Entenda como o Brasil passou do protagonismo à porta dos fundos nas COPs

"Bolsonaro fez campanha presidencial claramente antiambiental, falando, como o Trump, que as mudanças climáticas eram uma fraude e abordando toda a conspiração do globalismo para bloquear o desenvolvimento do Brasil", diz o professor de relações internacionais Eduardo Viola



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Lúcia Müzell e Ana Carolina Peliz, da RFI - Há pouco mais de 30 anos, o Painel Intergovernamental de Cientistas sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) acabava de ser criado, mostrando que havia alguma coisa errada com o clima da Terra. Nessa época, o Brasil era alvo de críticas pela devastação acelerada da Amazônia, mas já tomava consciência do problema.

O país então juntou o útil ao agradável: abraçou a causa ambiental e percebeu que ela poderia levá-lo a protagonista na cena internacional. "O Brasil é um país decisivo no ciclo global do carbono. Ele tem uma especificidade: na Amazônia, o Brasil tem um gigantesco sumidouro de carbono. Toda a Amazônia panamericana equivale a mais ou menos 12 anos de emissões mundiais de carbono. Por isso o mundo olha tanto para lá”, explica o professor de relações internacionais Eduardo Viola, da USP e da UnB, um dos maiores especialistas do país nas negociações climáticas.

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No Rio de Janeiro, foi assinada a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, texto que serviu de base para as negociações sobre a crise climática que se prolongam e se atualizam até hoje.

No plano interno, porém, os avanços eram lentos – e incompatíveis com o modelo econômico do Brasil, fundado no agronegócio –, numa época em que recém se começava a falar de desenvolvimento sustentável. No início dos anos 2000, as atividades agrícolas, madeireira e de mineração, muitas delas ilegais, levaram o país a se tornar o maior desmatador de florestas do mundo, respondendo por 47% das perdas no planeta em cinco anos. A devastação sempre foi a principal fonte de emissões brasileiras de gases de efeito estufa.

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Queda do desmatamento dá legitimidade

Só a partir de 2005, o problema foi atacado de frente e essa curva começou a cair como nunca: em oito anos, o índice despencou 80% – apesar de o agronegócio ter se mantido cada vez mais voraz. A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira é uma das pessoas que têm mais experiência na participação do país nas COPs, e traz no currículo o recorde de queda da devastação.

"O Brasil constrói a sua expressão de softpower em cima não só da cultura, mas da questão ambiental e da sustentabilidade. É um país que tem soluções para clima, tem uma ciência extremamente robusta na questão climática, liderança na diplomacia e políticas ambientais consistentes e progressivas”, avalia. "Vamos da lei de Crimes Ambientais à Lei de Política Climática, em Copenhague, quando o Brasil não só ofereceu uma política climática, como transformou isso em lei e fez a maior contribuição do mundo de redução de emissões, ao propor diminuição de 80% do desmatamento da Amazônia”, relembra.

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A diminuição dos números deu legitimidade para o país nas negociações climáticas, e o protagonismo do Brasil nas negociações só aumentou. Foi um trabalho de formiguinha da diplomacia brasileira – e também senso de oportunidade de que esse tema seria uma via importante para o país se consolidar como potência emergente, influente sobre os demais países em desenvolvimento.

"Houve, sim, contribuições muito importantes. Em 2009, com certeza o Brasil teve um papel destacado, porque tinha uma meta de compromisso voluntário de redução de emissões. A China, a Índia, a maioria dois países em desenvolvimento não tinha”, frisa Viola. "Tem um fator muito interessante que Lula, na conferência de Copenhague, chega a dizer que o Brasil não precisa de financiamento e que vai contribuir para o financiamento dos países de renda média baixa e baixa”, observa o professor.

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Professor Eduardo Viola acha que é quase impossível o Brasil conseguir melhorar a sua imagem na COP26. "Eu penso que a credibilidade do governo Bolsonaro está deteriorada irreversivelmente. As promessas que se façam não serão implementadas durante o governo Bolsonaro”, diz.

Apoio e recursos para proteger a floresta

A credibilidade rendeu frutos: parcerias internacionais, como o Fundo Amazônia, ajudaram o país dividir a conta da proteção das florestas. O geógrafo e escritor Torkjell Leira, que esteve nos bastidores da construção do programa, quando colaborava com a Rainforest Fondation, conta como o Brasil era visto: um parceiro confiável.

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"Essa questão de emissões de desmatamento e de mudanças de uso das áreas para agricultura começou a entrar na mesa de discussões. Vários pesquisadores e representantes de movimentos ambientais brasileiros e internacionais começaram a trabalhar com este conceito de emissões evitadas”, afirma o geógrafo norueguês. "Inclusive tem um momento histórico muito importante: na Índia, alguns pesquisadores brasileiros e dos Estados Unidos, em Nova Delhi (COP8, 2002), levaram a proposta para a sociedade internacional e todo mundo achou uma boa ideia. Aí começaram a publicar em revistas científicas, até o ponto em que essa passou a ser uma posição oficial do governo brasileiro no âmbito dessas negociações.”

Além disso, a apresentação de metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas conferências do clima, se tornou uma jogada de mestre para forçar os países desenvolvidos a colocar mais cartas na mesa. "O Brasil chega com duas coisas importantes. Primeiro, diz que os países em desenvolvimento podem e devem fazer mais, e faz uma grande aliança com as economias emergentes. E em 2011, o Brasil lidera com a posição: topamos um acordo, desde que todos estejam dentro, e daí nasce a trajetória para o Acordo de Paris”, contextualiza Izabella Teixeira.

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"Você vai construindo e modelando os seus interesses nacionais. Tem uma troca. Isso permitiu uma evolução da nossa diplomacia e uma liderança não só entre os países do sul, mas no mundo, de que era um país facilitador e responsável. O Brasil pertence a uma ordem internacional e sempre trabalhou isso como um valor estratégico para o seu desenvolvimento e o seu poder de influenciar o mundo e ajudá-lo a mudar para melhor", diz a ex-ministra.

O Brasil brilhou nas negociações climáticas até a Conferência de Paris, em 2015, quando Izabella assinou o Acordo de Paris sobre o Clima. "A grande contribuição é que fizemos esse país chegar numa conferência como essa unido com o propósito de ter o acordo, apesar de todas as suas diferenças. Isso foi muito bonito de ver”, salienta.

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Paradoxalmente, no plano interno, o Brasil já vinha numa esteira descendente nessa questões: a presidente Dilma Rousseff nunca escondeu que não era muito familiar ao tema ambiental e era criticada pelos ecologistas por causa do Código Florestal e por privilegiar o agronegócio, carro-chefe da economia do país. O desmatamento tinha voltado a subir a partir de 2013, enquanto a presidente era acusada de omissão nas demarcações de terras dos indígenas.

"Dilma é menos sensível às mudanças climáticas, comparado com Lula. Depois, a partir de 2015, com a crise de corrupção, a crise econômica e política, que levará ao impeachment, há uma redução dramática do orçamento do ministério do Meio Ambiente, do Ibama. Aumenta o desemprego e a renda na Amazônia, e aumenta a população disponível para o desmatamento ilegal. É o que permite o grande crescimento das emissões no Brasil”, ressalta Eduardo Viola.

O aumento do desmatamento só piorou nos anos seguintes, culminando com novos recordes em mais de uma década no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em 2019. Queda da fiscalização, estímulo ao garimpo e outras atividades ilegais, desmonte nas instituições científicas e de monitoramento das florestas, desregulação ambiental. Foi a famosa boiada passando, do ex-ministro Ricardo Salles. As imagens da Amazônia em chamas estarreceram o mundo e geraram atritos entre o Brasil e diversos países, como a França. As crises política e econômica no país tornaram-se crônicas e minguaram o poder de influência do Brasil no exterior.

Política “antiambiental" de Bolsonaro faz do Brasil um dos vilões das COPs

É nesse contexto que, na última Conferência do Clima, em Madri, o governo brasileiro desembarcou como um dos vilões da história. "O presidente Bolsonaro fez campanha presidencial claramente antiambiental, falando, como o Trump, que as mudanças climáticas eram uma fraude e abordando toda a conspiração do globalismo para bloquear o desenvolvimento do Brasil. Até ameaçou se retirar do Acordo de Paris, imitando também Trump”, destaca o pesquisador da USP. “Bolsonaro é um claro negacionista climático.”

Na COP de Madri, em 2019, o então ministro Ricardo Salles exigiu mais financiamento dos países ricos, mas não cumpria o dever de casa de combater o desmatamento. O Brasil também atrapalhou as negociações para a adoção de um mercado internacional de carbono, querendo aplicar o que os ambientalistas apelidaram de “pedalada ambiental”: contabilizar para si os mesmos créditos de CO2 que vendesse para outros países.

Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro sequer deve participar presencialmente da Conferência de Glasgow. De qualquer forma, a presença dele não faria muita diferença: o professor Eduardo Viola acha que é quase impossível o Brasil conseguir melhorar a sua imagem nas negociações.

"Eu penso que a credibilidade do governo Bolsonaro está deteriorada irreversivelmente, tanto no Brasil como no mundo. As promessas que se façam não serão implementadas durante o governo dele”, argumenta.

O chefe da delegação brasileira, o atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, também não está presente nesta primeira semana da COP26, onde só dará as caras na semana que vem. Na abertura do evento, estavam líderes como Joe Biden (Estados Unidos) e Emmanuel Macron (França), além do anfitrião, o britânico Boris Johnson.

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