Vijay Prashad: Sul Global recusa pressão para se alinhar com o Ocidente sobre a Rússia

A Europa e os EUA ignoram as conclamações da África, da América Latina e da Ásia para encontrar uma solução que acabe com a guerra na Ucrânia

Vijay Prashad
Vijay Prashad (Foto: Reprodução/Twitter/@vijayprashad)


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Artigo de Vijay Prashad originalmente publicado no Globetrotter em 24/2/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Na reunião do G20 em Bangalore, na Índia, os EUA chegaram com um informe simples. A Secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, disse na reunião de cúpula de fevereiro de 2023 que os países do G20 devem condenar a Rússia pela sua invasão da Ucrânia e devem aderir às sanções dos EUA contra a Rússia. No entanto, ficou claro que a Índia, que preside o G20, não estava disposta a sujeitar-se à pauta dos EUA. As autoridades indianas disseram que o G20 não é uma reunião política, mas sim uma reunião para discutir questões econômicas. Eles contestaram o uso da palavra “guerra” para descrever a invasão, preferindo descrevê-la como uma “crise” e um “desafio”. A França e a Alemanha rejeitaram este rascunho se isso não condenasse a Rússia.

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Assim como ocorreu na Indonésia na reunião de cúpula do ano passado, os líderes do G20 de 2023 estão ignorando mais uma vez a pressão do Ocidente para isolar a Rússia. Os grandes países em desenvolvimento (Brasil, Índia, Indonésia, México e África do Sul) não estando dispostos a ceder da sua visão prática de que isolar a Rússia coloca o mundo em perigo.

As próximas cúpulas do G20 serão no Brasil (2024) e na África do Sul (2025), o que indicaria ao Ocidente que a plataforma do G20 não será facilmente subordinada à visão do Ocidente sobre as questões mundiais.

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A maioria dos líderes dos países do G20 foram à Bangalore vindos diretamente da Alemanha, onde participaram da Conferência de Segurança de Munique. No primeiro dia da Conferência de Munique, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse estar “chocado sobre quanta credibilidade que nós perdemos no Sul Global”. A palavra “nós” na declaração de Macron referia-se aos estados ocidentais, liderados pelos EUA.

Qual é a evidência para esta perda de credibilidade? Poucos dos estados do Sul Global estiveram dispostos a participar no isolamento da Rússia, incluindo a votação sobre as resoluções ocidentais na Assembleia Geral das Nações Unidas. Nem todos os países que se recusaram a juntar-se ao Ocidente são “anti-Ocidente” num sentido político. Muitos deles — incluindo o governo da Índia — são motivados por considerações práticas, como os preços de energia com descontos da Rússia e os ativos que estão sendo vendidos a preços baixos pelas empresas ocidentais que estão saindo do lucrativo setor de energia da Rússia. Seja por estarem fartos de serem empurrados pelo Ocidente, ou porque eles veem oportunidades econômicas na relação com a Rússia, cada vez mais países da África, da Ásia e da América Latina evitam a pressão advinda de Washington para romper os laços com a Rússia. É esta recusa e evitação que levou Macron a fazer esta forte declaração sobre estar “chocado” pela perda de credibilidade do Ocidente.

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Num painel de discussão, em 18 de fevereiro, na Conferência de Segurança de Munique, três líderes da África e da Ásia desenvolveram o argumento sobre por que eles estão desditosos com a guerra na Ucrânia e a campanha de pressão sobre eles para romperem os laços com a Rússia. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira — quem, mais tarde naquele dia, condenou a invasão russa na Ucrânia — conclamou os vários participantes do conflito a “construírem a possibilidade de uma solução. Nós não podemos seguir falando só sobre a guerra”.

Bilhões de dólares em armamentos foram enviados pelos estados ocidentais para a Ucrânia, para prolongar uma guerra que precisa ser encerrada antes que escale fora de controle. O Ocidente bloqueou as negociações desde março de 2022, quando surgiu uma possibilidade de um acordo provisório entre a Rússia e a Ucrânia. A conversa dos políticos ocidentais sobre uma guerra sem fim e o armamento da Ucrânia, resultaram na saída da Rússia em 21 de fevereiro de 2023 do novo tratado START, o qual — com a saída unilateral dos EUA do Tratado de Mísseis Antibalísticos em 2002 e o Tratado sobre as Forças Nucleares Intermediárias de 2019 — acaba com o regime de controle de armas nucleares.

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Os comentários de Vieira sobre a necessidade de “construir a possibilidade de uma solução” são compartilhados por todos os países em desenvolvimento, que não veem a guerra sem fim como sendo benéfica para o planeta. Como disse a vice-presidenta da Colômbia, Francia Márquez, no mesmo painel, “nós não queremos seguir discutindo sobre quem será o vencedor ou o perdedor de uma guerra. Todos somos perdedores e em última análise, é a humanidade quem perde tudo”.

O pronunciamento mais poderoso em Munique foi feito pela primeira-ministra da Namíbia, Saara Kuugongelwa-Amadhila. “Nós estamos promovendo uma resolução pacífica daquele conflito” na Ucrânia, disse ela, “de modo que o mundo inteiro e todos os recursos do mundo possam ser focalizados em melhorar as condições das pessoas no mundo todo, ao invés de gastá-los em aquisição de armas para matar pessoas e efetivamente criar hostilidades”. Quando questionada sobre a razão pela qual a Namíbia se absteve na ONU no voto relativo à guerra, Kuugongelwa-Amadhila disse: “o nosso foco é em resolver o problema, não em mudar a culpa”. O dinheiro usado para comprar armas, ela disse, “poderia ser melhor usado para promover o desenvolvimento na Ucrânia, na África, na Ásia e em outros lugares, na própria Europa, onde muitas pessoas estão vivenciando dificuldades”. Um plano chinês para a paz na Ucrânia — construído sobre os princípios da Conferência de Bandung de 1955 — absorve os pontos levantados pelos líderes do Sul Global.

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Os líderes europeus têm sido surdos aos argumentos realizados por pessoas como Kuugongelwa-Amadhila. Mais cedo, o Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell, deu um tiro no pé, em outubro de 2022, com os seus horríveis comentários de que “a Europa é um jardim. O resto do mundo é uma selva. E a selva poderia invadir o jardim… os europeus devem se engajar muito mais com o resto do mundo. Se não for assim, o resto do mundo nos invadirá”. Em fevereiro de 2023, na Conferência de Segurança de Munique, Borrell — que é originalmente da Espanha — disse que ele compartilha “este sentimento” de Macron de que o Ocidente deve “preservar ou até reconstruir a cooperação confiável com muitos dos chamados Sul Global”. “Os países do Sul”, disse Borrell, “estão nos acusando de ter um padrão duplo” no que concerne a combater o imperialismo, uma posição que “nós devemos desmascarar”.

Uma série de relatórios publicados pelas principais casas financeiras ocidentais repetem a ansiedade de pessoas como Borrell. A BlackRock assinala que estamos entrando “num mundo fragmentado, com blocos concorrentes”, enquanto o Credit Suisse aponta para as “profundas e persistentes fraturas” que se abriram na ordem mundial. A avaliação do Credit Suisse sobe estas “fraturas” as descrevem com precisão: “o Ocidente Global (os países ocidentais desenvolvidos e seus aliados) se afastou do Oriente Global (China, Rússia e aliados) em termos de interesses estratégicos centrais, enquanto o Sul Global (Brasil, Rússia, Índia, China a maioria dos países em desenvolvimento) se reorganiza para perseguir os seus próprios interesses”.

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Esta reorganização agora se manifesta na recusa do Sul Global em curvar-se a Washington.

Vijay Prashad é um historiador indiano, editor e jornalista. Ele é um membro-escritor e correspondente-chefe do Globetrotter. Ele é o editor da editora LeftWord Books e diretor do instituto Tricontinental: Institute for Social Research. Ele é um membro sênior não-residente do Chongyang Institute for Financial Studies na Renmin University of China. Ele escreveu mais de 20 livros — incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus livros mais recentes são Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism (com Noam Chomsky) e The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.

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