Após mais de um ano, Funai anuncia proteção a indígenas isolados da Amazônia, mas não adota medidas concretas

Portaria publicada no Diário Oficial após reportagem do Joio fala apenas em futuro acordo com ICMBio para controle da área onde está o 29º grupo de isolados localizado no país

(Foto: Mário Vilela/Funai/Divulgação)


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Tatiana Merlino, d'O Joio e O Trigo - Depois de um ano e quatro meses ignorando pedidos de proteção a isolados do sul do Amazonas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicaram portaria conjunta estabelecendo medidas para proteger os indígenas isolados do Mamoriá Grande. O grupo foi confirmado em agosto de 2021, pela coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira Purus. A localização do 29º grupo de isolados se deu nas proximidades do rio Purus, no interior da Reserva Extrativista do Médio Purus, no município de Lábrea, no sul do Amazonas.

Desde então, organizações e o movimento indígena vêm solicitando a instalação de bases de proteção e a restrição de uso do território, que são as medidas-padrão tomadas quando há confirmação de um grupo de isolados.  Em março de 2022, o Ministério Público Federal fez uma recomendação à Funai, assinada pelo procurador da República Fernando Merlotto Soave, solicitando que o órgão indigenista efetue a edição e publicação de Portaria de Restrição de Uso relativa aos Mamoriá Grande. 

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A omissão da Funai em proteger o grupo recém-localizado foi noticiada pelo Joio em reportagens publicadas em janeiro e novembro deste ano.

A portaria com medidas de proteção foi publicada no Diário Oficial (DOU) de 7 de dezembro de 2022, ou seja, uma semana depois da publicação de reportagem do Joio. Ela prevê controle de acesso à área onde foi identificada a presença dos indígenas dentro dos limites da Reserva Extrativista (Resex) do Médio Purus, em Lábrea. O texto afirma que “para maior e melhor efetivação desse controle, as setoriais competentes da Funai e do ICMBio devem operacionalizar, de modo emergencial e com a maior brevidade possível, uma base operacional conjunta, custeada pela FUNAI, no interior da RESEX do Médio Purus”. 

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O documento, assinado por Marcelo Xavier e Marcos de Castro Simanovic, presidentes da Funai e do ICMBio, respectivamente, é provisório e tem vigência  até a celebração de Acordo de Cooperação Técnica entre os dois órgãos. 

Sem ações concretas

Para Leonardo Lenin Santos, ex-coordenador de proteção e localização de índios isolados da Funai e assessor indigenista do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), não há o que se comemorar. 

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“Ainda não há nenhuma ação efetiva de proteção. Na portaria, por exemplo, está claro que o termo de cooperação ainda não foi assinado. Não se fala em cronograma de instalação da base, nem quando começam os trabalhos. Também não tivemos acesso ao orçamento para ser executado ano que vem”, diz.

O indigenista também critica que ainda não foi feita a restrição de uso do território. “Essa demora não se justifica”, critica Santos. De acordo com a política pública que assegura os direitos dos grupos isolados, quando há a confirmação do registro da existência de um grupo, o passo seguinte à confirmação é a decretação de uma restrição de uso sobre o território onde vivem, assim como a criação de medidas de vigilância e proteção territorial.

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O anúncio da proteção ocorre no período em que o atual coordenador de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (CGIIRC), Geovanio Oitaiã Pantoja, conhecido como Geovanio Katukina, está sendo investigado pela Operação Avarus,  realizada por Polícia Federal, Ibama, Força Nacional e Ministério Público Federal (MPF). Katukina é investigado por supostamente dificultar a proteção de isolados na Terra Indígena, uma das mais invadidas e desmatadas do país. 

A omissão em proteger os isolados tem sido uma prática do governo de Jair Bolsonaro, que tem à frente da Funai o delegado Marcelo Xavier, um aliado do agronegócio. Em dezembro de 2021, venceu a portaria de restrição de uso sobre uma área de floresta no Amazonas habitada por indígenas isolados, a Terra Indígena Jacareúba-Katawixi. De acordo com estudo do Instituto Socioambiental (ISA), nos últimos cinco anos, período que abrange os governos de Michel Temer (2016-2018) e de Jair Bolsonaro (2019-2022), as áreas com isolados são os territórios “mais devastados” entre as terras indígenas no país.

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Também neste mês, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o julgamento virtual no qual a Corte analisava decisão do ministro Edson Fachin determinando que a União apresentasse em 60 dias um plano de ação para garantir a proteção dos territórios com povos indígenas isolados. 

Em nota a respeito do caso de Mamoriá Grande, o MPF afirma que as medidas adotadas pela Funai são parte de cumprimento à recomendação de março deste ano, “com o intuito de impedir que ocorram conflitos com extrativistas e madeireiros, além de evitar desmatamento na área intocada, considerando que a área habitada pelos indígenas é sobreposta em parte à Resex do Médio Purus”. Porém, aponta que que ainda não foi expedida portaria de restrição de uso do território, “o que poderá gerar a necessidade de ação judicial pelo MPF, caso a Funai não adote a medida”.

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