Slavoj Žižek: É necessário um 'Grande Reset socialista' após a pandemia
Devemos reorganizar nossas cadeias de produção para que possam suportar os impactos de futuras crises, que certamente estão por vir (basta apenas considerar os efeitos apocalípticos da mudança climática), fazendo "o que é 'impossível' em uma economia de livre mercado", defende o pensador esloveno
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
247 - O pensador Slavoj Žižek, considerado o "filósofo mais perigoso do Ocidente", defendeu recentemente o erguimento de uma nova ordem social, pensada a partir do desespero existencial gerado pela pandemia da Covid-19.
Para ele, o capitalismo global se adaptou facilmente às condições geradas pela crise sanitária global, propondo como solução nomes como Joe Biden e Kamala Harris.
No entanto, essa adaptação é extremamente perigosa, já que significa a continuação do sistema, que agora apenas mudou de fachada: "A vitória de Biden significa 'futuro' como a continuação da 'normalidade' pré-Trump – e é por isso que houve um suspiro de alívio após sua vitória. Mas essa 'normalidade' significa o governo do capital anônimo global, que é o verdadeiro alienígena em nosso meio".
Há apenas a aparência de um 'grande reset'.
Žižek aponta que o capitalismo global pode se 'resetar' de formas mais radicais, como no caso de Donald Trump: "Vale a pena ouvir os episódios do podcast War Room, de Steve Bannon, o maior ideólogo do populismo trumpista: não se pode deixar de ficar fascinado por quantas verdades parciais ele consegue combinar em uma mentira geral. Sim, sob Barack Obama, a lacuna que separa os ricos dos pobres cresceu imensamente, grandes corporações ficaram mais fortes… mas sob Trump esse processo continuou, e Trump reduziu impostos, imprimiu dinheiro principalmente para salvar grandes empresas e etc.. Estamos, portanto, enfrentando uma terrível falsa alternativa: um grande reset corporativo ou populismo nacionalista, que acaba sendo a mesma coisa".
Ou seja, os dois 'resets' capitalistas diferem apenas em forma, e não são capazes de sequer imaginar possibilidades alternativas de organização social, que somente uma 'terceira via' possibilita:
"Mas existiria, então, uma terceira via, fora do espaço dos dois extremos da restauração da velha normalidade ou de um “Grande Reset”? Sim, um verdadeiramente ótimo reset. Não é nenhum segredo o que precisa ser feito – Greta Thunberg deixou bem claro. Primeiro, devemos finalmente reconhecer a crise pandêmica como ela realmente é, parte de uma crise global em todo o nosso modo de vida, da ecologia às novas tensões sociais. Em segundo lugar, devemos estabelecer o controle social e a regulação sobre a economia. Terceiro, devemos confiar na ciência – confiar, mas não simplesmente aceitá-la como uma agência que toma as decisões", pondera Žižek.
Para o filósofo, o novo caminho é um "desconhecido cohecido", ou seja é constituído por "crenças e suposições rejeitadas que nem mesmo temos consciência de serem aderentes a nós mesmos". Uma espécie de inconsciente coletivo.
E qual seria esse caminho exatamente?
Para ele, devemos reorganizar nossas cadeias de produção para que possam suportar os impactos de futuras crises, que certamente estão por vir (basta apenas considerar os efeitos apocalípticos da mudança climática), fazendo "o que é 'impossível' em uma economia de livre mercado".
A visão pode ser resumida como um verdadeiro "Grande Reset", ou um 'novo comunismo', mais conservador: "São muitos os obstáculos que tornam tudo tão difícil de se fazer, sobretudo a ordem capitalista global e sua hegemonia ideológica. Precisamos então de um novo comunismo? Sim, mas o que sou tentado chamar de comunismo moderadamente conservador: todas as etapas que são necessárias, desde a mobilização global contra ameaças virais e outras até o estabelecimento de procedimentos que restringirão os mecanismos de mercado e socializarão a economia, mas feito de uma forma conservadora (no sentido de um esforço para conservar as condições da vida humana – e o paradoxo é que teremos que mudar as coisas justamente para manter essas condições) e moderado (no sentido de levar em consideração cuidadosamente os efeitos colaterais imprevisíveis de nossas medidas)".
Por fim, Žižek destaca a dificuldade de se ocasionar a mudança necessária. Ela pode parecer impossível, mas somente a luta social - "por exemplo, em alguns estados de bem-estar social, trabalhadores organizados forçando os capitalistas a fazerem algumas concessões consideráveis" - pode gerá-la: "A futurologia lida com aquilo que é possível, nós precisamos fazer aquilo que é (sob o ponto de vista da ordem global existente) impossível".
O texto original pode ser encontrado na Jacobin Brasil.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247