Carlos Nobre: 'ciência agora tem que se envolver na busca de soluções para preservação da Amazônia'

Em entrevista à Agência Einstein, cientista brasileiro destaca urgência das medidas contra as mudanças climáticas e ressalta o papel da pesquisa na busca de alternativas para salvar floresta da savanização

Carlos Nobre
Carlos Nobre (Foto: Tore Marklund/Divulgação)


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Por Cristiane Santos, para a Agência Einstein - No início de setembro, mais de 200 revistas científicas de todo o planeta publicaram simultaneamente um editorial que pedia aos líderes mundiais medidas de emergência para limitar o aumento da temperatura global e reduzir a destruição da natureza para proteger a saúde da humanidade.

Com o título “Chamada de ação emergencial para limitar o aumento da temperatura global, restaurar a biodiversidade e proteger a saúde”, o texto, publicado em veículos como The Lancet, lembra que “nenhum aumento de temperatura é seguro” e que, nos últimos 20 anos, a mortalidade relacionada ao calor entre pessoas com mais de 65 anos aumentou em mais de 50%.

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A Amazônia pode virar uma savana tropical, bioma bem diferente do que conhecemos hoje, mais árido e com menos espécies de plantas e animais. O incessante desmatamento da floresta tem peso importante para o aquecimento global. Ele tem ainda relação com a insegurança alimentar, o aumento de doenças e mortes, crises energéticas e hídricas, comprometimento da agricultura e desaceleração da economia.

“A ciência tem apontado para estes riscos, como o de savanização, aquecimento global e suas consequências há muitas décadas”, afirma Carlos Nobre, cientista e primeiro brasileiro a receber o Prêmio de Diplomacia Científica pela defesa da Amazônia, concedido pela Associação Americana para o Avanço da Ciência, concedido há oito anos. 

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Em entrevista exclusiva à Agência Einstein, ele diz que é hora de cientistas priorizarem a busca de soluções para o problema. “A ciência já apontou os riscos à biodiversidade, à estabilidade climática. Já mostrou a importância da Amazônia como a mais importante e rica floresta tropical do planeta. Agora é preciso buscar soluções.” Leia a seguir os principais trechos da conversa:

Agência Einstein: Não temos tempo para reduzir o desmatamento da floresta amazônica, certo?

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Carlos Nobre: A combinação perversa do aquecimento global com as alterações climáticas, o desmatamento florestal e o fogo estão colocando a Amazônia na beira do precipício. Mesmo que a gente zerasse o desmatamento, se o aquecimento global continuar sem controle, cerca de 60% e até 70% da Amazônia pode se tornar outro tipo de vegetação, com muito menos espécies, representando um enorme desastre ambiental, de gigantescas proporções. O que vai sobreviver é uma savana tropical com menos espécies e uma enorme perda de carbono. A Amazônia armazena mais de 250 bilhões de toneladas de carbono. Se ocorrer essa perda de floresta, a atmosfera será enriquecida de uma quantidade de gás carbônico que vai praticamente impedir o atingimento da meta do Acordo de Paris de não deixar a temperatura aumentar mais de 1,5ºC (até 2100). Ela já subiu 1,1ºC (desde a Revolução Industrial). 

Esse é um enorme desafio. Teríamos que zerar o desmatamento em poucos anos e adotar programas com parcerias e ajuda internacional de restauração de pelo menos 500 mil quilômetros quadrados, uma vez que mais de 1 milhão de quilômetros quadrados já foram desmatados e outros cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados estão em vários estágios de degradação. 

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Temos que restaurar esses 500 mil metros quadrados principalmente no sul e no leste da Amazônia (que inclui a toda a floresta na Bolívia, Acre, Rondônia, norte do Mato Grosso até o Oceano Atlântico e representa um terço de toda a área da floresta amazônica), onde há sinais da savanização: a estação seca já é de 3 a 4 semanas mais longa e 2 a 3 graus mais quente. A floresta nessa região de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados está perdendo sua capacidade de reciclar a água e de respirar, espécies de árvores estão morrendo e com riscos enormes de extinção de plantas e animais. É uma região de altíssimo risco e que está próxima do não retorno da savanização. Então, teríamos que zerar o desmatamento e iniciar um gigantesco processo de restauração florestal. Para isso, nós precisamos desenvolver uma nova bioeconomia, que chamamos de bioeconomia de floresta em pé.

Qual a meta para zerarmos o desmatamento da Amazônia?

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Bem menos que uma década. Um grande número de organizações, a maioria delas indígenas, lançou no Dia da Amazônia um programa para preservação de 80% da floresta amazônica até 2025. Estamos falando em quatro anos para zerar o desmatamento e começar a restaurar grandes áreas. A floresta secundária leva muitas décadas, pelo menos uns 30 anos, para recuperar cerca de 60% do carbono. Para ela voltar a ser uma mata primária, são necessários mais de 100 anos.

O senhor pode explicar como funciona a bioeconomia?

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Há vários exemplos hoje na Amazônia. São áreas de floresta com uma densidade um pouco maior de espécies que têm valor econômico, como açaí, castanha, cacau e dezenas de outros, o que chamamos também de sistemas agroflorestais ou agroecológicos. E as populações que vivem nessas regiões obtém esses produtos da floresta sem desmatamento, sem degradação. 

Como, de fato, a ciência e a pesquisa ajudam em questões de preservação ambiental?

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A ciência tem apontado para estes riscos, como o de savanização, há muitas décadas. O primeiro artigo que eu publiquei sobre o assunto data de 1990 e, naquela época, o desmatamento já estava muito acelerado. E inúmeros estudos foram feitos mostrando riscos para a biodiversidade, a importância da manutenção das áreas originais de conservação, dos territórios indígenas, que são as áreas menos desmatadas da Amazônia. Cada vez mais esse conhecimento científico se torna público. 

Quais os maiores desafios da ciência na preservação da Amazônia?

A ciência tem que, cada vez mais, se envolver no território das soluções. A ciência já apontou os riscos à biodiversidade, à estabilidade climática. Já mostrou a importância da Amazônia como a mais importante e rica floresta tropical do planeta. Agora é preciso buscar soluções. Por exemplo: melhorar e acelerar a restauração florestal. 

E o maior desafio é dar escala para a bioeconomia da floresta em pé e rios fluindo. Quando isso acontecer, ela vai trazer bem-estar, justiça social e econômica para as populações da Amazônia. Se uma grande área que já foi desmatada for restaurada com a criação de sistemas agroflorestais, vamos beneficiar as comunidades locais. Para isso, é preciso que os países amazônicos entrem no século 21, utilizem tecnologias modernas, levem a industrialização a inúmeros produtos da floresta e usem a ciência aplicada para desenvolver novos produtos. É preciso encontrar uma maneira inteligente e sensível de unir o conhecimento científico com o conhecimento regional dos indígenas, dos quilombolas e dos ribeirinhos, por exemplo, que é pouquíssimo aproveitado.

Há pouco investimento na ciência voltada para o meio ambiente?

Para o conhecimento do bioma amazônico, o Brasil tem investido bastante. O que precisamos fazer agora é investir em soluções, e esse é um desafio global. Temos que contar com a ajuda de países desenvolvidos que estão mais avançados na questão de tecnologias sustentáveis. No Brasil, a maioria dos pesquisadores são de instituições públicas e temos pouco investimento do setor privado. 

Qualquer área da economia se desenvolve em torno do setor privado, então nos também precisamos contar com o setor industrial brasileiro e uma visão de mais investimento, mais criatividade e inovação na área da bioeconomia. Hoje dá para contar nos dedos as empresas que apoiam esse modelo de negócio.

Quanto o Brasil regrediu na questão de proteção ambiental?

Nos últimos dois anos e meio, voltamos a ter o discurso do governo federal de apoio ao modelo de 50 anos atrás – fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 – que via a floresta como obstáculo ao desenvolvimento do Brasil. É o discurso de acabar com a floresta, de que ela não traz benefício econômico, o que não é verdade. Em 2004, tivemos um enorme desmatamento, de 27 mil quilômetros quadrados, e a partir daí tivemos um programa de fiscalização mais rígido.  

Em 2008, ele foi melhor implementado e chegamos a ter um desmatamento muito menor em 2012. Nesse período de redução do desmatamento, houve aumento da produção agrícola, de grãos e de pecuária, que dobraram de tamanho. Ou seja, não existe nenhuma relação direta entre desmatamento e a produção agrícola. Infelizmente, a partir de 2015, a recessão econômica do Brasil reduziu muito a efetividade dos mecanismos de fiscalização. O discurso de continuar no caminho de zerar o desmatamento perdeu ênfase em Brasília e os crimes ambientais foram ocupando mais espaço. Em 2019, o desmatamento explodiu e chegou a um crescimento de mais de 30% na comparação com o ano anterior. 

O senhor sente o engajamento da população em causas de preservação da Amazônia e do meio ambiente?

A maioria da população recebe informação. Apesar disso, nos países amazônicos, o exercício da democracia é reduzido. Se nos sentíssemos mais empoderados em uma democracia ativa, teríamos uma ferramenta muito poderosa na mão, que é o consumo responsável. 

Os brasileiros não se deram conta do seu papel. Se fizessem questão do consumo responsável em todas as cadeias de produtos, a probabilidade de sucesso na redução do desmatamento aumentaria muito. Mas já melhorou. Hoje, os que destroem a floresta amazônica estão sendo colocados numa posição de destruidores e sem nenhum prestígio. Atualmente, em função da pressão internacional, a maioria das grandes empresas de carne estão se comprometendo a fazer a rastreabilidade da cadeia. 

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