Um fórum desvalorizado

De 16 a 20 de janeiro, Davos busca uma bússola, mas sociedade civil não desiste de suas críticas

(Foto: Agência Brasil/Reuters)


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247, por Sergio Ferrari, de Berna, Suíça - Entre os dias 16 e 20 de janeiro, o Fórum Econômico de Davos se reunirá novamente nessa cidade suíça sob o slogan “Cooperação em um mundo fragmentado”. Mais de 2.500 participantes, incluindo cinquenta chefes de Estado ou de governo, chegarão a esse resort de inverno nos Alpes. Ao contrário das edições anteriores, com exceção do chanceler alemão Olaf Scholz, nenhum líder de uma grande potência confirmou sua viagem a Davos.

Como é de costume, chegam representantes do mundo dos negócios, da política, da ciência e da cultura. De acordo com as autoridades suíças, entre 200 e 300 deles estão protegidos pelo Direito Internacional (por exemplo, chefes de Estado e de Governo, ministros ou altos representantes de organizações internacionais), o que exige uma maior segurança.

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O dispositivo de segurança do Fórum de Davos (World Economic Forum, WEF, por sus siglas inglês) custará cerca de 9,7 milhões de dólares, dos quais um terço é financiado por ele mesmo e o restante por agências federais, cantonais e municipais, ou seja, pelos contribuintes suíços. Fator sublinhado em repetidas críticas da mídia nacional que questiona essa excessiva participação do Estado em uma convocação de natureza privada.

Mundo em crise

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Como apontam os organizadores do Fórum, o mundo enfrenta uma crise desgastante. E acrescentam que as consequências da pandemia de Covid-19 e da inesperada guerra Rússia-Ucrânia aumentam a incerteza planetária, produzem uma queda acentuada no crescimento e um aumento significativo da inflação. Isso requer a busca de soluções coletivas e ousadas.

A 53ª edição do Fórum de Davos será estruturada em torno de cinco eixos temáticos: crise energética e alimentar; a economia em um período de alta inflação, baixo crescimento e alto endividamento; obstáculos da indústria; vulnerabilidade social no contexto de um novo sistema de trabalho; bem como os riscos geopolíticos no âmbito de um novo sistema global multipolar.

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A plataforma digital suíça swissinfo.ch, encabeça uma análise publicada na segunda sexta-feira de janeiro “O Fórum Econômico Mundial, sob o signo da agitação social” e enfatiza que “a ameaça de potenciais distúrbios sociais testará a temperança das elites políticas e empresariais” que se reúnem em Davos no alvorecer de um “imprevisível e perturbador 2023”.

A análise ressalta que “o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos levou a protestos e greves em todo o mundo no ano passado”, e lembra a opinião de muitos economistas que preveem mais dor e pressão sobre as famílias, particularmente as mais modestas, nos próximos meses.

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Estudos recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras organizações multinacionais reduzem as expectativas de crescimento para 2023 para 2,7% e antecipam que a economia global desacelerará mais do que o esperado. Os países enriquecidos não excederão, com exceções como o Japão, um crescimento de 1% (Estados Unidos 1%; zona do euro 0,5%), enquanto nas nações periféricas (países "em desenvolvimento") espera-se uma média de 3,7%.

De acordo com o Banco Mundial, os países latino-americanos crescerão apenas entre 0,9% no México; 0,8% no Brasil; 2% na Argentina; e excepcionais 5,2% no Paraguai.

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Por sua vez, a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), em seu relatório Panorama Social 2022, publicado em novembro do ano passado, considera que 201 milhões de pessoas (32,1% da população total da região) vivem em situação de pobreza, das quais 82 milhões (13,1%) em extrema pobreza. Além disso, a CEPAL estima que em 2023 a desaceleração do crescimento econômico na região se aprofundará, atingindo uma taxa de 1,3%, o que representa apenas um terço da de 2022 (3,7%) e uma queda abrupta em comparação com 6,7%, em 2021 (https://www.cepal.org/es/comunicados/economias-america-latina-caribe-se-desaceleraran-2023-creceran-13).

Críticas a Davos

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Embora o WEF se considere um espaço importante para abordar esses problemas agudos que confrontam o planeta com a atual ordem econômica dominante, há múltiplas vozes críticas contra esse evento que há décadas demonstra uma grande impotência para propor soluções globais.

Por exemplo, como sublinha a análise da swissinfo.ch, a Patriotic Millionaires, associação que reúne mais de 100 pessoas com grandes fortunas, principalmente estadunidenses, já havia emitido uma avaliação muito crítica sobre o WEF no ano passado.“A verdade é, nesse momento, que Davos não merece a confiança do mundo. Apesar das incontáveis horas gastas debatendo como tornar este mundo um lugar melhor, esse fórum gerou pouco valor tangível em meio a uma torrente de complacências”. (https://www.swissinfo.ch/eng/business/make-us-pay-more-tax---patriotic-millionaires--tell-wef/47274132). Morris Pearl, presidente da Patriotic Millionaires, em declarações recentes à mesma plataforma digital suíça (a antiga Rádio Internacional Suíça) argumenta que “o WEF é um símbolo de desigualdade. Ganha grandes quantias de dinheiro cobrando das pessoas que participam da conferência. Até agora, não vi nenhuma evidência sólida de que as pessoas que dirigem o WEF ou participam do fórum estão planejando mudar o desenvolvimento dessa crescente desigualdade”.

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Por sua vez, o Greenpeace, em um comunicado publicado na sexta-feira 13, enfatiza as profundas contradições em relação ao meio ambiente entre a retórica do WEF e suas práticas concretas.

“Os ricos e poderosos se reúnem em Davos para debater sobre o clima e a desigualdade a portas fechadas usando o meio de transporte mais desigual e poluente: os jatos particulares”, enfatiza a ONG internacional.

De acordo com um estudo da consultoria ambiental holandesa CE Delft, o número de voos de jatos particulares com origem ou destino de/para aeroportos de Davos dobrou durante o Fórum de 2022. Os pesquisadores identificam que, aproximadamente, um em cada dois voos se destinam à reunião. De todos esses voos, 53% foram inferiores a 750 km, que poderiam ter sido facilmente percorridos de trem ou carro; 38% foram voos ultracurtos de menos de 500 km. O voo mais curto registrado foi de apenas 21 km.

Quase 80% da população mundial nunca viajaram em avião e sofrem com emissões de aviação prejudiciais ao clima, diz o Greenpeace. Em um momento em que o Fórum de Davos afirma estar comprometido com a meta climática de 1,5°C estabelecida em Paris, essa “festa anual de jatos particulares” é uma classe magistral de hipocrisia e mau gosto.

Por outro lado, setores jovens, autônomos e progressistas da sociedade civil suíça repetem os apelos dos anos anteriores para denunciar o Fórum de Davos, “que vem tentando salvar o mundo há mais de 50 anos. No entanto, são precisamente eles que continuam a aclamar e promover o capitalismo e a crise climática”, sublinha um grupo de organizações que se mobilizam no fim de semana que antecede o início do Fórum.

Na Casa do Povo de Zurique (Volkshaus), se realiza “O outro Davos”, que se define como “um contra evento” e que lança como seu lema: “em solidariedade contra a inflação, contra a catástrofe climática e contra a guerra”. No sábado, 14, começa a "Greve contra Davos", pela justiça climática, uma marcha de 26 quilômetros da cidade de Küblis que, passando por Klosters, tentará chegar à sede das reuniões do WEF.

Alternativas desde Davos?

Uma voz com propostas e soluções globais ou um Fórum repetitivo e desvalorizado. Essa é a questão que, novamente, surge em torno da nova edição do WEF, na terceira semana de janeiro.

Por trás de cada iniciativa internacional estão indivíduos, personalidades. O WEF não é exceção à regra. Dentro de seu Conselho de Administração, há muitos rostos familiares. Alguns deles, entre outros: a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva; Christine Legarde, Presidenta do Banco Mundial; Knozi Okonjo-Iweala, Diretora da Organização Mundial do Comércio (OMC); o ex CEO da Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe; Andre Hoffmann, executivo de inúmeras empresas multinacionais, incluindo a Roche Holding; Marc Schneider, diretor-presidente da Nestlé (https://www.weforum.org).

Davos, sua estrutura organizacional, a grande maioria dos participantes regulares, as demandas econômicas para participar desse conclave, expressam a visão hegemônica deste mundo submerso em crises políticas, militares e econômicas. São rostos e vozes do poder e para o poder. Aqueles que já dirigem as rédeas planetárias chegam a Davos.

O Planeta Terra, em chamas, continua a procurar e a esperar soluções climáticas, democráticas e de recuperação económica com equidade. Uma sociedade mundial submersa na incerteza. E neste concerto, um Davos desvalorizado. Um pouco mais do mesmo. 

Sergio Ferrari é jornalista. Tradução: Rose Lima

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