New York Times está errado sobre a desdolarização

O economista Michael Hudson desmascara a defesa do dólar feita por Paul Krugman

Michael Hudson
Michael Hudson (Foto: Reprodução/YouTube)


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Michael Hudson entrevistado por Ben Norton, originalmente publicado no Geopolitical Economy Report em 12/5/23. Transcrição traduzida e adaptada por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Nesta conversa com e editor do Geopolitical Economy Report, Ben Norton, o economista Michael Hudson responde aos argumentos errôneos contra a desdolarização do colunista do New York Times Paul Krugman, feitos na sua tentativa de defender a hegemonia dos EUA e do sistema do dólar estadunidense.

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Tradução da transcrição

BEN NORTON: Olá a todos, eu sou Ben Norton e este é o Geopolitical Economy Report.Está comigo aqui o economista Michael Hudson, um amigo do programa, um economista brilhante, autor de muitos livros e também o co-apresentador do Geopolitical Economy Hour com Radhika Desai.Hoje nós falaremos sobre a desdolarização. Michael e Radhika recém fizeram uma série sobre o declínio do sistema do dólar estadunidense e as ações de países em todo o mundo para buscar alternativas à dominação do dólar dos EUA.

Mais especificamente, hoje eu quero trazer o Michael aqui para responder aos artigos que foram publicados no New York Times pelo economista Paul Krugman, argumentando contra a desdolarização e em defesa do sistema do dólar dos EUA.

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Nós vamos considerar dois artigos que Krugman escreveu, um em abril e o outro em maio.

Michael, eu vou começar com o artigo que Paul Krugman publicou em abril, intitulado “International Money Madness Strikes Again” [A Loucura Monetária Internacional Ataca Novamente]. Ele usa este tom muito desdenhoso nisso, dizendo que esta é uma “loucura”...

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Neste artigo, essencialmente, ele cria um espantalho, no qual ele diz que, se você pensa que a dominação do dólar estadunidense está declinando, você pensa que haverá hiperinflação nos EUA.

Ele se refere a estas pessoas como “Weimaristas” - referindo-se à Alemanha de Weimar, onde houve uma hiperinflação nos anos de 1920.

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Portanto, essencialmente ele diz que, se você não acredita que o dólar dos EUA seguirá sendo dominante, você acredita que ele se tornará papel higiênico. Este é um argumento de um espantalho.

Ele também comparou o dólar estadunidense à libra esterlina. E ele disse – esta é uma citação do artigo dele – ele diz “Em resumo, não há razão alguma para ficar aterrorizado pelas consequências se o dólar perder o seu status internacional especial. Mas, dito isto, para começar, é realmente difícil se ver isto ocorrendo”.

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Então o argumento dele é que isto não ocorrerá; mas, mesmo que ocorra, isso não seria importante – porque, vejam o que ocorreu no Reino Unido; a libra esterlina era a moeda internacional global de reserva, mas não é mais, e a Grã-Bretanha ainda é uma economia significativa, ele argumenta.

Então, como você compreende os argumentos de Krugman?

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MICHAEL HUDSON: Este não é um argumento de espantalho; isto é a ignorância deliberada. Você realmente deve ter visão de túnel e não compreender a história econômica mais básica para fazer as deturpações que Krugman diz.

Se eu não o tivesse encontrado e não soubesse quão realmente estúpido ele é como pessoa, eu pensaria que ele está mentindo deliberadamente – porém eu o encontrei e ele realmente é estúpido assim.

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Nos meus livros 'Super Imperialism' e 'Trade, Development and Foreign Debt' [Comércio, Desenvolvimento e Dívida Externa], eu expliquei a inflação de Weimar.

Todas as hiperinflações da história vieram de tentativas para pagar uma dívida em moeda estrangeira. Quando a Alemanha foi liquidada com as dívidas de reparações nos anos de 1920, ela devia em dólares dos EUA, libras esterlinas e francos franceses.

O problema é que os EUA e outros países ergueram imediatamente barreiras tarifárias, de modo que a Alemanha não pudesse ganhar o dinheiro para pagar as suas dívidas externas. As dívidas iam muito além da capacidade da Alemanha para pagá-las, porque os governos europeus queriam punir a Alemanha.

Então, a Alemanha fez uma tentativa de imprimir marcos do Reich, de jogá-los nos mercados de câmbio, numa tentativa desesperada de comprar dólares para pagar aos aliados – a Inglaterra, a França e outros países – os quais, então, aceitariam estes dólares e pagariam as dívidas entre os aliados que os EUA insistiram em aplicar para pagar as armas que eles haviam vendido para a Europa antes dos EUA terem entrado na Primeira Guerra Mundial.

Então, a hiperinflação colapsou a taxa de câmbio do marco alemão. E, à medida que o câmbio baixava, isso significou que os preços das importações subiram muito.

Em primeiro lugar, a taxa de câmbio baixou, depois os preços das importações subiram e os preços das importações serviram como um guarda-chuvas sobre o nível geral de preços.

E, então, o Reichsbank teve que imprimir mais moeda doméstica a fim de habilitar a economia para comprar e vender comida e outras necessidades básicas aos preços mais altos que eram forçados para cima como resultado de tentar pagar as dívidas em moedas estrangeiras.

Bem, os EUA não têm uma dívida externa. As dívidas dos EUA são em dólares e eles sempre podem imprimí-los. Eles não têm que jogá-los no mercado de câmbio para comprar rublos, ou yens, ou outras moedas.

Então, Krugman não entende qual é a diferença entre pagar uma dívida doméstica e pagar uma dívida externa. E isso se dá porque ele não entende o câmbio.

Se ele entendesse sobre comércio exterior e dívida, jamais teria ganho um Prêmio Nobel. Uma précondição para se ganhar o Prêmio Nobel é não entender como funcionam as finanças internacionais , de modo que você possa agir para preservar o tipo de superstição financeira que é ensinada nas universidades, como a Universidade de Chicago.

E sob as visões monetaristas que são ensinadas em Chicago e papagaiadas no New York Times e no Wall Street Journal e nas outras mídias importantes, os governos imprimem dinheiro demais, geralmente para pagar os trabalhadores ou para pagar a seguridade social ou para propósitos sociais, e isso aumenta os salários e isto resulta em inflação e isso desvaloriza a moeda, à medida que a inflação torna as exportações menos competitivas.

Isto inverte o sistema inteiro. O problema não começa com o governo simplesmente criando dinheiro para gastar domesticamente.

Isto começa com a dívida externa e com tentar pagar a dívida além da capacidade de um país ganhar no câmbio, os dólares nos quais a sua dívida é denominada.

E se você não entende isso, o governo deveria tirar o doutorado de Krugman devido ao fato que ele não sabe aquilo que qualquer historiador europeu aprenderia, ou qualquer um que leu aquilo que eu descrevi no livro 'Super Imperialism'.

Eu escrevi livros exatamente sobre este fenômeno. É desnecessário dizer que eu sou o tipo de nome que não deve ser mencionado no que tange a falar sobre crises financeiras internacionais.

Então, a deturpação feita por Krugman sobre Weimar e a hiperinflação, para começar, porque ele não quer que o governo gaste dinheiro no país com a seguridade social, ou com os trabalhadores, ou com gastos sociais.

Como ele disse repetidamente, ele quer que se gaste... nós precisamos ter o dinheiro para gastar na Ucrânia. Nós precisamos do dinheiro para lutar contra a Rússia e a China. Ele se tornou um neocon, que é a razão pela qual ele está na página editorial do New York Times.

E você pode ver qualquer coisa que ele diga como o produto de um ignorante que se tornou um neocon e é um idiota útil para convencer as pessoas que lhe deram o Prêmio Nobel, como se fossem as roupas novas do imperador, para legitimar de alguma maneira a sua teimosia no que tange a como a inflação funciona, como a economia funciona e como funciona a balança de pagamentos.

Então, vamos entrar no que você disse, a morte do dólar. Ninguém está falando sobre a morte do dólar porque os EUA usarão os dólares e as empresas estadunidenses são proprietárias de afiliadas no mundo todo.

E, obviamente, eles fazem os seus próprios negócios em dólares. Eles não o fazem em moedas estrangeiras. Então, efetivamente ninguém está falando sobre isso.

O que realmente está ocorrendo não é simplesmente uma crise monetária. Não é só um problema de não aceitar o dólar.

É fato que os EUA agarraram o equivalente a US$ 300 bilhões de reservas russas de moeda estrangeira e disseram ao satélite dos EUA, o Banco da Inglaterra, para agarrar o estoque de ouro venezuelano e entregá-lo ao Sr. Juan Guaidó, que os EUA disseram que deveria ser o presidente da Venezuela.

E o resto do mundo, aquilo que o presidente Putin chama de maioria global, agora está se dando conta, - Nós não podemos fazer o nosso próprio comércio entre nós em dólares, porque, se nós comercializamos em dólares, os EUA podem agarrar os nossos dólares.

Obviamente, a Arábia Saudita e os países árabes estão pensando sobre isso. Eles disseram – É melhor nós sairmos do dólar o mais rápido possível caso os EUA e Israel ataquem a Síria e o Iraque, eles simplesmente agarrarão todo o nosso dinheiro. Vamos colocar o nosso dinheiro em posição segura.

Então, assim como nos EUA, os grandes depositantes bancários estão tirando o dinheiro deles fora dos bancos pequenos e colocando-o em segurança em grandes bancos sistêmicos como o Chase; outros países estão movendo o seu dinheiro, os governos estão movendo o seu dinheiro, para fora do dólar e para as suas próprias moedas, desenvolvendo trocas de moedas e tentando desenvolver um banco dos BRICS para financiarem o seu comércio e investimentos mútuos, porque a economia mundial está se dividindo em duas metades.

Bem, isto é o que Radhika e eu temos falado em nossos programas com você no Geopolitical Economy Hour.

Nós estamos falando sobre como aquilo que parece ser um problema monetário, aquilo que parece ser um problema financeiro, na verdade e fato de que o mundo está se dividindo em dois sistemas econômicos diferentes, o capitalismo financeiro nos EUA e o capitalismo industrial estão evoluindo para um socialismo industrial na Eurásia.

E se você não se dá conta do contexto da balança de pagamentos e de comércio e como os bancos centrais mantém as suas reservas monetárias e como, neste contexto, os governantes se perguntam:

Como eles desenvolverão domesticamente as suas economias?

Como eles desenvolverão as suas economias para manterem os seus superávits no país, ao invés de entregá-los aos EUA como fazem os países europeus da OTAN?

Se você não se dá conta deste contexto, você de alguma maneira está impondo efetivamente uma visão de túnel em você mesmo e não está vendo o contexto político do quadro econômico.

BEN NORTON: Bem dito. E um outro ponto que Krugman colocou neste artigo de abril em defesa da hegemonia do dólar estadunidense é que Charles Kindleberger, o famoso historiador econômico do MIT – e, efetivamente, Krugman estudou com Charles Kindleberger – ele argumenta que existem três vantagens principais para o dólar dos EUA.

E eu devo assinalar, diga-se de passagem, que Kindleberger – que trabalhou no Tesouro dos EUA – foi o fundador da disciplina acadêmica conhecida como teoria da estabilidade hegemônica. Basicamente, ele é um tipo de economista da corte imperial, ou um historiador da corte, que defende a hegemonia econômica dos EUA em todo o mundo.

Mas Kindleberger, que ensinou a Krugman, argumentou e Krugman o ecoa; eles argumentam que o dólar estadunidense tem três vantagens:

A primeira: a obrigação – simplesmente pelo fato de que tantas pessoas já o estão usando.

A segunda: os mercados financeiros dos EUA são abertos – e Krugman contrastou isso com a China, que regula os seus mercados de capital.

E, finalmente, aquilo que Krugman se referiu como o chamado estado de direito. E isso é uma tremenda propaganda crua.

Krugman escreveu – eu quero dizer, é simplesmente risível – mas Krugman escreveu, “A não ser que você seja um ditador que planeja cometer crimes de guerra maiores, você não precisa temer que o governo dos EUA confisque os seus ativos”.

Então, como você explica o argumento de Krugman, citando Kindleberger, de que estes três pontos principais – a obrigação, os mercados financeiros abertos e o estado de direito – são os que sustentam a hegemonia do dólar estadunidense.

MICHAEL HUDSON: Bem, ao longo dos anos eu encontrei alguns colegas de Krugman na classe de Kindleberger. E um deles me contou que teve uma conversa com Krugman.

E Krugman disse, a única coisa que ele nos contou, não discuta sobre dinheiro. Não discuta sobre o caráter do dinheiro, E ele jamais o fez.

Não questione coisas que, de alguma maneira, sacudam a narrativa do status quo. E ele aprendeu isto. É verdade que há inércia para se usar o dólar.

Esta era a grande força dos EUA e é realmente difícil substituir-se um sistema financeiro e um sistema econômico e um sistema político por um outro.

Faz-se necessário um enorme esforço para fazer este pulo de, OK, nós efetivamente vamos desenhar um sistema diferente.

Uma vez que os EUA ameaçaram de tirar a Rússia e outros países da Eurásia do SWIFT – o sistema de liquidação entre bancos – a Rússia e a China colocaram dinheiro no desenvolvimento dos seus próprios sistemas alternativos.

Agora eles o fizeram. Eles também desenvolveram domesticamente o seu próprio sistema de cartões de crédito. Assim, eles não têm que usar os sistemas dolarizados do Visa ou do Master Card. Agora eles estão desenvolvendo um outro sistema.

Krugman adotou a linguagem do presidente Biden, que diz que o mundo está se dividindo entre democracia e autocracia.

Então, quando um Kindleberger ou um Krugman dizem que a China e a Rússia são operadas por autocratas, um autocrata é o que antes era chamado de um democrata. Alguém que está tentando desenvolver a sua ação para benefício da sua própria economia, para elevar os padrões de vida, para aumentar a produtividade e elevar basicamente a produção econômica.

Por democracia, ele quer dizer o que antes se chama de um autocrata. A democracia é o que eles têm na Ucrânia. Antes isto se chamava de nazismo. E ainda é chamado de nazismo em toda a Eurásia e na maior parte do mundo.

Então, aqui nós temos uma terminologia Orwelliana e Krugman está tentando convencer as pessoas a usarem esta terminologia Orwelliana na qual os países que estão tentando proteger as suas economias da agressão financeira estadunidense de romper os seus sistemas bancários, romper os seus sistemas de cartões de crédito, confiscar as suas reservas estrangeiras, impor sanções contra eles, que, de alguma maneira, eles são autocratas, ao invés de tentarem defender as suas economias contra a agressão financeira estadunidense da OTAN.

O outro ponto que ele defende é que numa economia aberta as pessoas podem deixar todo o seu dinheiro em dólares e não podem colocá-lo na China e mantê-lo seguro. É este o caso.

A China não precisa dos cleptocratas do mundo, dos traficantes de drogas, dos criminosos, dos senhores da guerra, para que emprestem dinheiro para a China – a qual, de alguma maneira, lhes fará o favor de protegê-los. Os EUA fizeram isso.

Eu descrevi isto em alguns dos meus livros, quando eu estava trabalhando no banco Chase Manhattan em 1967.

Um antigo funcionário do Departamento de Estado dos EUA veio a mim e me deu um documento que explica que os EUA queriam tornar-se um novo centro bancário offshore, um novo centro de fuga de capitais, e dizendo – e se os EUA pudessem tornar-se uma Suíça?

Eles me pediram para calcular quanto os EUA ganhariam se provesse segurança para os traficantes de droga do mundo, para os criminosos do mundo, para os sonegadores de impostos do mundo, para os ditadores do mundo.

Eles disseram, - Se nós pudermos fazer com que os EUA estabeleçam bancos offshore no Caribe e em outros países, aí então poderemos estabelecer escritórios do Chase Manhattan e outros bancos nestes países, para receberem depósitos e eles pegarão estes depósitos e os enviarão para a matriz.

E é assim que nós vamos financiar a Guerra no Vietname e os gastos militares no estrangeiro.

E foi exatamente isto que os EUA fizeram.

Ao terem uma economia aberta, os EUA disseram, - Nós protegeremos todas as economias dos criminosos do mundo, dos cleptocratas, os ditadores clientes que nós apoiamos, o dinheiro que o presidente Zelensky da Ucrânia guarda e isto é verdade.

Os EUA são os protetores dos ditadores, não a China; e isto efetivamente torna o dólar mais atraente para os ditadores, porque os EUA criminalizaram o sistema financeiro. Eles criminalizaram o balanço de pagamentos como um meio de financiarem os seus gastos militares no estrangeiro.

Eu cito os documentos nos vários livros que escrevi. Eles me foram dados num elevador e eu imagino que eles não sejam realmente secretos, então eu fui capaz de discuti-los.

Há um livro de Tom Naylor, do Canadá, chamado de 'Hot Money' [Dinheiro Quente], no qual ele descreve exatamente como foi que os EUA montaram centros bancários em offshore, tornando os EUA num paraíso seguro para criminosos de todo o mundo.

E Paul Krugman diz que isto é o que está salvando o dólar. Os criminosos somos nós. Se nós pudermos atrair todo o capital criminoso aos EUA, há tantos crimes que nós apoiamos ao apoiarmos os nossos ditadores e ao chamá-los de democratas, que nós poderemos estabilizar o dólar ao criminalizarmos a economia dolarizada inteira.

Em poucas palavras, esta é a defesa do dólar feita por Paul Krugman. E, obviamente, ele tem razão quando diz isso.

Se os EUA podem criminalizar a economia global e destruir qualquer tentativa da Rússia, da China, do Irã, dos países da Eurásia, do Paquistão, da Índia e da Arábia Saudita para serem economicamente independentes, se eles puderem insistir que existe apenas uma única moeda e uma economia unipolar, então os EUA vencerão e poderão reduzir o mundo inteiro ao feudalismo.

Isto certamente é o ideal neocon.

A maioria global do mundo rejeita este ideal, mas o que eles estão dizendo, de novo, não é adequado para ser impresso no New York Times ou outras mídias. Então, você não está entendo o contexto.

BEN NORTON: Agora eu também quero responder brevemente ao artigo seguinte de Krugman, que ele publicou no New York Times em maio e que tinha um tom ainda mais desdenhoso. O título é “What's Driving Dollar Doomsaying?” [O que está levando ao apocalipse do dólar?]

Aqui você pode ver este tipo de ideologia neoconservadora que você mencionou. Ele culpa a crescente discussão sobre a desdolarização naqueles que ele chama de “simpatizantes de Putin, que querem que nós acreditemos que os EUA serão punidos, como eles o vêem, por usar o dólar como uma arma”, ele escreveu, em citações assustadoras.

Então, ele desdenha muito da ideia, que é um fato objetivo, que o governo dos EUA usa a sua moeda como uma arma geopolítica.

Ele também culpa ironicamente a desdolarização no “culto crypto”. Eu quero dizer, nós temos sido muito críticos do esquema Ponzi [pirâmides] do crypto. A ideia de que qualquer um que seja crítico da hegemonia do dólar estadunidense, seja um apoiador do crypto é risível.

E ele culpa Elon Musk.

Este é um artigo muito similar, mas ele cita outros dois pontos principais sobre os quais eu quero lhe perguntar.

O primeiro ponto que ele cita, novamente, é que a hegemonia do dólar dos EUA não está em perigo; porém, mesmo se estivesse, ele diz e eu cito “a importância de controlar a moeda de reserva do mundo é muito superestimada”.

E depois ele diz: “Exatamente por que os EUA deveriam se importar se um contrato entre exportadores chineses importadores brasileiros é escrito em dólares, em oposição a yens ou reais?”

E ele pergunta como o fato de que o dólar é a moeda global de reserva beneficia a economia dos EUA.

Ele estima isso, escrevendo, considerando tudo isto junto, a dominação do dólar vale mais para os EUA do que uma fração de um ponto percentual do PIB”.

Qual é a sua resposta a este argumento?

MICHAEL HUDSON: Basicamente, ele está criticando o governo Biden e toda a política do governo estadunidense, ao dizer – Por que vocês estão lutando tanto para preservar a centralidade do dólar, se ele representa apenas 0,1%?

- Por que vocês bombardearam a Líbia e roubaram todo o seu ouro, quando o presidente Gaddafi disse que ele queria ter uma moeda baseada no ouro para os países africanos?

- Por que vocês fazem uma guerra contra eles se é apenas por 0,1%? Por que a OTAN vai à guerra contra a Rússia por causa da Ucrânia e ameaçam a China por usar a sua própria moeda se é apenas por 0,1%?

- Por que os EUA estão gastando 4% do seu PIB para lutar militarmente contra países que buscam se tornar independentes da dominação financeira dos EUA, se é apenas por 0,1%?

O que é que Krugman não entendeu aqui? Tempo atrás, quando o status quo dos beneficiários era criticado, eles os chamavam de comunistas.

Você não os chama mais de comunistas, porque, na verdade, não existe comunismo algum. Você os chama de simpatizantes de Putin.

Mas o fato é que a própria CIA os chama de realistas. Você vai ser um realista? E se você diz que um realista é um simpatizante de Putin, na verdade, é isso que Putin está dizendo.

A bem da realidade, leia os discursos de Putin e, especialmente, os discursos do Secretário de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que definem exatamente qual é a lógica disso.

Isto é o que a escola realista está dizendo, e eles chamam a si mesmos da escola realista nos EUA. Eles são a escola que está sendo marginalizada pelo Sr. Blinken e por Victoria Nuland, e o departamento de estado de Biden e o grupo da CIA.

Mas o fato é que todo o resto do mundo parece ter uma razão para querer que todos os seus governos tenham a sua própria moeda.

Vamos ver que diferença faz se a China e a Arábia Saudita fizerem o seu comércio de petróleo em yens ou em dólares.

Se você faz o seu comércio de petróleo e outros câmbios em dólares, então você tem que economizar dólares para ter moeda para pagar pelo petróleo. Você tem que ter uma conta bancária nos EUA. Você tem que possuir dólares estadunidenses.

E isto significa que você pega a sua moeda doméstica – os seus yens domésticos, ou seja lá qual for a moeda – e compra dólares, e isto mantém a taxa de câmbio do dólar.

Isto provê ao banco central estadunidense com a entrada de câmbio, de modo que ele possa pagar a balança de pagamentos militares pelos custos de manter bases militares em todo o mundo que usa yens, ou rublos ou outras moedas estrangeiras.

Portanto, isto faz uma diferença muito grande. Se a Arábia Saudita cobrar pelo seu petróleo em yens chineses, então ela deverá economizar yens chinese e terá que acumular yens – o que efetivamente está fazendo nas suas reservas estrangeiras.

E a China manterá a moeda saudita nas suas reservas estrangeiras, ao invés de manter o dólar. Assim, haverá um ingresso de economias de moedas de cada um a fim de financiar os investimentos das suas próprias economias.

E estes ingressos não irão para o Silicon Valley Bank nem o Chase Manhattan, nem outros bancos, para serem entregues ao Tesouro dos EUA como parte das suas reservas estrangeiras. Esta é a diferença.

E se você deixa os navios de guerra fora de cena, se você olhar para a economia que existe sem os gastos militares, sem déficits na balança de pagamentos que são impostos para manter 800 bases militares em todos o mundo, então você não está considerando o impacto quantitativo daquilo que efetivamente determina as taxas de câmbio e os valores das moedas e, em última análise, o poder econômico internacional.

BEN NORTON: Você mencionou um ponto-chave, que é a balança de pagamentos.

O outro ponto que Krugman assinala neste artigo no qual ele defende a hegemonia do dólar estadunidense, é que ele insiste que o déficit constante das contas correntes dos EUA, o constante déficit da balança de pagamentos dos EUA com o resto do mundo, não está relacionado com a hegemonia do dólar estadunidense.

Na verdade, essencialmente o que ele está fazendo aqui é que ele está argumentando contra a ideia do privilégio exorbitante. Este é um termo que foi criado nos anos de 1960 pelo ministro das finanças da França, Valéry Giscard d'Estaing.

E d'Estaing argumentava que o fato de que o dólar é a moeda global de reserva, e que apenas os EUA podem imprimir dólares, dá aos EUA um privilégio exorbitante.

Pois bem, Krugman diz que não, que isto não é verdade.

Krugman argumenta que o dólar não ajuda os EUA a manterem grandes déficits de balança de pagamentos, porque, se você olhar para diversos países que têm déficits de contas correntes como uma porcentagem dos seus PIBs – tecnicamente, a Grã-Bretanha, a Austrália e o Canadá – têm déficits de contas correntes como porcentagem dos seus PIBs maiores do que os EUA.

Como é que você responde ao argumento do Krugman sobre isso?

MICHAEL HUDSON: O truque que Krugman usa – e nisso ele está sendo deliberadamente enganoso – é que ele fala sobre o déficit de conta-corrente. O déficit de conta-corrente não é a balança de pagamentos.

A balança de pagamentos é uma conta de capital e também inclui a transferência de pagamentos. E ele deixa isto de fora.

Aquilo que é reportado como o déficit de conta-corrente em comércio e serviços excede em muito os fluxos financeiros reais.

Por exemplo, os estadunidenses reportam o déficit comercial de petróleo, um enorme déficit comercial. No entanto, a maior parte do petróleo é importado de empresas estadunidenses.

É verdade, os EUA pagam muito pelo petróleo, porém muito pouco deste pagamento por petróleo é feito em moedas estrangeiras, porque as empresas remetem os seus lucros para os EUA.

Eles compram os bens de capital importados que precisam nos EUA. Eles pagam o gerenciamento dos EUA nos Estados Unidos.

Eu escrevi uma monografia sobre a distinção entre fluxos financeiros da balança de pagamentos a partir da abordagem do PIB, como se todas estas coisas fossem monetárias.

Então, Krugman deixa propositalmente de fora o fato que os EUA ganham quantias enormes de dinheiro na conta de capital.

Por exemplo, o fato é que a maioria das dívidas externas globais são denominadas em dólares, e não nas suas próprias moedas.

É por isto que o FMI os força a depreciar as suas moedas e impõe uma hiperinflação crônica aos países devedores da América Latina e da África.

Isso é porque, se você olhar para a conta de capital, incluindo os enormes ingressos do capital criminoso do mundo através de centros bancários de offshore, então você entenderá que a balança de pagamentos é algo totalmente diferente do retrato fictício que o Sr. Krugman pinta.

E você pode olhar para isso de uma maneira muito simples. Você pode ver o Boletim do Tesouro dos EUA e você pode ver os passivos dos EUA para com os estrangeiros.

Veja os passivos dos EUA para as suas próprias filiais nos países caribenhos e em outros centros bancários em offshore, e você verá um enorme ingresso de moedas estrangeiras destes bancos offshore para as contas em dólar das matrizes destes bancos.

As estatísticas estão lá mesmo, no Boletim do Tesouro dos EUA.

E quando Krugman, ao invés de ver o Boletim do Tesouro, ele olha para os números do comércio e contas correntes do Departamento de Comércio dos EUA, eles estão desviando a atenção daquilo que é realmente importante. Os valores das moedas não são determinados pelo comércio.

Eles são determinados pelos investimentos de capital, especialmente pelo serviço da dívida, e pelas fugas de capital e pelo crime.

E se você não se der conta que a fuga de capitais, o crime e a guerra são a chave para a balança de pagamentos, mas só bens e serviços, então você está tendo a mesma ilusão que Krugman tem sobre a economia estadunidense – de que o setor financeiro consiste em bancos emprestando dinheiro para fábricas, para pagarem os trabalhadores para produzirem bens e serviços que eles compram, deixando de fora o mercado de ações, o mercado imobiliário, o sistema bancário comercial, o capital privado e tudo mais que é uma área vazia para o Sr. Krugman.

BEN NORTON: Sim, eu devo dizer que é muito incrível ver que este é um economista vencedor do Prêmio Nobel escrevendo no New York Times; e ele, convenientemente, deixa de fora qualquer menção à conta de capital.

Ele não menciona a conta de capital sequer uma vez neste longo artigo.

No entanto, qualquer um que tenha cursado a classe de Macroeconomia 101 sabe que se supõe que o inverso da conta corrente é a conta de capital. Nenhuma menção a isto.

Nenhuma menção sobre todos aqueles dólares sendo reciclados de volta para os EUA.

Então, enquanto os EUA mantêm este déficit comercial massivo, aqueles dólares dão a volta ao mundo, mas são reciclados de volta para comprar ativos nos EUA – o que ajuda a manter a bolha toda flutuando.

MICHAEL HUDSON: É por isso que deram a ele o Prêmio Nobel, porque ele foi capaz de criar um conto de fadas aparentemente legível sobre como a economia funcionaria se não tivesse dinheiro algum, se não tivesse dívida alguma, se não se tratasse de navios de guerra, se não existisse crime algum, se o setor financeiro não controlasse o governo – mas os governos foram eleitos para representarem os interesses do povo em ganhar salários e para manter melhores padrões de vida.

Se ele puder, de alguma maneira, prover uma mitologia legível, como um conto de fadas, que parece fazer sentido e que tudo seria bom se fosse verdade, então você ganha o Prêmio Nobel. Aí, então, você é aplaudido e você é contratado pelos jornais que são os representantes da oligarquia financeira que manda no país.

BEN NORTON: Muito bem dito. Uma nota final para terminar aqui, Michael, é provavelmente o ponto mais insípido e francamente estúpido no artigo de Krugman, que realmente reflete o seu principal ponto de fala, que é simplesmente que o dólar é poderoso porque é poderoso.

Para concluir o seu artigo, Krugman escreveu que “A linha final na maior parte das suas análises é que o dólar é amplamente usado porque é amplamente usado – que todos os vários papéis que o dólar desempenha criam uma rede de auto-reforço, mantendo o dólar proeminente”.

Isto é uma tautologia. O dólar é poderoso porque é poderoso, e sempre será assim.

Esta é a ideologia de gente como Paul Krugman e Charles Kindleberger.

Obviamente, esta é a razão pela qual eles são elevados nas mídias estadunidenses. É por isso que eles ganham honrarias e prêmios. Mas isto também mostra, na verdade, quão vazios são os seus argumentos.

E eu penso que talvez, bem no fundo, ele provavelmente sabe que ele não tem muito para argumentar. Porque se um universitário apresentasse aquele argumento, um professor de filosofia o rasgaria em pedaços; mas, talvez um economista, um economista neoclássico, neoliberal, provavelmente o levaria a sério. Eles são os únicos.

MICHAEL HUDSON: Bem, o que quer dizer “amplamente usado”?

Pergunte-se por um minuto, por que a Venezuela não usa dólares? Por que a Rússia não usa dólares e se afastou dele? Ou euros? Por que a China disse que tinha que se afastar do dólar?

Por que a Arábia Saudita fez arranjos com a China e outros países dos BRICS para comercializar nas suas próprias moedas e não em dólares?

Se você não reconhece o fato que outras pessoas têm uma outra ideia, então você é muito tendencioso.

Por que é que os bancos centrais da Rússia, da China e do mundo todo estão comprando ouro, especialmente nos últimos meses? Por que os países estão decidindo que vão vender dólares e comprarão ouro?

Deve haver alguma lógica nisso. Por que ele não explica pelo menos qual é esta lógica?

Ele pode dizer que há contra-argumentos, mas você tem que reconhecer o fato que outras pessoas devem ter alguma razão para aquilo que estão fazendo.

Então, Krugman está dizendo que outras pessoas não têm razão alguma para o que estão fazendo. E quando eles se afastam do dólar, não existe uma razão para eles fazê-lo.

Obviamente, se você lê os discursos que estes países fazem, o que os ministros de relações exteriores e banqueiros centrais dizem, eles explicam exatamente porque estão fazendo o que eles estão fazendo.

E você não lê sequer uma palavra sobre isso no New York Times, assim como você não lê uma palavra sobre o que Seymour Hersh escreveu sobre a explosão executada pelos EUA no gasoduto russo Nord Stream para a Alemanha.

Há certas coisas que você simplesmente não discute na sociedade polida.

BEN NORTON: Bem, esta é uma ótima nota para terminar. Eu quero lhe agradecer, Michael Hudson, um economista brilhante e autor de muitos livros. O website dele é michael-hudson.com .

E Michael também apresenta um programa regular aqui com Radhika Desai, que é o 'Geopolitical Economy Hour'.

Michael, muito obrigado por ter estado aqui comigo.

MICHAEL HUDSON: É muito bom estar aqui. Eu adoro essas discussões. Alguém tem que falar sobre isso.

BEN NORTON: É sempre um prazer. A qualquer momento.

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