diz o texto.

“As mudanças climáticas afetam a vida das pessoas e a produtividade agrícola. A questão, portanto, não é mais se existe uma crise ambiental, mas sim de como enfrentá-la”, completa.

Melgarejo elogia a iniciativa e acrescenta que a população urbana precisa assumir sua parcela de responsabilidade, rejeitando produtos com veneno e cobrando por mudanças nos modelos de produção.

“Só faltou os movimentos sociais pedirem para os governos não atrapalharem”, acrescenta o engenheiro, dialogando com uma das conclusões do relatório da Fian: os Estados são cúmplices do avanço dos agrotóxicos na América Latina.

Nos dois primeiros anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o Brasil quebrou recordes de liberação de novos agrotóxicos. Em 2019, foram 474. Em 2020, o número subiu para 493. Ao todo, são mais de mil.

“Se esses agrotóxicos são melhores, por que os velhos ainda estão sendo vendidos? Se são piores, por que estão sendo liberados?”, questiona Melgarejo, respondendo em seguida à própria pergunta.

“Os agrotóxicos são fundamentais para manter as monoculturas de larga escala, ligadas diretamente ao atual modelo de produção e consumo, que nos trouxe até essa crise”, finaliza.

Até 2020, o paraquate era o sexto ingrediente ativo (IA) e o quarto herbicida mais comercializado no Brasil.

Nota da Syngenta em resposta à acusação de lobby

"O Paraquate é uma importante ferramenta para a agricultura brasileira, fundamental para o plantio de diversas culturas. Trata-se de um herbicida de contato altamente eficiente, ideal para a manutenção de práticas conservacionistas como o plantio direto, reduzindo o uso de maquinários agrícolas e, consequentemente, o impacto ambiental da atividade agropecuária. O Paraquate também é uma ferramenta essencial para o manejo de resistência das plantas daninhas aos herbicidas, se constituindo, em algumas situações, como única alternativa de controle e manejo.

Como resultado de um processo de reavaliação que teve início em 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) decidiu manter o registro dos produtos contendo o ingrendiente ativo Paraquate no mercado brasileiro por 3 anos, contados a partir da data de publicação da Norma – ou seja, até setembro de 2020. A norma determina limitações de uso e faculta a apresentação de novos estudos científicos que comprovem que estes produtos podem ser utilizados de maneira segura pelo agricultor. Estes estudos já foram contratados e estão sendo conduzidos pela indústria e entidades representantes dos agricultores. Devido a sua complexidade e peculiaridade, será necessário um prazo adicional para sua entrega para a ANVISA.

Empresas que possuem interesse nos produtos à base de Paraquate constituíram a Força Tarefa Paraquate Pós-Reavaliação, cujo principal objetivo é implementar as medidas de segurança e realizar os estudos solicitados pela ANVISA. A Força Tarefa, tendo como base as conclusões técnico-científicas sobre o Paraquate de vários outros países que também possuem regulamentação rigorosa e, ainda, através dos resultados dos estudos que estão sendo conduzidos, deseja demonstrar que o produto pode ser utilizado de maneira segura no Brasil.

A Força Tarefa reconhece a autonomia e seriedade da ANVISA para regular o uso dos defensivos agrícolas no Brasil. O posicionamento da Força-tarefa é alicerçado em fundamentos científicos sólidos que foram apresentados à Agência ao longo do processo de reavaliação e que respaldam o uso seguro dos produtos à base de Paraquate no Brasil. A Força Tarefa valoriza e apoia os esforços da ANVISA em conduzir uma avaliação abrangente, que sempre deve considerar a importância agronômica e econômica do Paraquate para a agricultura brasileira, sem prejuízo da segurança e saúde dos agricultores e consumidores.

As empresas que compõem a Força Tarefa são: Adama Brasil S/A.; Alta – América Latina Tecnologia Agrícola Ltda.; CCAB Agro S.A.; Cropchem Ltda.; Helm Do Brasil Mercantil Ltda.; Nortox S.A.; Sumitomo Chemical Brasil Ind. Química SA.; Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda.; Sinon Do Brasil Ltda.; Stockton-Agrimor Do Brasil Ltda.; Syngenta Proteção De Cultivos Ltda. e Vanon Do Brasil Comércio E Importação De Insumos Agrícolas Ltda

A descontinuidade do Paraquate no mercado brasileiro causaria impactos significativos para a agricultura e economia. Como exemplos desses impactos, podemos mencionar o aumento no impacto ambiental da cultura da soja pela menor área de plantio direto e pelo aumento na utilização de herbicidas e maquinários; menor proteção do solo (erosão) e aumento na emissão de carbono devido à redução da área de plantio direto; entre outros."

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