Agronegócio quer liberar paraquate, agrotóxico associado a doenças graves

Entidades apontam riscos da substância promovida pelo lobby de produtores de soja

Plantação de soja
Plantação de soja (Foto: Leonardo Attuch)


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Brasil de Fato - Pouco mais de um ano após o início da proibição da venda do agrotóxico paraquate no Brasil, produtores de soja buscam artifícios para reverter a decisão. O movimento é visto com preocupação por entidades que atuam na defesa da saúde e no combate aos venenos agrícolas.

O veto à presença do produto foi definido em 2017 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quase dez anos depois do início das discussões sobre o tema. Na ocasião, a Anvisa deu prazo até 2020 para adequação do setor. Posteriormente, ainda concedeu mais uma ano para que produtores pudessem usar estoques já adquiridos. 

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Agora, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) pede ao Ministério da Agricultura  Pecuária e Abastecimento "liberação emergencial" do produto "seguida de revisão da decisão da Anvisa."

A justificativa da entidade é de que produtores vêm sofrendo "ameaça real de prejuízos" porque o diquate – produto usado em substituição ao paraquate – está em falta no Brasil e teve aumento de preço. Em nota, a Aprosoja dá contornos dramáticos à situação e diz que o cenário passou a "atormentar" produtores desde a proibição da Anvisa. 

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No entanto, as exportações de soja no ano passado renderam receita recorde de US$ 1,4 bilhão, a mais expressiva do setor, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A alta em relação a 2020 foi de 1.210,9%.

No Brasil, só é possível liberar o uso de venenos agrícolas vetados em caso de emergência fitossanitária e a escassez de um produto (diquate) nas prateleiras não se encaixa nessa definição. Segundo apuração do jornal Valor Econômico, a Casa Civil avalia um projeto de Medida Provisória para mudar permitir essa possibilidade. 

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"Infelizmente, somos obrigados a dizer que não há surpresa alguma nessa movimentação", afirma Alan Tygel, da Campanha Permanente Contras os Agrotóxicos e pela Vida. A indústria, neste momento, dizer que não estava preparada, que não tem estoque e que considera isso uma emergência sanitária, chega a ser um escárnio com a população brasileira", ressalta ele.

Tygel explica que a indústria dos agrotóxicos sempre tratou de "atrapalhar de todas as maneiras" reavaliação do paraquate no Brasil, e o fez com apoio da bancada ruralista e do lobby do agronegócio. 

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"A decisão final do banimento aconteceu em 2017, com um generoso período de três anos para que se terminassem os estoques. Entre 2017 e 2020, período em que deveria estar acontecendo o término dos estoques, o consumo de paraquate aumentou no Brasil", explica o especialista.

"Isso mostra que o agronegócio tinha certeza de que a proibição não ia acontecer, que eles iam tentar reverter", argumenta.

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Saúde

O paraquate foi banido no Brasil com base em pesquisas que mostram a relação da substância com o desenvolvimento da doença de Parkinson e de mutações genéticas que podem levar ao câncer. 

De acordo com a Repórter Brasil e a Agência Pública, ele foi o produto proibido na Europa e fabricado no continente que mais teve autorizações para exportação para todo o mundo. Em 2018, chegou a representar 40% do total das exportações da União Europeia de venenos banidos. No mesmo ano, o Brasil comprou 9 mil toneladas, maior volume entre todas as nações do planeta.

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O Brasil opta pelo uso de produtos que outras países já proibiram, são obsoletos.

O paraquate também foi o agrotóxico que mais tirou a vida de brasileiros na última década. Foram 530 intoxicações registradas pelo Ministério da Saúde, 138 acabaram em morte. Dessas, 93% foram registradas como suicídio.

Na nota em que pede a reinserção do produto em solo nacional, a Aprosoja questiona se a Anvisa "vai arcar com os prejuízos" dos produtores rurais "e a conta da sociedade que amargará pressões inflacionárias cada vez maiores com a queda de produtividade".

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"Não há justificativa"

A biomédica Karen Friedrich, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva afirma que não existe justificativa para o produto continuar no mercado. Ela lembra que a estratégia de defender a manutenção de agrotóxicos com argumento de que os impactos à economia serão danosos é recorrente.

Segundo Friedrich, os argumentos da "chantagem" nunca se comprovaram. "Já vimos isso no passado várias vezes e isso nunca ocorre. O que ocorre é que o Brasil opta pelo uso de produtos que outras países já proibiram, são obsoletos, as próprias espécies alvo se tornam resistentes".

No governo atual, a especialista observa falta de atenção total ao assunto, com liberação ostensiva de venenos, desmonte de órgãos de fiscalização, perseguição a cientistas, ativistas, trabalhadoras e trabalhadores que atuam no combate aos agrotóxicos e na defesa do meio ambiente em geral. 

"A saúde e o meio ambiente dependem de uma política voltada para valorização do ser humano, da agricultura familiar, da produção orgânica e agroecológica", pontua ela.

A partir do governo de Michel Temer (MDB), a liberação de agrotóxicos no Brasil se acelerou de maneira significativa. No governo Bolsonaro esse movimento se intensificou ainda mais. Em 2018, 449 registros foram realizados. Já no primeiro ano da gestão atual, o número subiu para 474. Em 2021, o país autorizou o uso de 550 novos novos venenos agrícolas.

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