Militar da reserva faz lobby para favorecer mineradoras canadenses na Amazônia
Velho conhecido de Mourão no Exército faz a ponte entre governo e Forbes & Manhattan, banco responsável por Belo Sun e Potássio do Brasil no exterior
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Por Caio de Freitas Paes, Agência Pública -
Barroso Magno construiu uma carreira de renome nas Forças Armadas e liderou tropas na missão de paz da ONU no Haiti
Defensoria e MPF garantem não ter sido comunicados da inclusão das mineradoras de Forbes & Manhattan na nova política estratégica do governo
Negócios recentes incluem até a compra de uma refinaria da Petrobras pelo grupo canadense
O banco canadense Forbes & Manhattan enfrentava dificuldades com seus negócios bilionários na Amazônia antes da posse de Jair Bolsonaro (PL) como presidente da República, em 2019. Mas nos últimos três anos o cenário mudou.
Aos poucos, o grupo se aproximou de membros ligados às Forças Armadas no Executivo, chegando até o vice-presidente da República e general da reserva do Exército Hamilton Mourão (PRTB) – com quem tratou diretamente, em reuniões exclusivas em Brasília. Há anos, o banco canadense tenta liberar os licenciamentos ambientais de mineradoras ligadas a ele, no Amazonas e no Pará.
A partir de um conjunto de documentos, a Agência Pública revela bastidores dos negócios entre o governo Bolsonaro e o Forbes & Manhattan com suas companhias associadas. Entre elas está a controversa mineradora Belo Sun, que há mais de dez anos tenta construir a maior mina de ouro a céu aberto do mundo na Volta Grande do Xingu. Caso consiga, Belo Sun instalará uma barragem de rejeitos na região ainda maior que a da Vale rompida em Mariana (MG).
O banco canadense acumulou vitórias para a liberação de seus empreendimentos na Amazônia nos últimos três meses de 2021. No período, a União também liberou áreas originalmente destinadas à reforma agrária para que o mesmo grupo instale um garimpo de ouro em pleno Xingu – um acordo que, mesmo com denúncias de irregularidades, segue válido de acordo com o Diário Oficial.
Além disso, outra reportagem da Pública mostra que, em novembro do ano passado, o Forbes & Manhattan fechou a compra de uma refinaria de xisto da Petrobras no sul do Paraná com todo o parque tecnológico desenvolvido do zero no local desde os anos 1970.
Neste caso, como mostra a nossa reportagem, a Petrobras ignorou suas próprias suspeitas sobre esse mesmo grupo para fechar o negócio. A reportagem enviou uma série de perguntas ao grupo Forbes & Manhattan para entender melhor seus projetos no Brasil, mas não houve retorno.
A Política Pró-Minerais Estratégicos
Em Toronto, centro financeiro do Canadá, o bilionário Stan Bharti caminha inquieto pelos corredores do Forbes & Manhattan, fundado por ele em 2001. Também executivo-chefe desse banco focado em negócios de alto risco, sobretudo em mineração, ele exibe a decoração da matriz – um conjunto de quadros e pôsteres políticos da União Soviética sob Josef Stálin (1927-1953) – por quase cinco minutos antes de apresentar sua sala, onde se depara com um cartaz no chão. “Ah, este é um pôster interessante: temos uma companhia, Potássio do Brasil, a Brazil Potash, que estamos desenvolvendo, deve entrar em produção logo”, diz o executivo.
A cena acima foi ao ar em 4 de novembro de 2019. Uma semana depois, no dia 11, em meio ao encontro da cúpula do Brics em Brasília, Stan Bharti e Tao Yang – presidente da construtora chinesa CITIC, parceira da mineradora Potássio do Brasil – discutiam os planos da companhia com o vice-presidente Hamilton Mourão, como mostra a agenda oficial do governo.
O encontro era parte de uma aproximação iniciada meses antes pelo Forbes & Manhattan graças ao acesso de um militar da reserva à cúpula do Planalto. Materiais obtidos pela Pública mostram como o general da brigada do Exército Cláudio Barroso Magno Filho ajudou a construir a ponte entre o grupo canadense e o governo desde o início da atual gestão, situação detalhada adiante.
Decisões do Executivo sob Jair Bolsonaro e seus militares da reserva têm favorecido o banco de Stan Bharti. Em 2021, por exemplo, o governo criou a Política Pró-Minerais Estratégicos, por meio da qual se dispõe a “priorizar os esforços governamentais” em favor de projetos incluídos nessa nova diretriz. As mineradoras ligadas ao Forbes & Manhattan na Amazônia, Belo Sun e Potássio do Brasil, estão entre as primeiras contempladas por essa nova política.
Na prática, o governo federal tem atuado “na articulação necessária para minimizar riscos e solucionar conflitos que venham a ser identificados” nos projetos, dando “apoio ao licenciamento ambiental” das mineradoras ligadas ao grupo canadense. A Pública apurou que a decisão se deu sem consulta à Defensoria Pública da União e ao Ministério Público Federal (MPF), ambos com ações contrárias aos projetos da Belo Sun e Potássio do Brasil nos tribunais.
As duas mineradoras canadenses batem de frente com assentados, indígenas e ribeirinhos no Amazonas e no Pará. O caso mais notório envolve a Belo Sun, com o qual o grupo Forbes & Manhattan partilha alguns de seus principais executivos – como o bilionário Stan Bharthi.
À Pública, tanto a DPU quanto o MPF garantem não ter sido comunicados oficialmente da inclusão das mineradoras do Forbes & Manhattan na nova política estratégica do governo. O MPF afirmou ainda que “solicitará esclarecimentos à União” quanto às “eventuais medidas que já estejam em andamento, para análise das providências cabíveis”.
A reportagem entrou em contato com os ministérios signatários do decreto de criação da política Pró-Minerais Estratégicos. A pasta de Minas e Energia afirma que a aprovação de projetos na Pró-Minerais Estratégicos “não demanda articulação com os órgãos citados” – a Defensoria Pública e o MPF, no caso. Segundo o ministério, “não é necessário entrar no mérito das questões técnicas e legais que cercam o licenciamento ambiental” das propostas, pois “os órgãos ambientais permanecem integralmente responsáveis”. Já o ministério da Economia, outro dos signatários, não respondeu.
Garimpo da Belo Sun respinga no grupo BlackRock
Os planos da Belo Sun para a Amazônia pareciam finalmente sair do papel no fim de 2021. Em 26 de novembro passado, a mineradora fechou um acordo com o governo federal para garimpar ouro em assentamentos da reforma agrária na mesma área de seu projeto, chamado Volta Grande.
A Belo Sun conseguiu o acordo após comprar – ilegalmente, segundo reportagem do Estadão – lotes de terras de famílias assentadas na chamada Vila Ressaca, em Senador Porfírio (PA). O trato se deu com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que, ainda segundo o jornal, receberá parte dos lucros desse garimpo no Xingu.
O acordo da mineradora canadense entrou na mira do MPF e da DPU, mas nem a polêmica em torno do caso afugentou o governo. O presidente do conselho diretor do Incra, Geraldo de Melo Filho, referendou o acordo, como informa o Diário Oficial da União de 21 de janeiro de 2022.
“É muito estranho: o Incra agora diz que se reunirá com as famílias da Vila Ressaca, mas em momento algum estas famílias foram consultadas durante o processo e a elaboração do acordo”, disse à Pública Elisângela Côrtes, defensora pública que coordena o núcleo regional de Direitos Humanos em Altamira (PA) e acompanha o caso Belo Sun há anos.
Procurado pela Pública, o Incra afirmou que a concessão de uso das terras destinadas à reforma agrária “representa cerca de 3,5% [da área total] do assentamento” onde fica a Vila Ressaca, que “não houve desafetação da área” – ou seja, as terras ainda não foram repassadas à Belo Sun – e que, “caso haja necessidade de remanejamento dos moradores , este [sic] será discutido no processo de licenciamento ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente”.
Quem lucra com a liberação do projeto, afinal? Relatórios da mineradora enviados às autoridades fiscais no Canadá indicam que, até setembro de 2021, a Belo Sun dividia seus principais diretores com o Forbes & Manhattan: os gerentes Mark Eaton e Ryan Ptolemy, além do próprio executivo-chefe e fundador do grupo, Stan Bharti.
Há possíveis sócios de peso por trás da Belo Sun. Segundo um material obtido pela Pública, até novembro de 2020 a mineradora tinha entre seus parceiros o Deutsche Bank, da Alemanha, e o Royal Bank of Canada, segundo maior acionista nessa mineradora de ouro, além do fundo de investimentos BlackRock, dos Estados Unidos – acusado por organizações indígenas de ameaçar a Amazônia e seus povos.
A reportagem enviou perguntas a esses investidores para entender qual sua relação com Belo Sun. Apenas o Deutsche Bank retornou, afirmando “não deter ações” nem “participação societária em companhia” de modo geral.
“Para nós, acima de tudo o projeto da Belo Sun é inviável, seja pela perspectiva social, seja pela ambiental, pois está previsto para um região com grandes impactos ainda não mitigados devido à usina de Belo Monte”, diz Elisângela Cortês.
A DPU é um dos órgãos que tentam brecar a iniciativa. Em outubro passado, a DPU recomendou a interrupção do licenciamento ambiental da Belo Sun. Menos de dois meses após a recomendação, porém, o projeto da mineradora canadense tornou-se “estratégico” para o governo federal.
A proposta foi incluída na Política Pró-Minerais Estratégicos do governo, uma decisão divulgada pela própria Belo Sun ao mercado financeiro no Canadá em dezembro passado.
“Da parte do governo, há uma pressão para liberar o projeto Volta Grande”, afirma Elisângela Côrtes. Para a Defensoria, não se pode licenciar a obra se não houve devida “consulta livre, prévia, e informada do povo Mebengokre-Xikrin e dos povos indígenas desaldeados” em Senador Porfírio e região.
À Pública, a Belo Sun disse que “a equipe gestora vem se comunicando e consultando as comunidades locais, o município e a região de forma aberta e honesta”. “Volta Grande é um projeto de mineração responsável, regido pelas leis e regulamentos brasileiros”, afirma ainda a mineradora.
Um general de brigada que abre caminhos
De acordo com documentos obtidos pela Pública, desde 2019 os planos da Belo Sun caminharam conforme o general da brigada Cláudio Barroso Magno Filho se envolvia nas tratativas com a gestão Bolsonaro.
A agenda oficial do governo mostra o militar da reserva presente nas conversas da mineradora canadense com a União. Em setembro de 2019, por exemplo, Barroso Magno esteve reunido em nome da Belo Sun com a cúpula da Secretaria de Geologia e Mineração do Ministério de Minas e Energia.
Depois de várias ondas de covid-19 terem assolado o Brasil, já em maio de 2021, houve novo encontro entre o governo e a Belo Sun, mais uma vez com a presença do general de brigada pela mineradora canadense.
Em 25 de novembro de 2021, Barroso Magno estava na comitiva de representantes da Belo Sun que se reuniu com o presidente do conselho diretor do Incra, Geraldo de Melo Filho, e com o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do órgão, Giuseppe Serra Seca Vieira. A reunião ocorreu a pedido da mineradora canadense, conforme informado pelo Incra à Pública.
No dia seguinte, 26, foi “firmado entre a Presidência do Incra e a empresa Belo Sun Mineração Ltda” um contrato para a “concessão de uso de uma área de 2.428,00 hectares, sendo 1.439,00 hectares sobrepostos ao Projeto de Assentamento Ressaca e 989,00 hectares sobrepostos a Gleba Ituna, localizada no município de Senador José Porfírio, no estado do Pará”, “para fins de exploração minerária”.
À Pública, porém, o general de brigada disse que trabalha apenas com a outra mineradora ligada ao Forbes & Manhattan na Amazônia, a Potássio do Brasil. “Não conheço nenhum outro projeto”, disse Barroso Magno, que afirmou também: “Não tenho porque esconder meus vínculos”.
O militar da reserva não consta nas listas de diretores, de gestores ou de qualquer outro cargo no site da Belo Sun, mas é creditado como consultor da companhia ligada ao banco Forbes & Manhattan, segundo o governo federal. Um dos materiais obtidos pela Pública credita Barroso Magno como “vice-presidente de relações governamentais” do grupo canadense no Brasil.
Antes de se tornar assessor e consultor empresarial, Barroso Magno construiu uma carreira de renome nas Forças Armadas. Ele liderou tropas na missão de paz ONU no Haiti – a Minustah, comandada pelo Exército brasileiro – e participou de conflitos armados na região. Logo após ter voltado, em 2008, foi para a reserva com vencimentos brutos em torno de R$ 30 mil mensais, de acordo com o Portal da Transparência.
Não tardou até que Barroso Magno entrasse no ramo de consultorias e venda de equipamentos. Entre setembro de 2008 e junho de 2014, o general de brigada trabalhou como “encarregado de negócios no setor público, no Brasil e em países da América do Sul”, de outra companhia do Canadá, chamada Weatherhaven.
“Trabalhamos também na área governamental, principalmente com suas forças armadas [sic]”, informa a Weatherhaven em seu site. A empresa apresenta uma série de projetos executados, como a entrega de equipamentos para o Exército brasileiro durante a Minustah, e parcerias no Brasil com várias empreiteiras devassadas pela força-tarefa da Lava Jato.
A data da maioria dos projetos coincide com o período de Barroso Magno como funcionário da Weatherhaven, segundo o perfil do militar no site LinkedIn.
À Pública, o general de brigada não respondeu desde quando trabalha com o grupo Forbes & Manhattan, afirmando: “Não tenho um compromisso formal [ com o banco canadense], mas fui contratado, de certa forma, pela minha experiência em gestão”. Não sou lobista de abre-portas, mas sim de desenvolvimento de projetos”, disse à reportagem.
De frente com Mourão
A trajetória de décadas no Exército teria garantido trânsito a Barroso Magno entre membros influentes no atual governo. O general de brigada da reserva conhece, por exemplo, o vice-presidente Hamilton Mourão há mais de 40 anos. Os dois cursaram a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na mesma época – Mourão entrou na Aman em 1975, Barroso Magno, em 1976.
Os anos se passaram, mas o contato não se perdeu. Logo no segundo mês de governo Bolsonaro, Barroso Magno reuniu-se oficialmente com Mourão. Não se sabe a pauta desse encontro inicial, mas sabe-se que, pouco depois, em junho, o general de brigada da reserva esteve na primeira reunião exclusiva de Stan Bharti, do Forbes & Manhattan, com o vice-presidente da República.
Dali em diante, Barroso Magno continuou reunindo-se com o governo ora como assessor, ora como consultor do grupo canadense e suas empresas associadas, o que inclui, além da Belo Sun, a Potássio do Brasil.
Desde fevereiro de 2019 diretores desta outra mineradora de Forbes & Manhattan peregrinavam pelas secretarias do ministério de Minas e Energia, como mostram documentos obtidos pela Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). Mas foi somente após a primeira reunião de Hamilton Mourão com o executivo-chefe do grupo canadense, em junho daquele ano, que a mineradora conseguiu uma agenda com o ministro de Minas e Energia, o almirante da reserva da Marinha Bento Albuquerque.
A reunião do ministro com a Potássio do Brasil não constava na agenda pública do governo até o contato da Pública, realizado em 9 de fevereiro passado.
O encontro, ocorrido em 25 de setembro de 2019, envolveu ainda o deputado federal pelo Amazonas Silas Câmara (Republicanos), então presidente da comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Via LAI, o ministério confirmou a presença de diretores da mineradora canadense no encontro, além do diretor-geral da Agência Nacional de Mineração à época, Victor Bicca.
Até o fechamento do texto, a pasta não respondeu por que a Potássio do Brasil não constava na agenda oficial do ministro até o nosso contato.
Um ano depois dessa reunião, o ministro Bento Albuquerque defendeu o projeto de mineração de potássio do grupo canadense perante o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, formado por membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O almirante da reserva fez a defesa da proposta acompanhado do então secretário de Geologia e Mineração do ministério, Alexandre Vidigal de Oliveira, que havia se reunido oficialmente com a Potássio do Brasil cinco vezes antes dessa ida ao Observatório Nacional. Ex-juiz federal, Oliveira depois deixou o governo para criar a área de mineração de um renomado escritório de advocacia em Brasília.
Segunda matéria sobre a reunião no Observatório Nacional, publicada no site do Ministério de Minas e Energia, uma “solução” – o licenciamento ambiental, no caso – para a mineradora canadense era “imprescindível” para o Brasil.
Só entre 2020 e 2021, houve pelo menos outras sete reuniões do governo com representantes da Potássio do Brasil. No mesmo período, a gestão federal criou a Política Pró-Minerais Estratégicos, que hoje dá “apoio ao licenciamento ambiental” da mineradora canadense.
Um dos documentos consultados pela Pública mostra que, em 2020, a companhia já antecipava a classificação de seu projeto como “estratégico”. No material, atribuído à matriz da mineradora no exterior, lê-se em inglês a frase “Potássio do Brasil é considerada de ‘importância nacional’ pelo ‘governo federal’ e pelo ‘observatório nacional’” em um slide com fotos da assinatura de contratos entre a mineradora e o governo Bolsonaro, com a presença do bilionário Stan Bharti e do vice-presidente Hamilton Mourão.
A reportagem procurou a vice-presidência da República e o ministério de Minas e Energia. “O ministério de Minas e Energia entende que os projetos que visam à produção de potássio e fosfato são importantes para o país”, disse o órgão à Pública. Já a vice-presidência não respondeu.
Impacto sobre terras indígenas, desinteresse do Ibama
A canadense Potássio do Brasil está com suas atividades na Amazônia paralisadas há cinco anos. O grupo promete investir mais de R$ 10 bilhões na criação de um polo de fertilizantes à base de potássio em Autazes (AM), a pouco mais de 100 km de Manaus, em tese suprindo 25% da demanda brasileira por fertilizantes do tipo — muito usados pelo agronegócio.
Mas seu projeto, oficialmente chamado de Potássio Autazes, atingirá comunidades indígenas e ribeirinhas no encontro do rio Madeira com o rio Amazonas, uma área com territórios não demarcados pela União, como a Terra Indígena Jauary, do povo Mura.
Em 2014, a companhia obteve, via governo do Amazonas, uma licença ambiental para o projeto. Mas o potencial impacto sobre os territórios indígenas em Autazes demanda avaliação — e liberação — da obra pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), segundo o MPF.
O MPF move uma ação civil pública contra a mineradora canadense, fato relatado pelo InfoAmazonia. O procurador da República Fernando Soave, que atua no caso, disse à reportagem que a companhia perfurou a área em Autazes sem a devida autorização federal.
Tempos depois, o projeto travou de vez por meio de um acordo entre a mineradora, o MPF e a União. O trato, homologado pela Justiça Federal no Amazonas em 2017, suspendia temporariamente a licença ambiental do governo do estado e interrompia a ação do MPF contra a Potássio do Brasil.
“Para o MPF, a licença ambiental concedida pelo estado do Amazonas [para a mineradora] não é válida porque envolve terras do povo Mura. O licenciamento é responsabilidade do Ibama e os indígenas precisam ser consultados”, afirma Soave à Pública.
Até o fechamento desta reportagem, a consulta aos indígenas segue inacabada. Já o Ibama se isentou do licenciamento perante a Justiça Federal. “Não compete ao IBAMA [sic] o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena”, afirma a Advocacia-Geral da União (AGU) em uma manifestação judicial consultada pela reportagem. O argumento de não competência do Ibama consta também em uma decisão da 1ª Vara da Justiça Federal no Amazonas sobre o caso, de 17 de dezembro passado, consultada pela Pública.
A reportagem questionou o Ibama sobre o motivo de seu desinteresse pelo licenciamento da Potássio do Brasil. Segundo a autarquia, “caberia ao empreendedor e/ou à Funai informarem se o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena”, e até o momento “não há registro de abertura de processo relacionado ao empreendimento” da Potássio do Brasil. Já a mineradora não respondeu.
Economia presta “apoio ao processo de licenciamento ambiental”
Por um lado, o Ibama entende que o licenciamento da Potássio do Brasil não é sua responsabilidade. Por outro, o Ministério da Economia assumiu a responsabilidade de dar “apoio ao processo de licenciamento ambiental” da mineradora canadense em setembro de 2021. O auxílio se dá por meio de um servidor federal que conhece o caso há anos.
Um dos signatários do acordo judicial de 2017 é o procurador Frederico Munia Machado, então representante do órgão correspondente à atual ANM. Desde 2020, ele trabalha no Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do Ministério da Economia, principal interface do governo com a iniciativa privada.
O mesmo servidor atua também como titular, pela Secretaria Especial do PPI, do Comitê Interministerial de Análise de Projetos Minerais Estratégicos — responsável por executar a Política Pró-Minerais Estratégicos, que favoreceu o grupo canadense no fim de 2021.
Segundo o decreto de criação dessa política, “à Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos do Ministério da Economia caberá prestar o apoio ao processo de licenciamento ambiental dos projetos habilitados”. Ainda segundo o governo federal, o auxílio se dá “na articulação necessária para minimizar riscos e solucionar conflitos que venham a ser identificados”.
A estrutura do comitê tem, além do Ministério da Economia, o Gabinete de Segurança Institucional, o Ministério de Minas e Energia e a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República como participantes com total direito a voto. Além deles, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações também participa, mas com poder de voto limitado a projetos de mineração de terras raras, como lítio e nióbio.
Não há representantes do Ministério do Meio Ambiente ou de suas agências de fiscalização no comitê nem servidores de outros órgãos envolvidos no licenciamento ambiental de mineradoras — como Funai, Fundação Palmares, Incra ou Iphan.
O ministério de Minas e Energia afirmou, por meio de nota, que “os órgãos ambientais permanecem integralmente responsáveis pela condução e decisão dos processos de licenciamento ambiental dos projetos habilitados na Política Pró-Minerais Estratégicos”. Já o ministério da Economia não respondeu.
“Nosso histórico fala por si”
Stan Bharti não esconde sua receita para o sucesso na mineração. “O que eu faço? Cerco as [nossas] empresas com consultorias legais, financeiras, de relações públicas, contrato um bom geólogo, um bom engenheiro, um bom operador de mineradoras de ouro, prata ou cobre”, diz o executivo-chefe do Forbes & Manhattan em outro dos vídeos institucionais do grupo.
Na mesma ocasião, Bharti explica ainda o principal objetivo do seu banco de investimentos. “Nós desenvolvemos nossas companhias por um período entre três e cinco anos, valorizando-as e depois as revendendo”, diz, logo antes de complementar: “Nosso histórico fala por si, pois vendemos mais de dez empresas nos últimos 15 anos, as vendemos por dez vezes o que valiam originalmente”.
Uma antiga apresentação do Forbes & Manhattan consultada pela Pública mostra que em 2014 o grupo anunciou no principal evento de mineração no país que controlava ao menos seis empresas — Belo Sun e Potássio do Brasil entre elas — com direitos minerários sobre quase 3 milhões de hectares. Ou seja, tinha preferência de mineração sob uma área maior que o estado inteiro de Alagoas.
O método de desenvolvimento para futura revenda foi aplicado em pelo menos uma dessas seis companhias, a mineradora Aguia Fertilizantes S.A., que também prospecta minérios para a fabricação de fertilizantes. Hoje sob controle de um grupo australiano, a companhia atua no Rio Grande do Sul, em uma região do Pampa ameaçada por disputas crescentes em torno da mineração.
O histórico do Forbes & Manhattan vai mais longe, com a venda de uma mineradora de ouro na Bahia nos anos 2000. O banco de Stan Bharti foi o primeiro a desenvolver, via sua antiga empresa Desert Sun, a estrutura hoje operada pela também canadense Yamana Gold. Em 2006, a Yamana adquiriu os direitos de exploração em Jacobina (BA), então controlados pelo Forbes & Manhattan, por 750 milhões de dólares canadenses — mais de R$ 3 bilhões, na cotação atual.
A Pública já relatou o caso da Yamana Gold na Chapada Diamantina. Moradores próximos temem o rompimento da barragem da companhia no local, além de existirem registros de concentração de substâncias tóxicas derivadas da mineração — como cianeto e soda cáustica — em veios d’água que abastecem a área. Mesmo assim, em janeiro de 2022 o governo da Bahia autorizou a ampliação das atividades da mineradora de ouro canadense.
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