Políticos reagem à fiscalização ambiental e fazem pressão sobre ministério de Marina Silva
24 políticos foram pedir mais prazo no MMA para uma suposta “regularização ambiental” de fazendeiros multados pelo Ibama
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Por Rubens Valente, Agência Pública - Ações da fiscalização realizadas pelo Ibama na Amazônia nas últimas semanas desencadearam uma reação de parlamentares da região, que passaram a exercer pressão sobre o órgão e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima em Brasília. Na semana passada, um grupo formado por 16 deputados federais, quatro senadores, dois deputados estaduais e uma prefeita de três Estados amazônicos (Acre, Amazonas e Rondônia), incluindo bolsonaristas e críticos ao bolsonarismo, procurou o secretário-executivo do ministério, João Paulo Capobianco, que na ocasião despachava como ministro interino, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, para fazer pedidos e queixas sobre a ação do Ibama.
O senador Alan Rick (União-AC), apoiador de Bolsonaro, disse em vídeo divulgado nas suas redes sociais que a iniciativa do encontro partiu dele e que os parlamentares queriam uma “dilação de prazo” de “24 meses” para uma suposta “regularização ambiental” dos criadores de gado que tiveram as propriedades embargadas. Disse ainda que foi pedida uma permissão para que madeireiras sob inspeção do Ibama retomem suas atividades nos pátios, como corte e beneficiamento de madeira. Além de Rick, estiveram na reunião os senadores Sergio Petecão (PSD-AC), que nas eleições de 2018 declarou apoio a Bolsonaro e foi vice-líder do seu governo no Senado, Plínio Valério (PSDB-AM), que desde 2019 faz uma campanha contra organizações não governamentais que atuam nos temas do meio ambiente e dos povos indígenas na Amazônia, e Omar Aziz (PSD-AM), ex-presidente da CPI da Covid e que funciona como “coordenador” da bancada do Amazonas.
Num evento separado no mesmo dia 12, o ex-governador do Acre e atual presidente da ApexBrasil, Jorge Viana (PT), também se reuniu com o presidente do Ibama. Depois do encontro, disse ao site “O Rio Branco” que seu papel “é esse de seguir preocupado com as questões ambientais, mas sempre defender a atividade agropecuária, a atividade florestal, que esteja, obviamente, dentro da lei”.
De acordo com a plataforma “Monitor do Congresso”, desenvolvida pelo site ambientalista “((o)) eco”, como deputado federal Alan Rick votou a favor de todos os projetos da agenda anti-ambiental do governo Bolsonaro que buscava fragilizar a política de proteção ambiental no país, chamada pelo seu então ministro, Ricardo Salles, de “passar a boiada”. Rick apoiou os projetos de lei que ficaram conhecidos como do Veneno (6299/2002) e da Grilagem (2633/2020), o que afrouxou as regras do licenciamento ambiental e o que previa urgência para o projeto de liberação de mineração em terras indígenas. Em 2019, Rick participou de uma reunião com Ricardo Salles que antecedeu a paralisação de ações de fiscalização do governo dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.
As operações agora questionadas pelos parlamentares foram deflagradas já no governo Lula e espelham a estratégia da área ambiental de tentar baixar as altas taxas de desmatamento na Amazônia registradas durante o governo Bolsonaro, o mais rápido possível, com ações de impacto em várias frentes ao mesmo tempo. As operações estão sendo alvo de campanhas de fake news em redes sociais e sites da Amazônia nos últimos dias contra o governo, o PT e Lula. Uma das mentiras dizia que o Ibama havia bloqueado “95%” das madeireiras no Acre, quando na verdade foram 4%. Outra afirmava que o Ibama havia apreendido “500 mil” cabeças de gado, quando o número verdadeiro gira em torno de 3 mil. O Ibama teve que soltar nota de esclarecimento para desmentir as acusações.
No Acre, dentro da Operação Metaverso que mirou outros sete Estados, o Ibama suspendeu a comercialização do produto de 16 madeireiras no Acre por indícios de envolvimento em fraudes com créditos virtuais a fim de “legalizar” material extraído ilegalmente de unidades de conservação. Em Lábrea e Manicoré, no Amazonas, e em Pacajá, no Pará, o órgão ambiental apreendeu, durante a Operação Retomada, cerca de 3 mil cabeças de gado criadas em áreas já anteriormente embargadas pelos fiscais. Além de não respeitar o embargo, os fazendeiros ainda soltaram o gado sobre as mesmas áreas. Esses três municípios registraram grandes índices de desmatamento nos últimos anos. Somente em 2022, segundo o Ibama, citando dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foram desmatados 117 mil hectares nas três regiões.
Governo busca ‘pacto’ para reduzir o desmatamento
Fontes ouvidas pela Agência Pública no MMA e no Ibama disseram que, uma vez deflagradas as ações de fiscalização, as primeiras de outras que virão, o governo já esperava um movimento político coordenado e contrário às operações. Era previsível que o Ibama, ao sair de quatro anos da letargia que marcou o governo de Jair Bolsonaro na repressão aos crimes ambientais, entraria na mira dos ruralistas, políticos e bolsonaristas da Amazônia. Por outro lado, o governo procura aproveitar a mensagem agora passada – de que “o Ibama acordou” ou “voltou” – para costurar um envolvimento efetivo entre políticos, empresários e gestores públicos da região em torno de um “pacto” para a redução do desmatamento na Amazônia.
Em entrevista a uma emissora de TV do Amazonas logo depois da reunião, João Capobianco disse que o ministério está trabalhando “no sentido de reunir essas lideranças, nós também vamos envolver as lideranças dos governos estaduais, na busca de um entendimento comum para priorizar um pacto de redução imediata do desmatamento e um conjunto de ações que nós vamos pôr em marcha para resolver as questões que afligem os parlamentares e nos afligem também, que é buscar soluções para que as pessoas, as famílias, que lá estão [Amazônia] operem na legalidade”.
Durante a reunião com os parlamentares, segundo um dos presentes, houve críticas à fiscalização, mas também, ao longo do encontro, ficou claro o reconhecimento de que atividades ilegais devem ser combatidas pelo governo federal. “No geral todos admitiram que as pessoas estão cometendo crime ambiental, que não podiam criar gado em área embargada, por exemplo. O que aconteceu foi que a força do Ibama, digamos a mão pesada, começou a criar uma certa interlocução com a classe parlamentar para que eles possam também contribuir para resolver o problema do desmatamento.”
Sobre o bloqueio das madeireiras no Acre, o governo explicou aos parlamentares que houve uma suspensão das operações de venda de mercadoria até que os fiscais façam a verificação in loco. Mas a empresa pode “funcionar normalmente” em outras atividades, como a movimentação de madeira no pátio, que era um dos pontos da pauta dos políticos.
O gado foi apreendido no Amazonas e no Pará, disseram os representantes do governo, porque houve uma reincidência, após diversos autos de infração, de gado criado em áreas embargadas. Há casos inclusive com decisão judicial a ser cumprida. O Ibama disse, na reunião, que foram dados inúmeros prazos para a retirada do gado antes de apreensão, mas que novos prazos poderão ser estabelecidos desde que o infrator apresente uma argumentação crível, como chuvas ou a qualidade das estradas na região.
Em entrevista a uma emissora de TV após a audiência, o presidente do Ibama Rodrigo Agostinho disse que “vamos deferir os pedidos que foram solicitados de aumento de prazos” e “aqueles que desejarem novo prazo, poderão solicitar”.
Em nota, o Ibama informou no dia 11 que a Operação Metaverso, que mirou as madeireiras do Acre, é “mais uma ação emergencial com o objetivo de interromper o processo de destruição da Amazônia herdado da gestão anterior. Essas medidas serão seguidas por ações estruturantes de médio e longo prazos no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm)”. Segundo o Ibama, foram aplicados 23 autos de infração, num total de R$ 33 milhões, em 21 empreendimentos localizados no Distrito Federal e oito Estados (AC, AP, GO, MS, MG, PE, RR e TO).
Citada na nota do Ibama, uma nova e revigorada estrutura do PPCDam, um amplo programa anti-desmatamento, foi apresentada pela ministra Marina Silva em 8 de fevereiro. A primeira versão, lançada em 2004, é considerada a principal responsável pela queda de 83% no desmatamento registrada na Amazônia durante os governos Lula e Dilma, de 2004 a 2012. No mesmo dia 8 de fevereiro, o governo criou uma comissão interministerial permanente de prevenção e controle do desmatamento e das queimadas, envolvendo 19 ministérios e abarcando todos os biomas, não apenas a Amazônia.
Senador diz que pretende "enfrentar a política ambiental imposta"
Os senadores Rick, Valério, Petecão e Aziz foram procurados pela Agência Pública, mas não foram localizados. A assessoria de Valério disse que Aziz, como “coordenador” da bancada, poderia falar, mas sua assessoria não deu retorno a um pedido de entrevista. No Instagram, Petecão escreveu no dia da reunião no MMA que estava, junto com as bancadas do Amazonas e de Rondônia, “discutindo os bloqueios que suspenderam as atividades das madeireiras e os embargos das propriedades rurais em nosso Estados e nos Estados vizinhos”. “É essencial que encontremos soluções que garantam o desenvolvimento econômico sustentável para nossa região”, escreveu o senador.
No dia da reunião no MMA, o senador Valério não falou do encontro no Twitter. Mas postou uma fotografia de “solenidade de lançamento do Parlamento da Amazônia e do grupo parlamentar multipartidário de conservação e produção sustentável do Congresso brasileiro”. O senador disse que defende que “nós, amazônidas, devemos enfrentar a política ambiental imposta de fora para dentro, ver a preservação que queremos”.
O senador Alan Rick escreveu no Twitter, dias antes da reunião, que “os embargos a propriedades rurais do Acre representam perda de empregos e prejuízos para todos os setores da economia. Enviei mensagem à ministra Marina Silva e na próxima semana estaremos no MM [Meio Ambiente] buscando soluções para essa situação”. Depois da reunião, ele postou um vídeo na internet no qual afirma que “solicitamos ao ministro” que “não se pode paralisar o todo da operação das madeireiras“, mas que “o ministro disse que isso está resolvido”. Sobre o gado embargado, o senador disse no vídeo que “nós solicitamos uma dilação de prazo de 24 meses, com apoio do governo do Estado, para que haja um movimento dos órgãos ambientais para que possam dar essa ajuda aos nossos produtores para que eles possam regularizar suas áreas e não sofrem mais com esses embargos”.
Embora crítico e alvo de Bolsonaro e apoiador de Lula, o senador Omar Aziz também já compartilhou em suas redes sociais um vídeo no qual o ex-deputado federal Aldo Rebelo (PDT-SP) acusa genericamente as ONGs de serem um “Estado paralelo” na Amazônia, comparando-as com o “crime organizado”, e que estariam fazendo um “bloqueio ao desenvolvimento” do país. Ele repete frases comuns entre militares e bolsonaristas que ecoam teorias da conspiração, sem prova, de um suposto esquema de “internacionalização” da Amazônia que envolveria os governos de países estrangeiros. Rebelo tem feito uma campanha acusatória contra ONGs ambientalistas em encontros organizados por fazendeiros, garimpeiros e bolsonaristas na Amazônia. “Estado paralelo das ONGs” é a mesma expressão que tem sido usada pelo senador Plínio Valério.
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