Controle ‘efetivo’ do espaço aéreo é fundamental para terra Ianomâmi, diz diretor da PF
Para Humberto Freire de Barros, bloqueio aéreo, uma atribuição das Forças Armadas, é essencial para impedir reinvasão
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Agência Pública, Rubens Valente - O diretor da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, Humberto Freire de Barros, considera “fundamental” o controle do espaço aéreo sobre a terra indígena Yanomami – uma atribuição das Forças Armadas – a fim de asfixiar a atividade dos garimpos e evitar que os invasores retornem ao território. Segundo o delegado, as ações de repressão e inutilização dos equipamentos dos garimpeiros continuarão sendo feitas, além da instalação de bases permanentes por outros órgãos, como Ibama, Funai e Força Nacional, mas apenas um “efetivo” controle do tráfego de aeronaves vai impedir que haja uma reinvasão no território.
O espaço aéreo sobre a terra Yanomami foi fechado pelos militares em fevereiro, mas em seguida abriram-se “corredores aéreos” que tinham o propósito “humanitário” de permitir a saída “voluntária” de garimpeiros que insistem em atuar ilegalmente na terra indígena. Amanhã (6) vence o prazo dado pelo Ministério da Defesa para o uso dos “corredores aéreos”. Ainda não foi anunciado o que ocorrerá a partir de sexta-feira (7) no tema do tráfego aéreo.
“Aí compete ao Ministério da Defesa informar qual vai ser a dinâmica adotada. O que a gente tem demandado ao Ministério da Defesa é que efetivamente haja esse controle [do espaço aéreo] e que efetivamente seja estancada a logística aérea para dentro da terra Yanomami, só sendo permitida aquelas autorizadas pela própria Força Aérea”, disse o delegado em entrevista exclusiva à Agência Pública em Brasília na semana passada.
O controle do espaço aéreo, disse o delegado, não é uma necessidade só da Polícia Federal, mas “a operação, o povo Yanomami, precisam que realmente ocorra esse controle efetivo”. Para a execução do controle, “toda a ferramenta, toda a dinâmica e toda a expertise do controle do espaço aéreo é da Aeronáutica”.
A avaliação coincide com a advertência feita pelas equipes de fiscalização do Ibama após terem sido alvos de dois ataques a tiros por garimpeiros somente em março, conforme revelou a Pública na semana passada. Os fiscais apontaram “descontrole do espaço aéreo”, o que tem permitido aos garimpeiros continuar mantendo as operações no território indígena.
Os militares fecharam o espaço aéreo em fevereiro, mas em seguida abriram “corredores aéreos” que tinham o propósito “humanitário” de permitir a saída “voluntária” de garimpeiros que insistem em atuar ilegalmente na terra indígena. Amanhã (6) vence o prazo dado pelo Ministério da Defesa para o uso dos “corredores aéreos”. O governo ainda não anunciou o que vai acontecer a partir de sexta-feira (7) sobre o controle do tráfego aéreo.
A advertência dos fiscais do Ibama é que os “corredores aéreos” vêm sendo usados não para retirar os garimpeiros, mas para continuar abastecendo os garimpos com combustível e alimentação.
Na entrevista à Pública, o diretor da PF informou ainda que o órgão irá cumprir, até o final do ano, a retirada de invasores em outras seis terras indígenas, cumprindo uma decisão judicial do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso. As ações vão coibir os crimes nas terras indígenas Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, Arariboia, no Maranhão, e Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá, todas no Pará. Segundo Freire, o custo das operações no âmbito da Polícia Federal já foi dimensionado e “está sendo viabilizado pelo Ministério da Justiça”.
A operação na terra Yanomami, determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reação às informações sobre a morte de pelo menos 570 crianças Yanomami de causas evitáveis durante o governo de Jair Bolsonaro e também incluída na decisão de Barroso, completa 64 dias nesta quarta-feira (05). Pelo decreto assinado por Lula, o Ministério da Defesa ficou encarregado do controle do tráfego aéreo e do apoio às ações de desintrusão dos garimpeiros e de socorro de saúde aos Yanomami, realizadas por diferentes órgãos como PF, Ibama, Funai, Força Nacional e Ministério da Saúde.
O delegado da PF disse que não é possível afirmar ao certo quantos garimpeiros já deixaram a terra indígena desde o começo da operação, em fevereiro, mas a PF trabalha com a estimativa de “mais de 90%”. A PF estima que os invasores somavam de 15 mil a 20 mil antes do início da operação (as lideranças indígenas denunciavam o número de 20 mil invasores). Assim, se as estimativas estão corretas, restariam ainda de 1,5 mil a 2 mil garimpeiros operando na terra Yanomami.
Além das ações de apreensão e queima de material ilegal dentro do território, a PF já desencadeou três operações no decorrer de inquéritos que investigam os financiadores do garimpo ilegal, com bloqueios e apreensões de até R$ 25 milhões. Na terra Yanonami foram destruídos três aviões, 73 balsas, 253 barracos de garimpeiros e 13,2 toneladas de cassiterita, além da apreensão de mais 13,7 toneladas do minério (os números incluem ações de todos os órgãos públicos envolvidos na operação, como o Ibama).
Numa outra frente, um inquérito específico tem por objetivo investigar o crime de genocídio praticado contra os Yanomami. “Nós atacamos todos os elos da cadeia criminosa. Estamos atuando na ponta, que são as ações na própria terra Yanomami, mas o esquentamento desse minério como ouro legal, a gente está investigando. A lavagem do recurso, a gente está investigando. […] A gente está realizando ações em todos os elos dessa cadeia para que a gente realmente possa desarticular a organização criminosa como um todo”, disse o delegado.
Com 46 anos e delegado na PF desde 2003, Freire assumiu em janeiro uma das novas diretorias criadas no governo Lula vinculadas à direção-geral da PF, a Damaz (Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente). Após ocupar cargos na PF em Pernambuco, Amapá, Imperatriz (MA) e Caruaru (PE), Freire foi cedido ao Ministério da Justiça de 2013 a 2017 para atuar na área dos Grandes Eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas). De 2017 a 2022, ocupou o cargo de secretário de Defesa Social de Pernambuco no mandato do governador Paulo Câmara (PSB-PE).
No caso da operação de retirada dos garimpeiros na terra Yanomami, a Damaz cumpre o papel de planejar e coordenar as atividades que são executadas pela Superintendência da PF em Boa Vista (RR), além de interagir com todos os outros órgãos públicos envolvidos na operação.
Freire disse que o objetivo da Polícia Federal é retirar todos os garimpeiros da terra Yanomami. “Não é nem ideia, é determinação do Supremo Tribunal Federal, é de [retirar] todos. Os não indígenas não podem estar lá. A não ser cumprindo missões, como por exemplo a Polícia Federal em cumprimento de sua missão institucional, os servidores de Funai, Ibama, isso são missões dos próprios órgãos em proteção ao povo Yanomami. Mas fora isso, não sendo uma missão institucional, a determinação é que não haja não índios lá, e é isso que nós vamos buscar. […] A gente vai buscar com essas ações, de ‘pente-fino’, de novas incursões e de bases permanentes, realmente cumprir 100% da ordem do Supremo Tribunal Federal, garantindo que não haja não índios na terra Yanomami nem nas demais.”
O diretor da PF disse que os garimpeiros devem sair imediatamente da terra Yanomami. Os que permanecerem e resistirem poderão ser presos. O foco da operação é a retirada dos garimpeiros da área, mas isso não afasta a possibilidade de prisões, em especial a partir da próxima sexta-feira, quando os “corredores aéreos” deverão ser fechados. “Quem sai, uma vez identificado, pode ser responsabilizado pela usurpação [de patrimônio público]. Mas aqueles que violentamente ou não se colocarem numa situação de oposição, se oporem ao cumprimento da ordem do STF, com certeza podem e serão presos.”
O delegado reafirmou que os garimpeiros na terra Yanomami “estão praticando crime” previsto na legislação e que “essas pessoas precisam parar de praticar essa atividade”, precisam “sair da terra indígena – que não é permitida a sua presença lá”. Numa segunda, “obviamente num trabalho entre outros ministérios e o governo desses Estados que têm terra indígenas”, poderia se “buscar alternativas de sustentabilidade para essa população que estava se dedicando a uma atividade ilegal”.
As ações de retirada dos garimpeiros, contudo, precisam ser acompanhadas do controle do tráfego aéreo, reiterou o diretor da PF. A Pública perguntou sobre a procedência de imagens que circulam em grupos de garimpeiros que mostram supostamente um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) interceptando um avião de garimpo na terra Yanomami – a FAB, procurada, não confirmou nem negou essa ação. Em tese, a FAB determina ao piloto garimpeiro que pouse na pista mais próxima e informa à PF, que passa a investigar. O delegado disse que não têm recebido dados sobre ações do gênero, mas são as medidas necessárias e esperadas pela PF.
“Não temos recebido estatísticas sobre essas ações, mas é exatamente o controle do espaço aéreo que precisa acontecer por parte da Força Aérea Brasileira. Uma vez feito esse controle, identificada uma aeronave que não tem essa autorização, há essa determinação, toda uma manobra própria da Aeronáutica para que a aeronave pare de voar, já que não está autorizada, pouse, e isso é comunicado para que seja instaurado inquérito”, disse o delegado. O eventual abate de uma aeronave, embora previsto em lei, disse o diretor, é sempre “o último instrumento, é a última ferramenta que se usa para que não tenha esse voo irregular”. Uma vez interceptado, o avião poderá ser apreendido e levado a leilão.
Para o diretor da PF, a sequência da investigação sobre esses aviões “são fases que a gente vai precisar ir discutindo com a Aeronáutica para que a gente possa ir otimizando a nossa ação”. “O que é fundamental é que realmente haja um controle efetivo do espaço aéreo para que, daqui a alguns meses, a gente não tenha um movimento de reintrusão desse logística ilegal do garimpo na terra Yanomami.”
O delegado entende que a operação de desintrusão até o momento “está indo bem, tanto que temos esses resultados expressivos” de apreensões e inutilizações de equipamentos de garimpeiros e da “grande quantidade de saída efetiva” dos invasores. Contudo, “não é algo que se resolva da noite para o dia. A gente sabia disso. Tanto que a gente planejou a operação ‘faseada’ [dividida por fases] em diversos momentos e a gente ainda está na fase primeira, vamos dizer assim, dessa grande operação”. Segundo o delegado, a operação “teve data para começar, mas não tem data para terminar”.
A Agência Pública pediu à FAB que comentasse seu papel no controle do tráfego aéreo sobre a terra Yanomami, mas não houve resposta até o fechamento deste texto. Na semana passada, ao comentar as imagens da suposta interceptação de um avião garimpeiro, a FAB afirmou por e-mail: “As ações de controle do espaço aéreo adotadas pela FAB na região resultaram em significativa redução na atividade aérea nas áreas indígenas. Além disso, dados de inteligência produzidos pela FAB são constantemente compartilhados com as demais agências envolvidas, inclusive os referentes aos tráfegos ilícitos, propiciando operações de combate às atividades ilegais. Para isso, a FAB emprega aviões E-99 e R-99 pertencentes à Aviação de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (IVR), além de aeronaves A-29 da Aviação de Caça. […] A FAB também já realizou um total 201 evacuações aeromédicas, transportando pacientes que necessitam de atendimento em Boa Vista, bem como apoiando o transporte de indígenas no retorno às suas aldeias. Saiba mais sobre o trabalho da FAB nos atendimentos de saúde: HCAMP registra melhora significativa na saúde de indígenas atendidos”.
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