Fundo de perdas e danos não deve sair na COP 27, indica diploma brasileiro na conferência
Fundo de ação climática, desenvolvido para compensar perdas e danos já sofridos por nações mais vulneráveis devido às mudanças do clima se encaminha para um resultado decepcionante
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Opera Mundi - Na reta final da COP27, no Egito, a delicada questão da criação de um fundo especifico para compensar as perdas e danos já sofridos pelos países mais vulneráveis devido às mudanças do clima se encaminha para um resultado decepcionante para os países em desenvolvimento, que seriam beneficiados pelo mecanismo.
O embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, à frente dos diplomatas que defendem as posições do Brasil da conferência –representando, portanto, o governo Bolsonaro –, avalia com “otimismo” as possibilidades de as nações reunidas na conferência darem o pontapé inicial para desenhar este mecanismo. Mas o diplomata considera que a conclusão do tema levará mais “duas ou três COPs”. “Esse fundo poderá eventualmente ser criado. Não sei se agora”, disse, em entrevista à RFI. “Acho difícil, para ser muito franco e objetivo.”
O G77+China, grupo de 130 economias em desenvolvimento e emergentes do qual o Brasil faz parte, apresentou uma proposta semelhante ao já existente Fundo Verde do Clima. O mecanismo teria um comitê formado por países desenvolvidos e em desenvolvimento, que avaliaria os objetivos e o modo de funcionamento deste fundo já a partir da próxima COP, em Dubai (Emirados Árabes).
Entretanto, os Estados Unidos, maiores emissores históricos dos gases de efeito estufa que causam o aquecimento do planeta, rejeitam a criação de um instrumento específico para perdas e danos – que eles veem como uma porta aberta para futuras ações judiciais para cobrar mais reparações financeiras.
Na entrevista, o diplomata indica que a transição de governo em Brasília também já se opera no âmbito das negociações climáticas. No evento em Sharm el-Sheikh, a presença do ministro do Meio Ambiente, chefe da delegação brasileira, foi completamente ofuscada pela chegada do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Em seus discursos, o petista advertiu que o "Lula cobrador" das nações industrializadas está de volta.
"Não se trata simplesmente de um de um jogo de negociação. Nós estamos tratando da vida de pessoas, da sobrevivência de pessoas e das condições mínimas de existência que dependem hoje, em boa parte, de nós termos um ambiente minimamente melhor do ponto de vista ambiental satisfatório para todos nós", defendeu Carvalho Neto.
Confira os principais trechos da conversa, nesta quinta-feira (17/11):
RFI: A respeito dessa proposta de criação de um fundo internacional para compensações de perdas e danos, feita pelo G77+China, qual é a visão do Brasil?
O fundo para perdas e danos é um dos aspectos do chamado financiamento climático. O G77+China está muito unido em relação a esses temas e nós entendemos que perdas e danos é um aspecto essencial da equação de financiamento climático. Nós precisamos, evidentemente, de financiamento para combater o aumento das emissões (mitigação). Nós precisamos de financiamento para adaptação, ou seja, para fazer frente às consequências negativas que já ocorreram por conta da mudança do clima, seja na agricultura, nos ambientes urbanos, enfim, nas economias, serviços, no setor industrial também. E temos a questão de perdas e danos, que é muito relevante e muito importante para os países, as pequenas ilhas, os países insulares e o continente africano, mas também para outros países em desenvolvimento, inclusive o Brasil.
Nós, como se sabe, já sofremos intensamente as consequências da mudança do clima. Tivemos recentemente uma seca muito intensa no Brasil, uma seca que não se via há décadas. O regime de chuvas no Brasil tem sido alterado. E tudo isso é consequência, de modo geral, da mudança do clima, do aumento médio da temperatura. Então é natural que se queira atender a essas demandas.
Segundo o próprio texto da Convenção das Nações da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima, essa responsabilidade de mitigar, reduzir, diminuir esses efeitos é dos países de industrialização antiga, ou seja, dos países desenvolvidos. E isso também está no texto do Acordo de Paris: o princípio chamado princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Então, nós entendemos que é uma demanda justa que esses países fazem, inclusive o Brasil.
De que maneira o Brasil contribuiu para a formalização dessa proposta?
É uma negociação sempre complexa, complicada, longa, intensa e extensa, inclusive porque tudo depende de consenso. Todos os países têm que chegar no entendimento para um acordo. Não se trata de uma votação. E isso, evidentemente, não é algo simples, mas é o único processo cabível do ponto de vista multilateral.
O Brasil tem contribuído desde sempre, desde 92, no início dessas negociações em torno de mudanças do clima e desenvolvimento sustentável. Nós fomos, somos e seremos sempre atores relevantes nesse processo. Portanto, sim, nós temos dado contribuições.
Não há propriamente um texto fechado, digamos. Há propostas de diferentes grupos regionais e caberá agora, se for o caso, sair do nível técnico e elevar essa discussão, para que, no nível político mais alto, se possa eventualmente chegar a uma decisão.
Isso também depende muito, como é sempre o caso, da presidência da COP – no caso, a presidência egípcia, que tem que liderar esse processo com o apoio dos demais países. Mas temos a expectativa de que encontremos alguns caminhos, pelo menos para conseguirmos atender essas demandas de lato sensu de financiamento para fazer frente à mitigação, adaptação e perdas e danos provocadas pela mudança do clima.
Como está a reação dos Estados Unidos – que têm sido, como sempre foram, um ponto importante no avanço ou não das negociações nessa questão financeira?
Não só Estados Unidos, mas a União Europeia lato sensu, os países que formam a União Europeia, eles resistem. E é legítimo que isso ocorra. Resistem a pagar mais. Mas como eu disse antes, é um compromisso assumido por todos nós, inclusive por esses países, de fazer chegar meios de implementação, recursos para fazer frente a esse desafio que todos nós temos. Aqueles que têm mais condições devem aportar mais recursos.
Mas pelas conversas que nós temos tido com diferentes delegações, eu estou otimista. Eu entendo que nós chegaremos a resultados minimamente concretos. Claro que o dinheiro não vai aparecer do nada e de repente, mas é um processo que tem que continuar, que tem que ter um caminho olhando para a frente. O objetivo concreto é que, no final das contas, o Acordo de Paris poderá ser implementado.
Em última instância, qual é o objetivo do Acordo de Paris? Reduzir as emissões de gases de efeito estufa, controlar a temperatura, o aumento da temperatura média global do planeta até idealmente 1,5°C até o final deste século. E esse é o grande desafio que todos nós temos. Há uma emergência climática que é evidente e, portanto, tem que se dar resposta a ela, sob pena de criarmos um planeta em que viver nele será muito complicado.
Quando o senhor fala que está otimista de que será possível chegar a algum entendimento, a gente sabe que os países mais vulneráveis estão insistindo muito para que seja criado um fundo específico para perdas e danos, já nesta COP27. Quando o senhor fala que tem esperança, é nesse sentido?
Esse fundo poderá eventualmente ser criado. Não sei se agora. Acho difícil, para ser muito franco e objetivo. Mas o que se pode pensar, como eu disse, é acelerar esse processo até que nas próximas duas ou três COPs, nós tenhamos efetivamente um fundo específico para esses países que mais precisam. Não é simples, mas é uma uma obrigação, talvez também moral, que todos nós temos, em especial os países desenvolvidos.
De um lado temos os Estados Unidos liderando o bloco dos países desenvolvidos e ricos, e outro lado, os menos desenvolvidos. E temos um grupo dentro destes: os mais vulneráveis e os mais expostos. Eles estão fazendo uma pressão nessa última etapa, mobilizando a imprensa, inclusive, afirmando que não vão assinar nada se não tiver um caminho mais detalhado quanto às compensações por perdas e danos. Que força o senhor está vendo nessa pressão?
Eles efetivamente têm feito pressão, e é do jogo. Isso é natural, como as contrapressões também, por parte dos países envolvidos. Eles fazem ver os seus pontos de vista. Agora, a pressão maior que nós vemos é a pressão moral, que é real e verdadeira, é legítima e não pode ser deixada de lado.
Não se trata simplesmente de um de um jogo de negociação. Nós estamos tratando da vida de pessoas, da sobrevivência de pessoas e das condições mínimas de existência que dependem hoje, em boa parte, de nós termos um ambiente minimamente melhor do ponto de vista ambiental satisfatório para todos nós.
Que outros aspectos do senhor salientaria como sendo importantes para o Brasil conquistar, mesmo que seja junto a grupos de países, durante essa COP 27? Que avanços serão possíveis?
Os temas centrais são esse financiamento climático, que inclui ainda o chamado financiamento coletivo, meta de financiamento coletivo de quantificada, que deverá substituir os já famosos e não cumpridos US$ 100 bilhões ao ano que os países desenvolvidos se comprometeram lá em 2009, na COP de Copenhague, e que deveria entrar em vigor já em 2020.
O que nós sabemos – e isso vem de fontes dos próprios países desenvolvidos – é que esses objetivos não foram alcançados. Então, a primeiríssima coisa a fazer é cumprir esses objetivos, ainda que não necessariamente retroativamente, em 22, 23 e 24, e a partir de 25 nós já termos estabelecido uma nova meta global quantitativa de financiamento climático, que deverá ser evidentemente superior a esses US$ 100 bilhões, por uma necessidade absoluta de financiamento climático e de fazer frente a esse desafio que todos nós temos pela frente.
Ouvindo o senhor falar, eu faço referência a muito do que o presidente eleito Lula falou nos seus discursos até agora, aqui na COP. A presença dele aqui já está sendo considerada no âmbito das negociações também, ou seja, no âmbito diplomático – lembrando que o Itamaraty serve ao Estado brasileiro?
Sem dúvida. Nós, diplomatas, negociadores, nós representamos o Brasil, o Estado brasileiro, mas também o governo de turno. Nós sabemos quais são as prioridades gerais do Brasil. E há uma tradição da diplomacia brasileira desde pelo menos 1992. Nós temos o próprio conceito de desenvolvimento sustentável, em que o Brasil tem um papel razoavelmente importante e relevante na conformação desse conceito. Ele envolve três pilares: o social, o econômico e o ambiental.
Então, temos que tratar conjuntamente desses três elementos, e é o que nós temos procurado fazer sempre nas nossas negociações, evidentemente, com a expectativa de um novo governo na frente do país. É do nosso interesse também que esse aspecto de fazer e reforçar os conceitos de desenvolvimento sustentável possa ser levado adiante por quem estiver negociando em nome do Brasil no futuro.
No âmbito da transição de governo, que está a pleno vapor aqui na COP. O Itamaraty já está participando dessa transição aqui também, de certa forma?
Esse processo de transição, que é previsto em lei, tem ocorrido nas diferentes áreas. Nós temos todos acompanhado o noticiário. O Itamaraty tem prestado as informações que cabe a ele para fornecer elementos de informação ao governo que assumirá as suas funções em 1º janeiro. E nós procuramos fazer da maneira mais correta, profissional e institucional. E esse é o nosso papel.
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